Veterinário fecha clínica após denúncia de fraudes e cirurgias falsas

São Paulo — Após ser denunciado por ferir e operar animais sem necessidade, o veterinário Lucas Berger, de 40 anos, fechou a própria clínica, na qual ocorriam as supostas atrocidades cometidas por ele. O estabelecimento Mestre Vet fica na Rua Alfredo Pujol, em Santana, na zona norte da capital paulista. Além disso, o perfil da empresa no Instagram foi desativado.

Atualmente, o profissional de saúde, que também é dono do plano de saúde Comvet, é investigado pela Polícia Civil de São Paulo por abuso de animais e estelionato. O inquérito foi aberto neste mês, após relatos de testemunhas — funcionárias do estabelecimento. Entre as acusações, que englobam maus-tratos, estão fraudes em diagnósticos, exames e tratamentos de bichos e falta de pagamento a empregados.

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No inquérito, consta que Lucas deixa cachorros presos na clínica veterinária em situação precária

Entre as testemunhas contra Lucas Berger, estão funcionários da clínica veterinária
O veterinário também é investigado por estelionato
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Acusado de maus-tratos, Lucas Berger é veterinário. Ele é investigado por ferir e operar bichos sem necessidade

Clinica Veterinária Mestre Vet/Reprodução

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No inquérito, consta que Lucas deixa cachorros presos na clínica veterinária em situação precária

Material cedido ao Metrópoles

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Entre as testemunhas contra Lucas Berger, estão funcionários da clínica veterinária

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O veterinário também é investigado por estelionato

Clinica Veterinária Mestre Vet/Reprodução

 

Novos relatos 

Mônica de Souza Silva, de 51 anos, foi à clínica em Santana, em julho de 2023. depois que o próprio cachorro, um vira-lata caramelo, comeu pedaços de uma bola de vôlei e ficou com sangue nas fezes. A procura pela Mestre Vet seria apenas para verificar se o cão já estava totalmente bem, porque ele já havia sido medicado por outra veterinária e aparentava ter melhorado.

Segundo a tutora, Lucas Berger constatou que o animal precisaria passar por cuidados no local, mas ela não se sentiu bem com a ideia e voltou para buscar o pet. “Lucas não queria me deixar tirar o cachorro de lá. Disse que ele ‘não passaria’ daquela noite”, conta. “Ele é um lixo de gente. Tratou o meu cachorro mal e ainda foi grosseiro comigo, falou que eu estava atrapalhando os outros clientes que ele tinha para atender”, completa.

Contudo, Mônica tirou o bicho do estabelecimento à força. “Ele enforcou o meu cachorro com uma guia na minha frente”, lamenta. “O cachorro estava todo molhado e com uma faixa na pata, uma coisa nojenta.”

Recentemente, depois de saber que o veterinário está sendo investigado pela polícia, Mônica buscou outra clínica veterinária, levou exames feitos à época do ocorrido e constatou que o cachorro não tinha nada. Ela também cita que o cachorro de um vizinho foi atropelado e morreu logo depois de ser operado por Berger.

Outra cliente, Gabriella Puzzilli, de 43 anos, foi à Mestre Vet em janeiro deste ano para checar uma possível luxação de patela em dois cachorros splitz alemão, um macho e uma fêmea. Ambos foram operados por Berger em janeiro. Conforme a tutora, o veterinário alegou que a operação teria que ser feita com urgência nos dois animais.

Naquele momento, Puzzilli disse ao profissional de saúde que não teria como arcar com os custos imediatamente, mas que mudaria a categoria contratada no plano de saúde e aguardaria o fim da carência. Contudo, o veterinário alegou ser uma questão de “vida ou morte”.

Com medo de perder os bichos, a tutora aceitou pagar pelas cirurgias, que, segundo Berger, seriam reembolsadas quando o convênio autorizasse o procedimento. “Passei R$ 12.4000 no cartão de crédito de forma parcelada, ainda estou pagando”, detalha. O veterinário teria recebido duas vezes pelas operações e nunca devolveu o valor pago inicialmente. Ela chegou, inclusive, a pagar coparticipação ao plano de saúde. No total, foram cerca de R$ 15 mil gastos.

“Lucas é muito convincente; disse que estava doente, que teve um ataque do coração. Ele sumiu; não atende, não responde WhastApp”, conta. “Ele não tem uma boa índole, baita pilantra. É um discurso bem violento. Quando caiu a ficha, lembrei que eu já o vi gritando com funcionários. Quando eu vi a matéria [do Metrópoles], confirmou tudo, caiu a ficha.”

