Do Brasil à Itália: Proposta de “cidade gêmea” pretende unir cidade da primeira colônia italiana do Brasil e Sassello

Por Caroline Cavilha

Em viagem histórica à Itália em novembro, o arquiteto Charles Boni, que representa a Associação dos Descendentes e Amigos do Núcleo Pioneiro da Imigração Italiana no Brasil (ADANPIB), fez uma viagem importante à Itália. Durante a visita, ele sugeriu que São João Batista, cidade de Santa Catarina aonde chegaram os primeiros imigrantes italianos no Brasil, em 1836, fosse parceira de Sassello, cidade na Itália de onde vieram muitos desses pioneiros. Sassello fica na província de Savona, na Ligúria, no noroeste da Itália. O objetivo da visita foi fortalecer a relação cultural e histórica entre as duas cidades e contar melhor a história dos imigrantes italianos que ajudaram a formar o Brasil.

O Convite e os Primeiros Contatos
A viagem surgiu a partir de uma sugestão do historiador Paulo V. Kons, que, em parceria com Oscar Lenzi, consultor diplomático do governo do Trentino-Alto Ádige, iniciou os primeiros contatos com a associação “Liguri Nel Mondo”, que tem um papel importante para a ADANPIB. Ao ser convidado para representar a associação devido ao seu domínio da língua italiana, Boni iniciou os preparativos para a viagem. Ele partiu no dia 21 de novembro, com 12 dias de compromissos oficiais.

Encontros e Visitas a Sassello
Boni foi recebido calorosamente pelo comissário interino de Sassello, Giorgio Moranzoni, e pela curadora do Museu Perrando, Sra. Valentina Rossi. Durante sua visita, Boni teve a oportunidade de entregar dois livros importantes sobre a história da Colônia Nova Itália: “Nova Itália”, de José Sardo, e “San Giovanni Batista da Florentia al Brasile”, de Roberto Benelli. A doação dos livros foi um gesto simbólico para promover o reconhecimento da comunidade italiana no Brasil e fortalecer os laços históricos entre os dois locais.

“Fiquei muito emocionado ao ver a surpresa dos locais ao conhecerem a história dos nossos pioneiros. Eles não sabiam dessa saga e estavam muito interessados”, afirmou Boni, que também teve a chance de conhecer mais sobre a história de Sassello, especialmente sua tradição de produção de aço, muito relevante para a Idade Média.

O Museu Perrando e o Legado dos Ferreiros
Boni também teve a oportunidade de visitar o Museu Perrando, instalado em um edifício histórico que pertenceu à família Perrando. O museu, atualmente gerido pela associação “Amigos de Sassello”, abriga um valioso acervo sobre a história local, especialmente sobre as famílias de ferreiros da região. A curadora do museu, Sra. Valentina Rossi, compartilhou com Boni uma história emocionante: seu pai, Piero Rossi, escreveu dois livros importantes sobre Sassello: “Sassello Storia e Cultura” (1991) e “Le Ferriere di Sassello” (1989), que aborda a história das famílias de ferreiros da cidade. “Fiquei emocionado ao saber que a história da minha família, a Caviglia (Cavilha), está presente nessas obras e no museu”, contou Boni.

Durante a visita, Boni também descobriu que Sassello era famosa na Idade Média pela produção de aço de alta qualidade, utilizado na fabricação de armaduras, ferramentas e até âncoras para os navios de Gênova. “O município era um centro de produção de aço, o que tornou Sassello um ponto de referência na Ligúria”, explicou Boni.

A História da Família Caviglia
Sassello era o lar de seis famílias de ferreiros, uma delas sendo a família Caviglia (Cavilha). Boni teve a oportunidade de conhecer mais sobre sua linhagem, e ficou profundamente emocionado ao descobrir que a origem de sua família remonta a “Palo”, um distrito de Sassello, cerca de 6 km do centro da cidade. “Fiquei tocado ao descobrir que a família Caviglia ainda está presente em Sassello, com algumas lápides e jazigos visíveis no cemitério local”, contou Boni, que viu sua conexão com a cidade se fortalecer ainda mais.

