Absolvição no caso Ágatha Félix expõe o racismo no sistema de Justiça

O caso da menina Ágatha Félix abalou o país, trazendo à tona questões profundas sobre segurança pública, racismo estrutural e violência policial. Ágatha tinha apenas 8 anos e estava no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em 20 de setembro de 2019, quando um disparo, feito por um policial militar, tirou sua vida. A justificativa do PM foi de que atirou em resposta a uma suposta ameaça de criminosos. No entanto, investigações revelaram que o tiro foi disparado sem um alvo específico, atingindo fatalmente o veículo onde Ágatha estava com a mãe. Após anos de espera e luto, a família de Ágatha viu o policial ser absolvido em um júri popular — um veredito que escancara a impunidade e expõe o abismo racial que permeia a Justiça no Brasil.

A morte de Ágatha não é um caso isolado. Entre 2011 e 2021, o Instituto de Segurança Pública (ISP) aponta que mais de 80% das crianças e adolescentes mortos por violência no país eram negros. Esses números, por si só, são indicativos de um sistema que parece considerar a vida negra como descartável. A realidade de crianças negras no Brasil é permeada pela “adultificação” — um fenômeno que faz com que, desde cedo, sejam vistas como menos inocentes, mais perigosas, menos dignas de compaixão e proteção. Essa percepção distorcida da infância negra contribui diretamente para que o sistema de segurança e Justiça trate essas crianças com desdém, legitimando uma violência que é sistemática e profundamente enraizada.

A absolvição do policial acusado de matar Ágatha Félix reflete não apenas uma falha judicial, mas um sintoma de um racismo que normaliza a violência policial contra pessoas negras. A decisão foi recebida com indignação e revolta por familiares de Ágatha e movimentos de direitos humanos, que a veem como mais uma prova de que o sistema de justiça no Brasil continua ineficaz na responsabilização de agentes do Estado pelo uso excessivo da força. A família de Ágatha já anunciou que vai recorrer, mas quantas famílias negras precisam recorrer em busca de uma justiça que raramente as atende?

O modelo de policiamento que vigora no Brasil, fundamentado na lógica da “guerra às drogas”, alimenta uma violência indiscriminada nas periferias, majoritariamente negras. Esse modelo é um dos pilares que sustentam essa violência contínua contra a população negra e pobre, onde meninos são vistos pelo senso comum racista do país como potenciais criminosos e meninas como vulneráveis à hiperssexualização e exploração. Enquanto o combate à criminalidade não diferenciar indivíduos em situação de vulnerabilidade de criminosos, mortes como a de Ágatha continuarão sendo consideradas, friamente, como “danos colaterais”. Este caso de absolvição não representa apenas um erro jurídico; é a reprodução da visão racista que permeia a sociedade e o próprio Estado brasileiro. Essa estrutura racista, ao ignorar as evidências e depoimentos que indicam o policial como responsável pela morte de uma criança inocente, legitima a violência contra a infância negra e favelada, tornando-a ainda mais vulnerável e desamparada.

O Brasil, ao tratar um caso como o de Ágatha com tamanha negligência, envia uma mensagem devastadora: a de que a vida de uma criança negra vale menos, é menos digna de justiça e menos protegida pelo sistema. Esse veredito, assim como tantos outros envolvendo a violência contra a população negra, reafirma a necessidade urgente de uma revisão completa do sistema de segurança pública e de justiça, que contemple e valorize a dignidade humana de todos, sem distinção de cor ou classe.

A morte de Ágatha e a impunidade que a envolve não podem ser vistas como mais um dado trágico. São um espelho do quanto nossa sociedade se recusa a reconhecer e proteger a infância negra e periférica. O país precisa urgentemente confrontar seu racismo e construir políticas que realmente defendam os direitos e a segurança das suas crianças — todas elas.

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