Famílias de vítimas de operação da PM temem nova matança no litoral

Santos — Moradores de bairros periféricos da Baixada Santista que perderam familiares em operações da Polícia Militar na região temem uma nova matança, após a corporação anunciar um reforço do policiamento, diante da ação policial que resultou na morte do menino Ryan, de 4 anos.

Entre julho e setembro do ano passado, a Operação Escudo, deflagrada após a morte do soldado da Rota Patrick Bastos Reis, na comunidade Vila Júlia, no Guarujá, resultou na morte de 28 pessoas. A Operação Verão III, deflagrada em janeiro deste ano, provocou a morte de 66.

A versão da PM para as ocorrências é que os suspeitos teriam reagido à abordagem e atirado contra os policiais, contrariando o que dizem testemunhas.

A nova operação conta com todo o efetivo do 6º Batalhão do Interior, de Santos, e com o envio diário de 48 viaturas de batalhões de elite da PM, como COE, Rota e os demais batalhões de choque — o dobro do usual.

No dia seguinte à morte de Ryan, um homem foi morto pela PM na Praça José Lamacchia, na zona noroeste de Santos. Moradores de toda a Baixada Santista relatam o clima de tensão e viaturas por todas as cidades da região.

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Morro São Bento, em Santos, durante a Operação Verão, em 2024

Morro São Bento, em Santos, durante a Operação Verão, em 2024
Morro São Bento, em Santos, durante a Operação Verão, em 2024
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Morro São Bento, em Santos, durante a Operação Verão, em 2024

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Beatriz da Silva Rosa, mãe do menino Ryan, caminha em março de 2024 pelo Morro São Bento, em Santos

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Cápsulas deflagradas durante confronto no Morro São Bento, em Santos, que resultou na morte de uma criança

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Morro do São Bento, em Santos

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Morro do São Bento

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Morro do São Bento, em Santos, onde pelo menos uma morte em confronto com a PM foi registrada durante a Operação Escudo

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Polícia Militar durante a Operação Verão, em Santos, no litoral de São Paulo

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Polícia Militar durante a Operação Verão, em Santos, no litoral de São Paulo

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Polícia Militar durante a Operação Verão, em Santos, no litoral de São Paulo

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Segundo o porta-voz da corporação, Emerson Massera, o reforço do policiamento tem como objetivo responsabilizar pessoas que supostamente teriam atirado contra policiais na ação que provocou a morte de Ryan.

O coronel afirma que o disparo que matou o menino “provavelmente” partiu da arma de um policial. Apesar disso, diz ele, os policiais envolvidos na ocorrência serão tratados como “vítimas”, porque, segundo o coronel, teriam sido atacados por um grupo de aproximadamente 10 pessoas.

Na ação, dois adolescentes, de 15 e 17 anos, foram baleados, e o mais velho morreu. Testemunhas afirmam que só os PMs atiraram.

“Medo da morte voltou”

Tainara da Cruz, de 26 anos, diz que, após a tragédia com o menino Ryan, voltou a ter medo de morrer. A mulher, moradora da Vila dos Criadores, teve o marido morto por policiais militares em 12 de fevereiro, domingo de carnaval.

José Marcelo Neves dos Santos, de 31, havia saído de casa para comprar gasolina. Ele foi encontrado desfigurado no Instituto Médico Legal (IML), após ser fuzilado pela PM.

“A gente voltou de novo a ficar com aquele medo da morte. A gente está vivendo um dia de cada vez, é difícil. A gente fica com receio até de sair para a rua, tomar um tiro, morrer. A gente já fica tudo dentro de casa de novo. Porque eles acham que todo mundo é bandido, traficante. Tratam as pessoas muito mal”, afirma Tainara ao Metrópoles.

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José Marcelo

Comerciante era casado e deixa três filhos
José Marcelo saiu para comprar gasolina e foi morto pela Rota, segundo a família
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José Marcelo saiu para comprar gasolina e foi morto pela Rota, segundo a família

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Segundo a mulher, o policiamento na região havia diminuído. Mas, desde a semana passada, antes mesmo da morte de Ryan, os batalhões de elite da PM voltaram em peso.

A maior preocupação, diz Tainara, são os filhos, de 1, 8 e 10 anos. “A polícia vem sempre no horário das crianças saírem da escola. Quem busca eles é a avó. Ela vive em estado de choque”, afirma a mulher.

Tainara conta que seu filho mais velho sonhava em ser policial. Após a morte do pai, passou a ter ódio da PM.

“O sonho do meu filho mais velho era ser policial. Depois que aconteceu isso com o pai dele, quando a polícia passa na rua ele já fica com aquela revolta, xinga. Ele odeia, odeia a polícia. Antes, todo policial que passava aqui na favela ele para parava para falar, conversar. Agora não. Eles estão com sentimento de nervosismo, a menina tem ansiedade. Só por Deus.”

“Preciso sair daqui”

Luciana de Castro, nascida e criada no Morro do São Bento, decidiu deixar a comunidade após décadas. A mulher, que teve o marido morto por policiais da Rota em 10 de fevereiro, afirma que a morte do menino Ryan teria sido o estopim de uma rotina de perseguição.