A Lembrança e o Símbolo da Imigração
Para marcar a conexão entre a Colônia Nova Itália e Sassello, Boni decidiu presentear a cidade com uma embarcação simbólica. “A escolha pela embarcação se deu pela sua ligação com a navegação e a migração, valores importantes para os imigrantes italianos que chegaram ao Brasil”, explicou. A lembrança é um símbolo da jornada e da resiliência dos pioneiros que partiram da Itália para construir uma nova vida no Brasil.

Proposta de “Cidade Gêmea”
A proposta de gemelagem entre as duas cidades surgiu a partir de uma conversa com as autoridades locais. “Sassello tem uma grande importância para nossa colônia, pois muitos dos pioneiros eram dessa região ou de áreas vizinhas. A gemelagem representa uma oportunidade de reforçar os laços e promover o intercâmbio cultural”, disse Boni. A cidade de Sassello já possui um pacto de gemelagem com a cidade de Resistência, na Argentina, e a ideia de expandir essa rede de parcerias com o Brasil foi bem recebida.

Culinária e Cultura Local
Além dos compromissos oficiais, Charles Boni aproveitou a estadia em Sassello para mergulhar na rica gastronomia local. A cidade é famosa por seu “amaretto”, um doce típico feito à base de farinha de amêndoa, com um sabor levemente amargo, que conquista paladares ao redor do mundo. Outra iguaria que se destaca na região são os “funghi” (cogumelos), usados em diversos pratos. Durante sua visita, Boni teve a oportunidade de almoçar na “Trattoria Vittoria”, uma das mais tradicionais da cidade, administrada pela terceira geração da mesma família, com mais de cem anos de história. Ele degustou um delicioso “tagliatelle” com molho de funghi, uma experiência gastronômica que ele descreveu como “maravilhosa”.

O Legado da Imigração e os Planos para o Futuro
Para Boni, o principal objetivo da visita foi preservar a memória dos imigrantes italianos e garantir que seu legado seja transmitido às futuras gerações. “Essa visita foi apenas o começo. Tenho confiança de que surgirão novas oportunidades para fortalecer a gemelagem entre Sassello e a Colônia Nova Itália, seja com a associação Liguri Nel Mondo, em Gênova, ou em parceria com o governo da região da Ligúria”, afirmou.

Ele completou: “Esse primeiro passo foi muito positivo. O foco agora é continuar promovendo a história da Colônia Nova Itália, honrando a resiliência e o esforço dos nossos pioneiros. A conexão histórica entre as duas cidades é um legado que deve ser preservado e compartilhado com as futuras gerações.”

Reflexões sobre Sassello
Em entrevista, Boni também foi questionado sobre o que mais o impressionou em Sassello. “A tranquilidade do lugar e a paisagem montanhosa me impressionaram muito. É um local pacífico, com uma beleza natural única”, respondeu, destacando a conexão profunda que sentiu com a cidade.

Foi, sem dúvida, uma visita de grande significado pessoal. “Fui muito bem recebido! As pessoas, de modo geral, foram extremamente hospitaleiras. Claro, o laço familiar com Sassello acabou romantizando ainda mais a experiência. E saber que, após 188 anos da partida dos pioneiros, eu estava lá representando todos eles em uma visita oficial. Foi um momento muito emocionante”, concluiu Boni.

Boni está otimista quanto ao futuro da relação entre as duas cidades e planeja retornar à Itália em breve para dar continuidade ao trabalho iniciado, visando preservar e divulgar ainda mais a história da imigração italiana no Brasil.

Sobre a Colônia Nova Itália, a primeira colônia italiana do Brasil

Em 1836, imigrantes italianos chegaram a Santa Catarina

Em março de 1836, 186 imigrantes chegaram à Ilha de Santa Catarina, em Desterro (hoje Florianópolis). Alguns decidiram ficar na cidade, enquanto outros seguiram para o município de São Miguel, perto do Rio Tijucas-Grande. Hoje, essa área pertence aos municípios de São João Batista e Major Gercino, no Alto Vale do Rio Tijucas, em Santa Catarina. Esses imigrantes foram atraídos por uma propaganda feita por dois estrangeiros que moravam em Desterro: Henrique Ambauer Schutel e Carlo Demaria.

Na época, a Itália ainda não era um país unificado. O território estava dividido em vários reinos e estados independentes. Os primeiros imigrantes de 1836 eram do Reino de Piemonte-Sardenha, um dos maiores reinos da Itália, e por isso eram chamados de sardos. O Reino de Piemonte-Sardenha compreendia as regiões do Piemonte e da Sardenha, na atual Itália, além da Ligúria e do Val d’Aosta.

