HÁ VINTE ANOS – A quem interessa o fracasso de Lula?

Durante seu primeiro mandato, Fernando Henrique Cardoso levou este país “no gogó”, como ele mesmo costumava dizer. O fim da inflação por obra do real deu a FHC um capital político suficiente para elegê-lo e depois reelegê-lo. Se ele tivesse desvalorizado o real pouco antes da reeleição, daria adeus ao segundo mandato.

Foi socorrido por seu amigo Bill Clinton, presidente dos Estados Unidos, que obrigou o Fundo Monetário Internacional a dar uma grana ao Brasil para que não quebrasse ou desvalorizasse sua moeda de imediato. Clinton reelegeu FHC.

Uma vez reeleito em outubro de 1998, FHC desvalorizou o real em janeiro de 99. Falou-se, na época, em “estelionato eleitoral”. Foi mais ou menos como fizera Sarney em 1986 com o cruzado: o congelamento de preços e de salários em fevereiro garantiu ao PMDB em outubro a maior vitória de sua vida – e a Sarney, os mais altos índices de aprovação jamais obtidos por um presidente.

No dia seguinte à vitória do PMDB, o cruzado foi para o vinagre – e Sarney acabou alvo de pedras dois meses depois nas ruas do Rio de Janeiro. O governo FHC começou a fazer alguma coisa pelo “social” somente a partir do segundo ano do segundo mandato.Mas desde o primeiro ano do primeiro mandato, ele contou para governar com o apoio de todos os partidos (ou de quase todos) que hoje Lula corteja: PMDB, PFL, PP, PTB e outras siglas menos votadas.

Se o governo atual não conseguir aprovar seus projetos no Congresso por falta de apoio partidário, será execrado pelos que hoje se lhe opõem. Se atrair apoio para governar, será execrado do mesmo modo – e pela mesma turma. É coerente – do ponto de vista da turma. Do ponto de vista do governo, não será inteligente cruzar os braços e deixar o tempo passar.

O PFL e o PMDB pouco apitaram no governo FHC – bastaram-lhe os cargos. PMDB, PL, PTB e PP pouco apitarão se continuarem apoiando o governo Lula – querem mais cargos. O governo Lula será julgado ao fim de quatro anos pelo que fez ou deixou de fazer – não porque montou uma maioria para tentar fazer o que quis ou prometeu. Assim como foi julgado o governo FHC.

O real sustentou FHC no primeiro mandato – aquele do “gogó”. A popularidade pessoal de Lula está dando para sustentá-lo até aqui.Por poucos votos, FHC, o presidente tão festejado pelas elites, não foi forçado a disputar um segundo turno para tentar se reeleger.Não fez seu sucessor, surrado impiedosamente. E hoje não se elege nem para a Academia Brasileira de Letras.

Lula, o presidente visto com reservas pelos que enxergaram e enxergam FHC com tanta boa vontade, por enquanto só está empenhado em tentar cumprir o mandato que lhe deram – e que ele tanto perseguiu. É sensato esperar mais um pouco para ver como ele se sairá. Não estamos diante de um usurpador. Nem de um oportunista e demagogo que, sem nenhuma qualificação, enganou todo mundo e subiu a rampa do Palácio do Planalto. A não ser que vivamos em um país de idiotas. Que empresários, formadores de opinião e toda a poderosa mídia tenham se comportado como idiotas em 2002. E se deixado enganar por um farsante.

O presidente que aí está foi o mais votado da história republicana – em termos absolutos e proporcionais. Não ajudaria, mas não ajudaria mesmo à democracia restabelecida no país há menos de 20 anos que ele fosse um desastre. Ou um completo desastre.

 

(Publicado aqui em 25 de novembro de 2004)

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