Bombas, aluguel e alerta: como foi a premeditação das explosões no STF

O chaveiro Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos, conhecido agora como o homem-bomba que tirou a própria vida, após lançar explosivos contra o Supremo Tribunal Federal (STF), na noite de quarta-feira (13/11), vinha premeditando o atentado terrorista há meses. Investigações da Polícia Federal (PF) apontam que ele estava morando no Distrito Federal, desde julho deste ano.

Francisco, que era natural de Santa Catarina e morador de Rio do Sul (SC), cidade com pouco mais de 76 mil habitantes, alugou uma casa em Ceilândia (DF) e viveu no local, nos últimos meses. O imóvel serviu como ponto de apoio para a concretização do plano, que envolveu confecção de bombas caseiras, prints de alerta na internet, explosivo em gaveta e escolha de uma data específica para cometer o atentado.

Tiü França, como ele era chamado por amigos, familiares e pessoas de Rio do Sul, viveu uma vida discreta nos meses em que esteve em Ceilândia, apesar de alguns moradores estranharem o jeito dele. O catarinense chegou em seu carro, um Kia Shuma prata, o mesmo utilizado no atentado, e alugou não só a casa para morar, mas também um trailer de uma comerciante da região para armazenar explosivos.

No mês seguinte à chegada ao DF, em agosto, Francisco visitou o STF e fez uma foto dentro do plenário. “Deixaram a raposa entrar no galinheiro (chiqueiro)”, escreveu ele numa das várias mensagens publicadas nas redes sociais, momentos antes do atentado. O chaveiro não fez questão de esconder o próprio rastro, pelo contrário. Tudo foi devidamente arquitetado e planejado.

Ex-candidato a vereador pelo Partido Liberal (PL) em 2020, Tiü França escolheu, propositalmente, um dia 13 para colocar o plano em prática. Isso, porque a data, conforme seu posicionamento político, reflete um número que ele não gostava. “Eu não gosto do número 13. Tem cheiro de carniça igual cachorro quando morre”, consta em um dos prints compartilhados por ele no dia do crime.

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Francisco Wanderley Luiz, homem que detonou bomba em frente ao STF e dono de carro que explodiu próximo ao Congresso

Francisco Wanderley Luiz morreu durante atentado
Homem estava vestido com roupa estampada com naipe de baralho
Print de conversa
Policia Federal faz perícia no corpo do homem-bomba que se explodiu em frente ao STF
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Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos, que explodiu bomba em frente ao STF

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Francisco Wanderley Luiz, homem que detonou bomba em frente ao STF e dono de carro que explodiu próximo ao Congresso

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Francisco Wanderley Luiz morreu durante atentado

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Homem estava vestido com roupa estampada com naipe de baralho

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Policia Federal faz perícia no corpo do homem-bomba que se explodiu em frente ao STF


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Policia Federal faz perícia no corpo do homem-bomba que se explodiu em frente ao STF


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Bombas caseiras, explosões por etapas e roupa especial

Entre os explosivos utilizados por Francisco, a PF identificou desde fogos de artifício que estavam no porta-malas do Kia-Shuma, estacionado perto da Praça dos Três Poderes, até um simulador de lança-chamas – extintor cheio de gasolina – e bombas de tubo, feitas artesanalmente, com canos PVC, pólvora e materiais de fragmentação para aumentar o dano da explosão.

“É um material com grau de lesibilidade muito grande, com vários agentes e artefatos de fragmentação que simulam uma granada. Poderia causar um dano ainda maior se houvesse o intento concluído dessa pessoa”, diz o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues.

O processo de explosão, na quarta-feira, foi dividido em etapas. Os primeiros barulhos que ressoaram na Praça dos Três Poderes vieram do porta-malas do carro. Francisco, segundo a PF, colocou fogos de artifício estruturados sobre tijolos, com a intenção de canalizar a mira ou que eles fossem direcionados para um único local.

Os fogos foram acionadas pelo catarinense à distância, outro elemento que reforça o planejamento. Nesse momento, ele já caminhava em direção ao STF, vestido com uma roupa especialmente escolhida para a ocasião. Francisco estava com uma vestimenta verde, estampada com naipes de baralho. Ele levava consigo, junto ao corpo, unidades das bombas de tubo, mais destrutivas e letais do que os fogos.