Durante o período da unificação, as regiões da Lombardia e do Veneto estavam sob o controle do Império Austríaco. O domínio austríaco sobre essas áreas começou em 1815, após o Congresso de Viena, que reorganizou a Europa depois das Guerras Napoleônicas. A Áustria manteve o controle sobre Lombardia e Veneto até 1859, quando, no contexto das guerras de unificação italiana, o Reino de Piemonte-Sardenha, com o apoio da França, derrotou as tropas austríacas e incorporou essas duas regiões ao seu território. Assim, Lombardia e Veneto passaram a fazer parte do Reino da Itália a partir de 1861, quando o Reino da Itália foi oficialmente proclamado, unificando a maior parte da península.

O Reino de Piemonte-Sardenha teve um papel fundamental nesse processo de unificação da Itália, que começou com movimentos populares em 1848 e foi impulsionado por figuras como Giuseppe Mazzini, Giuseppe Garibaldi e o rei Vítor Emanuel II.

A unificação da Itália foi um processo longo e complexo. Em 1870, o Reino da Itália conseguiu incorporar Roma, completando a maior parte da unificação territorial. No entanto, o processo de unificação política e social da Itália não foi totalmente concluído nesse momento. A Itália só se completou de fato como um estado-nação após a Primeira Guerra Mundial, em 1918, quando o Tirol do Sul e outras regiões, anteriormente sob controle do Império Austro-Húngaro, foram incorporados à Itália. Assim, a unificação territorial da Itália foi consolidada apenas após a guerra, completando o processo iniciado várias décadas antes.

Polêmica sobre o pioneirismo da imigração italiana no Brasil

Em 2018, surgiram duas leis que causaram polêmica sobre qual cidade foi realmente a pioneira na imigração italiana para o Brasil. A Lei Estadual de Santa Catarina (Lei nº 17.536/2018), sancionada em 19 de junho de 2018, reconheceu a Colônia Nova Itália, em São João Batista, como a primeira a receber imigrantes italianos, em 1836. Esse reconhecimento foi baseado em documentos históricos que comprovam que os imigrantes chegaram a Santa Catarina antes dos que se estabeleceram no Espírito Santo. Já a Lei Federal nº 13.617/2018, sancionada em 11 de janeiro de 2018, reconheceu o município de Santa Teresa, no Espírito Santo, como pioneiro da imigração italiana, estabelecendo o 26 de junho como o Dia do Reconhecimento de Santa Teresa. Essa lei se baseou na chegada de imigrantes italianos em 1874, quase 40 anos depois dos primeiros imigrantes em São João Batista, Santa Catarina.

É importante destacar que a maioria dos imigrantes que chegaram ao Espírito Santo em 1874 não eram italianos unificados, mas sim provenientes da antiga província do Tirol, uma região que, antes da Primeira Guerra Mundial, fazia parte do Império Austro-Húngaro. Após a guerra, o Tratado de Saint-Germain (1919) estabeleceu que o Tirol do Sul fosse anexado à Itália, mas os imigrantes de 1874, em sua maioria, tinham passaporte austro-húngaro, o que diferencia essa imigração da de São João Batista. Isso porque os imigrantes que chegaram em Santa Catarina vieram do Reino de Piemonte-Sardenha, que desempenhou um papel central no processo de unificação da Itália, transformando-a em um estado-nação.

Além disso, alguns descendentes dos imigrantes de 1836 já conseguiram a cidadania italiana, um reconhecimento oficial do governo da Itália, mesmo antes da unificação completa do país, o que reforça a ideia de que esses imigrantes estavam ligados, de alguma forma, ao processo de formação da Itália unificada. Embora o reconhecimento de Santa Teresa tenha sua justificativa, principalmente em termos da grande imigração italiana que se seguiu em 1874, muitos acreditam que São João Batista deveria ser lembrada como a verdadeira cidade pioneira da imigração italiana no Brasil, já que os primeiros imigrantes italianos chegaram ali em 1836, muito antes do movimento migratório mais significativo para o Espírito Santo. A disputa sobre qual cidade tem esse título continua gerando debates sobre os fatos históricos e a importância das diferentes ondas de imigração.

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