Cinema nacional voltar a ser “cool” para geração Z com edits do TikTok

Diretor de filmes como Assassino da Lua das Flores, Martin Scorsese revelou essa semana, durante o Festival de Berlim, que acredita na longevidade da sétima arte. O cineasta defendeu que as tecnologias facilitam os acessos para jovens e citou o TikTok. A fala não podia ser mais oportuna. Nos últimos meses, edits publicados na rede social citada por Scorsese e outras similares têm gerado engajamento, ajudando o audiovisual, sobretudo o brasileiro, a se tornar “cool” para a geração Z.

O termo define vídeos curtos produzidos pelos usuários com imagens, por exemplo, de filmes e novelas de sucesso. Uma amostra desse fenômeno ocorreu com Bingo: O Rei das Manhãs, de 2017: o longa estrelado por Vladimir Brichta bateu a marca de 15 milhões de vizualizações em um único edit no X, antigo do Twitter.

Ao O Globo, o diretor afirmou que foi bombardeado de mensagens e viu as menções sobre o longa dobrarem em um curto período. O mesmo aconteceu com  Hilda Furacão, que após viralizar nas redes, ampliou a busca pela série em 150%, segundo dados do serviço de streaming.

A tendência também é confirmada por números das próprias plataformas. Segundo pesquisa encomendada pelo TikTok, 40% dos usuários descobriram um novo filme ou série pela plataforma em 2023. Já um balanço do Telecine aponta que 54% das pessoas entre 18 e 24 anos leva em consideração os edits na escolha de um filme.

“É claro que estamos falando de uma bolha de pessoas, mas é assim que a gente atua. Esses edits têm surtido efeito na construção de público pro cinema brasileiro, mesmo que seja em uma pequena escala”, avalia o professor de cinema Philippe Leão, que também acredita na possibilidade do conteúdo criar uma demanda por esse tipo de produção.

“O capitalismo nao é um meio eficaz de oferecer a cultura para o cidadão, se não houver demanda ou a possibilidade de construir essa demanda, o capitalismo não vai te ofertar esse produto”, diz.

Fenômeno se assemelha ao BookTok

Issaaf Karhawi, doutora e pesquisadora em Comunicação Digital na USP, compara o fenômeno dos edits de filmes brasileiros ao “BookTok” — comunidade do TikTok que reúne pessoas interessadas em livros e literatura. “O BookTok tem sido apontado constantemente como um dos motivos do mercado editorial ter vendido mais em 2023”, salienta.

A especialista menciona como o fenômeno influenciou, por exemplo, a Bienal do Livro, no Rio: “Havia estandes que tinham apelidos indicados pelo BookTok, preferidos do BookTok… É interessante olhar como o consumo cultural é impactado pelas plataformas”.

Ela acredita que a tendência é natural no contexto tecnológico atual. “As plataformas digitais, por exemplo, amplificam debates de uma forma que a gente nunca pôde testemunhar em outros cenários. Antes, o que fazia as pessoas irem ao cinema? Desde a mídia tradicional a cartazes espalhados pela cidade ou pelos próprios cinemas, o espaço físico e o boca a boca. Amigos que viram um filme, indicaram pra outro”, pondera.

Nessa perspectiva, tanto o BookTok quanto os edits seriam uma nova forma de indicar produções que merecem ser assistidas.”O boca a boca, especialmente no consumo cultural, é importante na decisão de assistir a um filme, ler um livro, ouvir uma música nova”, avalia.


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“A grande questão aqui é como essas redes facilitam levar esses discursos adiante, em um formato que é de consumo também. A gente tem uma indicação de um filme que tá dentro de um pacote, digamos assim, estético e de consumo com o qual a gente tá acostumado e considera palatável”, analisa Issaaf.

O que dizem os produtores de conteúdo

Ben-Hur Francisco Sychocki Tavares, de 24 anos, responsável pela página @osaudosista no TikTok, revela que investe nos edits por ser apaixonado por cinema nacional. “O que a minha conta e a de outros colegas propõem é justamente aproximar o jovem usuário de redes sociais à qualidade do cinema brasileiro”, declara.

“Mostrar através dos edits – que são uma linguagem mais próxima do telespectador de hoje – que as cenas e o repertório dos nossos filmes são tão bons e interessantes quanto os do cinema norte-americano, por exemplo. A escolha de uma música em tendência do momento, combinada com um filme antigo brasileiro, pode favorecer o engajamento e fortalecer o vínculo do cinema nacional com o público jovem”, explica o produtor de conteúdo, sobre sua estratégia.

Esse também é o objetivo de Andrey Penalva Cardoso Barreto, de 20 anos, que administra a página @barretoedits, seguida por 2,4 milhões de pessoas. “Sempre foi o meu desejo resgatar obras musicais e cinematográficas esquecidas, já que quando comecei há 3 anos, eu buscava este conteúdo e não os encontrava”, argumenta. 

O influenciador lamenta o fato de estúdios e emissoras não disponibilizarem grande parte de seus catálogos on-line: “Pude enxergar uma grande ponte entre o ontem e o hoje, preservando toda essa riqueza cultural, tanto para gerações passadas quanto para a minha geração, que nasceu nos anos 2000”.

A tiktoker Ana Julia Santos, 17 anos, do perfil @mistfoxxs, contabiliza mais de 100 produções brasileiras assistidas e diz que pretende  compartilhar todas com sua audiência: “Tenho a intenção de fazer com que as pessoas se interessem por nossos filmes através das minhas edições. Se eu consigo fazer alguém se interessar o mínimo que seja por uma produção brasileira que eu editei, pra mim, já é suficiente”.

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