Eleições americanas e o Brasil (por André Gustavo Stumpf)

A eleição nos Estados Unidos não é nacional. O processo resulta de várias eleições estaduais, cada uma com sua própria característica. Em cada estado a cédula de votação, que pode ser de papel ou eletrônica, oferece diversas opções ao eleitor que vota no presidente e nas várias escolhas que ocorrem no mesmo dia, uma terça-feira. Até temas comunitários aparecem nas cédulas. Por esta razão fazer pesquisa eleitoral nos Estados Unidos é algo muito perigoso. Institutos já erraram muito.

Na eleição de Donald Trump, o país dormiu achando que Hillary Clinton tinha sido eleita, mas seu opositor conseguiu vencer nos estados com maior número de delegados. Ele perdeu no voto popular, mas venceu no Colégio Eleitoral. Trump perdeu, mas ganhou. Difícil de explicar, mas o jogo é este. Agora ocorre o mesmo fenômeno. Kamala Harris tem um ou dois pontos de vantagem sobre Donald Trump, mas isto não significa nada. A vantagem é ganhar nos estados que elegem o maior número de delegados. Quem ganha, leva todos os votos do estado. Califórnia e Nova Iorque, que possuem grande número delegados, são francamente favoráveis aos democratas.

Mas no resto do país as opiniões se dividem profundamente. Os Estados Unidos eram o país mais forte do mundo logo após ao final da Segunda Guerra Mundial. Sua economia financiou a recuperação da Europa devastada pelo conflito e expandiu seu capitalismo por todo o mundo. O dólar era, e ainda é, a moeda de referência para transações comerciais. O poder norte-americano se espalhou pelo planeta. Suas empresas buscaram novos mercados e mão de obra mais barata. Eles criaram o conceito de mercado livre e de combate ao protecionismo comercial.

Fizeram acordo com a China Comunista que entrou para a Organização Mundial de Comércio. Chinês, ao contrário do norte-americano, não gosta de guerra. Ao primeiro sinal de conflito envia o homem de negócios, enquanto os marines atuam em vários pontos do globo. Onze formidáveis porta-aviões movidos por energia nuclear, com cerca de cinco mil tripulantes cada um, navegam, pelos mares do mundo. O custo desta operação é monumental. Vários bilhões de dólares/mês. Além do custo das dezenas de bases militares espalhadas pelo planeta.

A China, que hoje é a segunda maior economia do mundo, atraiu empresas de vários países, entre elas as dos Estados Unidos. A globalização radicalizou no conceito de integração e liquidou os mercados locais. Todos foram invadidos por produtos predominantemente chineses com preços baixos. Mas hoje no próprio mercado norte-americano é difícil comprar roupas fabricadas lá. São peças produzidas na América Central ou na Ásia. O eleitor que vive no interior dos Estados Unidos, de repente, se viu com salário menor ou até sem emprego. Este eleitor, que se achava rico em relação ao resto do mundo, começou a votar em quem prometia reviver seus melhores tempos. É impossível fazer a história retroceder. Mas o eleitor norte-americano procura respostas para seu recente desalento.

O país foi construído pela mão de obra dos negros escravizados na África, por migrantes latinos, asiáticos e milhares de europeus que fugiram da recessão e da pobreza na Inglaterra, na Irlanda e outros países da região. Esta mistura de gentes, com base em conceitos protestantes, cada a um por si, resultou nos Estados Unidos da América do Norte com fundamento na liberdade e na capacidade do indivíduo produzir seu próprio futuro.

O Brasil não figura entre as principais preocupações do governo de Washington. O problema maior deles é a fronteira sul. Se Trump for eleito, uma das primeiras ações será anistiar os responsáveis pela invasão do Congresso. No Brasil, este ato será compreendido como incentivo para anistiar o pessoal que invadiu as sedes dos Três Poderes em Brasília. Depois disto, virá a eventual anistia de Bolsonaro. Isso no território da política. Na economia, a provável elevação de tarifas sobre produtos chineses vai ter repercussões no Brasil e na política externa.

O confronto entre China e Estados Unidos estará mais próximo. A distribuição de forças na diplomacia se modificou profundamente. A Rússia conseguiu superar dificuldades criadas pelo bloqueio econômico determinado pelos Estados Unidos e países europeus. A nova composição dos BRICS colocou Moscou e Pequim no centro de uma organização poderosa, em termos financeiros, sem grandes preocupações com a democracia. É difícil retornar aos anos sessenta, quando os Estados Unidos eram a potência absoluta e universal. Hoje há inclusive a surpresa da Índia que se tornou a quinta maior economia do mundo. E cresce a mais de 7% ao ano. É a novidade com bomba atômica, submarino nuclear e capacidade de enviar o homem à Lua.

 

André Gustavo Stumpf, jornalista ([email protected])

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