The Economist apoia Kamala (Por Armando Mendes)

Na contramão dos jornalões americanos que desistiram de apoiar um candidato à eleição presidencial deste ano —  como o Washington Post e o Los Angeles Times –, a revista britânica The Economist anunciou no último dia de outubro que, se tivesse um voto, o daria à candidata democrata Kamala Harris.

A Economist explica a escolha: dar um segundo mandato (não-consecutivo) ao republicano Donald Trump, o adversário de Harris, significa assumir riscos inaceitáveis para os Estados Unidos e para o mundo. “Ao fazerem de Mr. Trump o líder do mundo livre, os americanos estariam jogando com a economia, com o império da lei e com a paz internacional” (é o que dizem os editores da revista).

Não é possível quantificar o risco de que alguma coisa saia muito errada num novo governo Trump. Mas risco certamente há, e os eleitores que o minimizam estão iludindo a si próprios, argumenta a revista.

Para começar a entender tais riscos, é preciso reconhecer que a economia está mais frágil do que no primeiro mandato. E as propostas de Trump ficaram mais extremas, na análise da revista.

Ele continua querendo taxar importações, cortar receita de impostos, e promete deportar milhões de imigrantes já integrados à economia americana, com trabalho e famílias no país. Tudo isso causaria inflação, guerras comerciais, déficits maiores e empobrecimento dos EUA.

Na frente externa, os riscos hoje são maiores, com uma guerra em curso na Ucrânia e um conflito cada vez mais violento no Oriente Médio, ameaçando degringolar em guerra aberta. Mas Trump parece não ter mudado nada, desprezando aliados, tratados e o trabalho diplomático para conter crises, em favor de ameaças irresponsáveis e mais confronto.

Para arremate dos males, quase já não há profissionais experientes que consigam conter ou resistir a Trump nas máquinas de governo e de partido, como havia em seu primeiro mandato. O Partido Republicano foi remodelado à imagem do chefe e quem resistiu foi escanteado (alguns estão apoiando Kamala). E os republicanos se preparam com cuidado  para, em novo mandato de Trump, aparelhar o governo federal em seus postos-chave com gente de confiança do ex-presidente, com as bençãos da Suprema Corte de maioria conservadora.

Toda essa dissecação do risco-Trump soa como um alerta explícito aos eleitores menos extremistas do candidato — aqueles que votariam nele como um risco calculado, contando que seus piores traços autoritários e de personalidade seriam contidos por assessores sensatos e pela  máquina institucional americana (trata-se de um grupo que inclui muitos leitores de The Economist, reconhecem os editores).

Em resumo, a revista parece dizer a seu público: cuidado, não brinque com fogo. Kamala Harris, ao contrário, é apresentada como uma candidata sem brilho e pouco preparada, mas muito longe de ameaçar desastres. Um mal menor. O endosso à candidata democrata está saindo na revista impressa que estará nas bancas neste sábado, mas foi antecipado na edição online  (www.economist.com).

Os editores postaram ainda no site um texto menor para explicar porque The Economist segue mantendo a tradição de informar aos leitores qual seu candidato preferido em eleições nacionais — ao contrário de jornais como os já citados.

Para The Economist, revelar as preferências eleitorais da redação é uma forma de reafirmar sua independência editorial e dar ao leitor uma oportunidade de confrontar a postura da revista com suas próprias opiniões.

Abre-se aí um conflito de ideias dentro do meio jornalístico. Para os jornais que não vão mais apoiar candidatos, em especial o Washington Post — hoje integrado ao império de Jeff Bezos, o magnata dos negócios digitais que criou o conglomerado Amazon –, essa nova postura, ao contrário do que pensam os britânicos, ajudaria a imprensa americana a recuperar a confiança dos leitores e superar uma profunda crise de credibilidade.

É mais lenha numa fogueira que já queima forte. As explicações de Bezos para a mudança de hábitos políticos do Washington Post, expostas numa longa nota assinada no jornal, não convenceram muita gente.

A forma, e principalmente o timing do anúncio de que não haveria mais endossos, deixaram em jornalistas, políticos e o público um gosto de decisão apressada, mal discutida e feita no pior momento — a poucos dias da eleição presidencial mais parelha e bruta do século nos EUA.

Ficou no ar um sinal de fraqueza e recuo de Bezos, que tem o governo americano como cliente importante em outros negócios, em especial os negócios digitais do braço Amazon. Enfim, de um conflito mal-resolvido entre a independência editorial que o Washington Post teria de demonstrar, agora mais do que nunca, e os interesses comerciais e corporativos de seu proprietário.

Talvez por isso os editores de The Economist tenham tido a necessidade de explicar em detalhe porque mantêm seus endossos, e não só a Kamala Harris nesta eleição (eles lembram que a revista já apoiou candidatos democratas ou republicanos em outros momentos).

E também de deixar clara uma ressalva: no caso da revista britânica, trata-se de uma decisão exclusivamente da redação — o chairman e a direção do grupo empresarial que publica a revista não têm voz sobre os endossos políticos, e o grupo não tem um acionista majoritário.

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