Ao saber das acusações contra Berger, Puzzilli decidiu procurar um novo veterinário. “O outro ortopedista, consultado agora, disse que não tinha nada de urgência”, lamenta a tutora. Agora, os bichos estão passando por exames, como raio X e ultrassom, para descobrir se as cirurgias realmente foram realizadas.

Também ouvida, uma ex-funcionária, que pediu para não ser identificada, garante que já presenciou inúmeros casos de maus-tratos a pacientes por parte de Lucas Berger. “Os animais não podiam simplesmente reagir que ele surtava. Para tirar raio X, era sempre um caos já que os animais precisam estar em uma posição específica. Quando irritado, ele batia e apertava os bichos de forma desnecessária até conseguir a posição que ele queria”, revela. “Uma vez, ele jogou um animal contra a parede e a auxiliar ficou em completo choque mandando ele parar. Lucas estava tão irritado que começou a falar diversos palavrões deixando todo mundo bastante assustado.”

 

Humilhações a funcionários

Lucas Berger também é investigado por estelionato. As testemunhas asseguram que o veterinário não paga devidamente empregados da empresa e até que “agiotas” o cobram na clínica com frequência.

Uma ex-funcionária procurada pelo Metrópoles define a experiência de trabalhar com Lucas Berger durante oito meses como “um verdadeiro inferno”. “Eu era constantemente humilhada, ele me chamava de burra, me chamava de incompetente e todos os piores nomes que você pode imaginar”, aponta. “Fiquei completamente traumatizada.”

A denunciante chegou a ter crises de ansiedade e pânico devido à experiência na clínica Mestre Vet. “Eu não dormia, ele [Lucas Berger] me ligava de madrugada às vezes, me perguntando sobre coisas que ele não sabia onde estava, e gritava comigo, mesmo por telefone”, indigna-se. “Um dia, ele gritou tanto comigo que eu tive uma crise tão forte que não consegui ir embora. As veterinárias tiveram que me dar calmante e me ajudar a me acalmar. Era um show de horrores: ofensas, xingamentos e ataques pessoais grosseiros e completamente desnecessários.”

De acordo com ela, não tinha direitos básicos como empregada. “Meu tempo máximo de almoço foi 12 minutos, atendia os clientes às vezes, com comida na boca. O trabalho era desgastante e humilhante”, queixa-se.

Clínica veterinária - Metrópoles
Após denúncias de maus-tratos a animais, a clínica Mestre Vet, em Santana, foi fechada

 

Entenda o caso do veterinário

Lucas Berger é investigado por emitir resultados falsos de exames e dar falsos diagnósticos de patologias dos bichos, além de realizar cirurgias desnecessárias. Entre os serviços cobrados e não realizados, com maior frequência, estão: quimioterapias, ultrassom, transfusões de sangue e aplicação de vacinas diversas.

“A ala de internação era extremamente suja, durante uma época os funcionários eram proibidos de lavar porque ele não tinha pagado a conta de água. Era proibido usar toalhas também, o que deixava extremamente sujo e fedido. Com isso, os animais viviam sujos de fezes ou vômitos, num calor absurdo e ele nem entrava para verificar como estavam”, garante uma ex-funcionária ao Metrópoles.

Segundo os relatos, o veterinário deixava em cativeiro, 24 horas na clínica, três cachorros para fazer coletas sanguíneas frequentemente. Além disso, os exames eram forjados em arquivos de Excel. “Nenhum exame do ‘laboratório Mestre Vet’ era verdadeiro; todos falsos”, assegura a testemunha.

 

Maus-tratos e abuso de animais

Segundo o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), maus-tratos podem ser omissões que provocam dor ou sofrimento desnecessários aos animais. Abuso diz respeito a qualquer ato intencional que implique o uso indevido e excessivo de bichos causando prejuízos físicos ou psicológicos.

A lei federal nº 9.605/98 estabelecia pena de três meses a um ano de detenção mais multa, que podem ser aumentadas se o ato resultar na morte do bicho. A lei federal nº 14.064/20, sancionada em setembro de 2020, aumentou a pena de prisão para até cinco anos.

 

O que diz Lucas Berger

Procurado pelo Metrópoles, Lucas Berger disse anteriormente, via ligação telefônica, que já prestou depoimento à polícia e que foi orientado pelo advogado a não comentar o caso. “Houve uma denúncia que está correndo em segredo de Justiça, não posso dar detalhes”, alega. “Tenho família, e tudo já foi esclarecido perante a autoridade policial.”

Em seguida, por meio de nota, ele completou: “Contra as pessoas que fizeram a falsa comunicação de crimes já estão sendo adotadas as providências legais.”

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