“Spoils system”: um costume americano

Os EX-VOTOS rareados, os eternos mal DEVOTOS, e os SEM VOTOS de sempre.

E o “Spoils system”, uma prática comum americana.

 

Diz-se de EX-VOTOS, os objetos deixados em salas de milagres dos santuários das igrejas católicas como forma de gratidão e reconhecimento por uma graça alcançada.

Os EX-VOTOS são manifestações expressivas de uma devoção reconhecida, por alguma cura ou pedido a um Santo conquistado.

Texto de Guillaume Perrault, no LeFigaro de 20 de novembro de 2024.

Ser DEVOTO, é uma questão de fé, de fidelidade mesmo, algo a louvar e enaltecer, afinal a religiosidade enseja respeito, lealdade, um reconhecimento de bem porfiar em aliança e confiança.

O bom DEVOTO sempre confia no seu santo, no seu anjo, ou no seu guia protetor.

Quanto ao mal DEVOTO, porque a tudo desconfia e melhor finge, infringe todas as loas em elogios vazios, de molde a manter o bom padroeiro ou padrinho, “eternamente enquanto dure”, servindo-se do gracejo do poeta e cerzindo o seu engano, desde que lhe chegue em riso e verve, o bom contento e o melhor ganho requerido, sem lhe contrapor maior fidelidade, além do sorriso fátuo de vã cortesia.

Quanto aos SEM VOTOS, estes são por demais e maioria, embora muitos se creiam ter o poder de eleger muito mais do que a sua reza assim o permite.

Se os EX-VOTOS se externam numa tosca figura como gratidão objetiva de um devoto à graça obtida e requerida em promessa renhida, o SEM VOTO por outra expressão, quer se sagrar vencedor sem campear a luta, mas se fazendo, desde logo, o comum herdeiro, do despojo a ser repartido, na expressa refrega atingida no final.

É nesse contexto de fluidez que tudo muda e nada altera, com as teias de aranha se eternizando e amontoando nos paços públicos e seus escaninhos, em desafios ao bom vasculho, com as vassouras sempre requerendo quem delas façam úteis e bem validas.

Uso este contexto de EX-VOTOS, de DEVOTOS, bons ou maus, e dos SEM VOTOS de todos os Jiraus, porque o noticiário, aqui e alhures, tem falado com apreensão, de alguma desconfiança, e até de uma prévia demonização com os cochichos das escolhas dos novos dirigentes a tomarem posse no próximo mês de Janeiro.

Oportunidade para lembrar uma velha lição: “Não vá o sapateiro além de suas ‘pracatas’!”

Porque os SEM-VOTOS de todos os níveis campeiam na grande e miúda imprensa, sobretudo com os formadores de opinião teimando em querer ditar normas e comportamentos, sem lembrar aqueles conselhos repelidos pelo pintor heleno, Apeles de Cos, a um inconveniente sapateiro, seu circunstante, que constatara muitos defeitos no chinelo desenhado por ele pintor famoso, em uma de suas pinturas extraordinárias.

Foram palavras que restaram incomparáveis, porque o reparador de botinas e alpercatas queria mudar muitas coisas no desenho de Apeles, das quais nada entendia : “Sutor, ne ultra crepidam!”, que quer dizer, sem dó nem piedade, e dando boas e necessárias chineladas: “ó bom pregador de solas, cavilhas e cadarços, não (vá) além dos sapatos!”

Tal recomendação aos cuidadores de chinelos, para se restringirem às alpercatas e rolós, de seus fabricos, bem caberia à grande e pequena imprensa também, por serem estes, eternamente  “sem-votos”, e sobretudo agora em maré vazante de esquerdas, sem nenhum santo guerreiro a invocar e nenhum ser heroico protetor.

E porque assim tem sido até em Sergipe, de forma mais que expressiva, tais figuras vorazes por opinativas têm “des-elegido” os seus preferidos, algo que lhes deveria prevenir, em “semancol” autorreflexivo, por não se tanto ainda, desimportantes nos seus conceitos e conselhos no cenário editorial que julgam reinar, embirram-se continuadamente em julgar e até em mal dizer as escolhas noticiadas dos auxiliares dos novéis eleitos, um direito exclusivo destes enquanto campeões vitoriosos nas ultimas refregas eleitorais, eleição que aconteceu com o seu apodo, e contra o seu desajudo por inútil

Sem perquirir paroquialmente, porque aqui há muito formador de opinião que sem voto, nem seguidores, quer dar voto em tudo, no clube, na boate e até no púlpito das Igrejas, direi que o pitaco continua grande.

