Juan Arias, o homem feliz da praia de Saquarema (Antonio Jiménez Barça

“E se você tiver dúvidas, pergunte a Juan Arias , que mora lá.” Esse foi o principal conselho que meus chefes me deram quando me enviaram para São Paulo em 2014 como correspondente e chefe de delegação da edição brasileira do EL PAÍS. Liguei para Juan logo que cheguei: não entendi nada daquele país fascinante e difícil onde há quem vá de helicóptero para fugir dos engarrafamentos de São Paulo e quem viaje de canoa para vender frutas na Amazônia. Juan me atendeu ao telefone com sua voz doce de uma pequena cidade do Estado do Rio de Janeiro e sempre me livrou de problemas com aquela mistura de lucidez, sabedoria e paciência que logo reconheci como parte de sua personalidade requintada. Aos poucos fui ligando para ele cada vez mais, e para mais e mais coisas. E algumas semanas depois fui visitá-lo em sua casa naquela cidadezinha do Estado do Rio de Janeiro.

A cidade se chama Saquarema e a casa tinha paredes coloridas, pouca mobília, muita luz e dava para um mar azul e uma praia linda e infinita. Naqueles dias falamos muito do Brasil e deste jornal, mas também do Papa – muitos papas –, da Itália, dos livros, do jornal Pueblo, da religião ou do presunto serrano. Fazíamos isso em casa, acompanhados de sua esposa, a maravilhosa Roseana Murray, escritora e poetisa, mas também em longas caminhadas pela orla. Digo que conversamos, mas tentei deixá-lo falar, porque ele tinha muito mais coisas para dizer e o fez com aquele misto de sabedoria, paciência e lucidez que eu já começava a admirar. Naquele fim de semana, ele e Roseana me contaram sua história de amor: como Juan deixou tudo para trás quando tinha mais de 60 anos e se mudou para o Brasil e como Roseana deixou todo o Brasil para trás e se mudou para Saquarema. Quando voltei para São Paulo naquele domingo e vi os dois se despedindo de mim na porta de sua casa, com toda a luz do mar no rosto, pensei que, como naquele famoso filme argentino de Adolfo Aristarain, Juan Arias foi um daqueles poucos homens de sorte que encontrou seu lugar no mundo.

Fora filho da guerra, seminarista, sacerdote, teólogo, ex-padre, jornalista de Pueblo , correspondente em Roma do EL PAÍS, membro da revista Babelia, Defensor do Leitor, escritor e, por fim, correspondente no Brasil. Talvez ele tenha te dado uma palestra sobre Giulio Andreotti que decifrou Lula da Silva ou te orientado onde plantar uma orquídea. Foi um verdadeiro professor para todos, especialmente para os jovens jornalistas que compunham o EL PAÍS Brasil, brasileiros e espanhóis, a quem ajudou generosamente desde o primeiro dia, sem conhecê-los, e a quem posteriormente acompanhou ao longo de toda a carreira. Mas sempre me lembrarei dele caminhando sorridente pela praia de Saquarema com as mãos nos bolsos da calça jeans. Além disso, nestes últimos dias, quando eu já sabia que ele estava morrendo, ele me disse no WhatsApp, com a lucidez, sabedoria e paciência de sempre, que não tinha o direito de reclamar, porque havia tido uma vida muito longa e feliz.

 

(Transcrito do El País)

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