Após Francisco jogar uma bomba em direção ao STF e contra a estátua da Justiça, agentes da segurança do prédio tentaram contê-lo, ainda sem entenderem o que estava acontecendo, mas não deu tempo. O homem tirou a própria vida, detonando um dos explosivos. O rosto e a mão direita dele ficaram totalmente destruídos. Restos mortais foram arremessados a metros de distância do local.

Dentro do trailer alugado pelo catarinense e que estava parado próximo ao veículo, a PF encontrou mais artefatos, além de um celular de Francisco, em bom estado e que será submetido à análise pericial, e os documentos do carro.

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Interior da quitinete onde Francisco Wanderley morava, em Ceilândia

Interior da quitinete onde Francisco Wanderley morava, em Ceilândia
Print postado por Francisco Wanderley no Fcebook
William Bonner foi ameaçado por homem que explodiu carro no STF
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Interior da quitinete onde Francisco Wanderley morava, em Ceilândia

VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto

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Interior da quitinete onde Francisco Wanderley morava, em Ceilândia

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Interior da quitinete onde Francisco Wanderley morava, em Ceilândia

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William Bonner foi ameaçado por homem que explodiu carro no STF

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Trailer foi guinchado na manhã desta quinta-feira (14/11)

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Trailer do homem-bomba

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Francisco morreu no atentado

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O trailer foi alugado por Francisco Wanderley Luiz

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No local havia ferramentas

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Prints de alerta na internet

Assim que o nome dele foi descoberto, o Metrópoles identificou que ele possuía um perfil ativo no Facebook. A última postagem havia sido feita por Francisco minutos antes de morrer, e até isso fazia parte do plano. O chaveiro compartilhou dezenas de prints de mensagens que ele enviava para si mesmo pelo WhatsApp, nas quais anunciava o que iria acontecer.

“Vamos jogar? Polícia Federal, vocês têm 72 horas para desarmar a bomba que está na casa dos comunistas de merda”. E continuou: “Cuidado ao abrir gavetas, armários, estantes, depósito de materiais etc. Início: 17h48 do dia 13/11/2024. O jogo acaba dia 16/11/2024. Boa sorte!”, detalhou ele.

Entre os prints, havia mensagens direcionadas a políticos e autoridades, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o presidente reeleito dos EUA, Donald Trump, os presidentes da Câmara e do Senado, no Brasil, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), comandantes do Exército e o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Luiz Fernando Corrêa.

Explosivo em gaveta e mensagem deixada em espelho

Os textos direcionados, no entanto, não eram o que mais preocupavam. O que mais assustou foram os indicativos de que havia mais bombas e de que toda a ação poderia durar por até três dias. Ao descobrir a casa alugada por Francisco, em Ceilândia, a PF enviou uma equipe para o local, durante a madrugada dessa quinta-feira. A varredura exigiu cuidado extremo.

Andrei Rodrigues explicou que foi utilizado um robô antibombas para explorar, inicialmente, o local, pois havia a suspeita de que outras bombas poderiam estar ativadas no interior do imóvel, à espera da chegada da polícia. Não deu outra. “Entramos na residência e, ato contínuo, ao abrir uma gaveta, houve uma explosão gravíssima. O robô salvou a vida de policiais que, se tivessem entrado na residência, certamente não sobreviveriam pela intensidade da explosão”, expôs o diretor-geral da PF.

A detonação confirmou o alerta dado por Francisco nos prints de mensagens – “cuidado ao abrir gavetas”. É como se ele soubesse que a polícia chegaria ao imóvel e seria surpreendida pelos explosivos deixados no local. O plano, no entanto, não parou por aí. O catarinense deixou uma mensagem escrita no espelho do banheiro que traça uma possível relação do atentado com os atos de 8 de janeiro.

“Débora Rodrigues. Por favor, não desperdice batom! Isso é para deixar as mulheres bonitas! [Em] Estátua de merda se usa TNT [dinamite]”, escreveu ele. O texto é endereçado à mulher que escreveu “Perdeu, mané” na estátua da Justiça, durante os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Ela está presa desde março do ano passado.

A Polícia Federal instaurou inquérito para investigar o caso, cujo relator no STF será o ministro Alexandre de Moraes, principal alvo do atentado de Francisco. Segundo a ex-mulher dele, que aparece em vídeo que circula na internet, o ex-companheiro pretendia entrar no STF e matar Moraes. O caso vem sendo tratado como atentado terrorista e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

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