“Nós vamos tirar a Bia daqui, eu estou saindo também. Eu sou moradora do morro, estou vendendo minha casa pela metade do preço. Eu quero ir embora. Não dá mais para viver aqui. A gente é daqui, a gente é nascido e criado no morro. Minha raiz é aqui”, conta a moradora.

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Allan de Morais Santos

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Allan de Morais Santos

O marido de Luciana, Allan de Morais Santos, de 36 anos, foi morto enquanto voltava do trabalho, no Jabaquara Esporte Clube. “Da maneira que nosso marido morreu, da maneira que o filho da Bia morreu, é claro que a gente tem medo. Tudo isso é terrível”, desabafa Luciana.

A mulher afirma que, mesmo após o fim da Operação Verão III, em 1º de abril, a violência policial no Morro do São Bento não reduziu.

“Não houve redução da presença da polícia. Acho que isso foi abafado um pouco, na mídia. Mas aqui está tudo igual”, diz.

Câmera na casa

Ricardo Santos, de 42 anos, perdeu o sobrinho, em 1º de agosto de 2023, durante a Operação Escudo. Layrton Fernandes da Cruz Vieira de Oliveira, 22 anos, foi morto com tiros de fuzil por policiais militares na casa de um amigo, no bairro do Jabaquara. O cachorro, Roque, também foi morto.

Diante do aumento do policiamento de choque na região, Ricardo diz ter medo de ser “pego na covardia”.

“Eu fico com medo de eles pegarem nós na covardia, dar um tiro pelas costas, que nem fizeram com a molecadinha lá em cima. Daí, depois diz que a arma disparou sem querer. Nós têm medo (sic). A população tem medo, né, de tomar tapa na cara, levar esculacho”, afirma.

Layrton Fernandes da Cruz Vieira de Oliveira
Layrton Fernandes da Cruz Vieira de Oliveira

“Eu moro no fundo do morro, em umas vielas. Eles estavam vindo direto, só que aí denunciaram eles no MPSP, na Corregedoria, e eles pararam de vir”, acrescenta.

Ricardo conta que, após a morte do sobrinho, decidiu instalar câmeras em sua casa.

“Eu coloquei câmera na minha casa. Tenho medo de eles invadirem nossa casa, jogar arma, droga, em mim, como eles fazem. Na minha sobrinha, há uns dois meses, os policiais cortaram o wi-fi onde estava ligada a câmera. É complicado.”

“Dói o coração ainda. Todo mundo comenta que o Layrton era um menino do bem.”

“Mamãe, eu quero morrer”

Nove meses antes de ser morto durante uma ação policial, o menino Ryan da Silva Andrade, de 4 anos, teve o pai fuzilado por policiais do Comando de Operações Especiais (COE), também no Morro do São Bento.

Leonel Andrade Santos, de 36 anos, tinha uma deficiência na perna e andava de muleta. Apesar disso, os PMs envolvidos na ocorrência disseram que ele estava armado e teria atirado. Jefferson Ramos Miranda, de 37 anos, amigo de Leonel, também foi morto. A ação ocorreu na Rua São Mateus, a poucos metros de onde Ryan foi morto.

O Metrópoles esteve no local, em março, e conversou com Beatriz da Silva Rosa, esposa de Leonel e mãe do garoto. Na ocasião, ela relatou o desespero do filho diante da tragédia. Segundo a mulher, o Ryan dizia que gostaria de morrer para reencontrar o pai.

“Todo dia eu tenho que explicar. Todo dia eles perguntam do pai. Esses dias, meu filho mais novo falou: ‘Mamãe, eu quero morrer’. Aí, eu desviei o olhar, tentei conversar de outra coisa para ver se ele se distraía. E ele repetia: ‘Mamãe, olha para mim, eu quero morrer, e tem que ser agora, porque eu quero ver meu pai’. ‘Filho, a gente não pode antecipar isso, Deus vai preparar nossa hora e um dia a gente vai rever o papai, mas por enquanto a gente vai ter que caminhar’”.

Assista:

“Meu filho foi embora”

Diante de um choro coletivo e fogos de artifício, o corpo de Ryan da Silva Andrade foi enterrado na manhã desta quinta-feira (7/11), no cemitério da Areia Branca, na zona noroeste de Santos. Arrasada, a mãe, Beatriz da Silva Rosa, precisou ser levada em uma cadeira de rodas, sem conseguir se manter de pé.

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“Meu filho foi embora”: menino morto em ação da PM de SP é enterrado

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“Meu Deus do céu, meu filho foi embora”, dizia a mulher, aos prantos, enquanto o caixão com o corpo do filho era colocado em uma gaveta no cemitério.

Assista:

Momentos antes, durante o cortejo fúnebre, policiais militares atrapalharam o caminho de familiares e moradores do Morro do São Bento pelas ruas da comunidade, impedindo a passagem dos carros e motos que acompanhavam o veículo que transportava o caixão.

Viaturas da PM também rondaram o cemitério durante o enterro. Depois da cerimônia, houve tumulto do lado de fora. Policiais militares fizeram uma abordagem a um motociclista em frente ao cemitério. Segundo o ouvidor das polícias, Claudinho Silva, essa foi uma tentativa de intimidação.

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