Tão grande e desabusado, que se o pudessem interfeririam nas suas colunas até nos antanhos “vaticanos” e “pinga-puses” de meu tempo de jovem, se ainda resistissem em frescas outras, cabarés e lupanares, só vedados aos menores de meu tempo, por lembrança, porque aos maiores tudo lhes era permitido em lenocínio e prostíbulo, com toda ordem e sem desordem, um divertimento que a sociedade bem compartilhava em anos tidos como mais alegres e românticos, nunca considerados promíscuos, com todos os convivas sendo alimpados na mesma bacia, por mãos ternas e carinhosas, na velha ablução por “checo-checo”, que ninguém mais sabe o que é, e porque não mais existe!

Porque se tal “checo-checo” hoje existisse ainda, esse povo estaria dando voto até no sabão de coco, de macaco ou de alcatrão a bem reutilizar, por recomendação de melhor esfregaço.

Em esfregaços outros e alimpados semelhantes, vejo agora no caso universal, sobretudo após uma grande campanha contra a eleição do “Homem Laranja”, ou “Laranjão”, Donald Trump, porque o mundo, quer refazê-lo a seu modo, tentando lhe desfigurar as listas, do tigre imaginado, temendo o seu grunhido  e sua garra.

Nesse sentido, leio no jornal parisiense, “Le Figaro”, um texto de Guillaume Perrault, censurando o “spoils system”, uma prática de partilha dos espólios  muito comum nos Estados Unidos da América, quando ocorre uma mudança de governantes.

Diz-se “Spoils System”, tal “partilha de cérebros” que permite ao anfitrião da Casa Branca escolher livremente seus Diretores da Administração, e que Trump quer usar para aumentar o Estado Federal, uma tradição que tem raízes profundas na História Americana.

Há, mundo à fora, uma crítica geral de que “Trump recompensará seus amigos e punirá seus inimigos”.

Em verdade, afirma Perrault: Não é um trumpista que se expressa desta forma, mas tal recomendação por reclamação data de quase dois séculos, vindas de um editor-chefe de um grande diário americano que apoiara a candidatura de Andrew Jackson à Casa Branca, isso em 1828.

Eleito presidente naquele ano, Jackson manteve a sua palavra, como “candidato do povo contra as elites”, expurgando massivamente a Administração Federal e povoando-a de fiéis, sob os aplausos dos seus eleitores.

Assim enraizou-se na América a tradição de “partilha dos restos mortais” (“sistema de spoilers”), tão desconcertante para um francês habituado a concursos administrativos e a funcionários públicos vitalícios, e mais ainda aos brasileiros que preenchem a máquina pública com a ‘companheirada’, que se eterniza na pública administração.

“Para os Pais Fundadores”, afirma Perrault, “a ideia de que os agentes do Estado federal devem ter uma certa autonomia no que diz respeito à autoridade política é inaceitável”.

O presidente então nomeia todos os cargos da administração federal, sujeito ao sinal verde do Senado para as funções mais importantes.

Nesse sentido, “Os titulares estão sujeitos à autoridade hierárquica do anfitrião da Casa Branca e podem ser demitidos como qualquer funcionário”.

Em 1828, quando o presidente Jackson demitiu centenas de funcionários públicos, seus apoiadores correram para Washington para reivindicar os cargos agora vagos.

“Eles querem seu saque; o sucesso se deve aos seus esforços; Pedem, como remuneração pelos seus serviços, muitos cargos na Administração. Eles invadem a capital federal como gafanhotos; só os vemos nos corredores do Congresso; eles cercam as antecâmaras ministeriais e a residência do presidente”, escreveu mais tarde o pensador Moisei Ostrogorski (Democracia e Partidos Políticos, 1903).

A humilde esperança de então, era reivindicar uma posição como “postmaster”, o mais que poderoso cargo de chefe da alfândega no porto de Nova York, tido como muito lucrativo.

Ao conceder empregos públicos, Jackson recompensava ativistas, apoiadores políticos e doadores.

Ao povoar os ministérios com os seus fiéis, o novo presidente pretendia também garantir que seria obedecido, e que as suas diretivas não ficariam atoladas na areia movediça dos cargos, como acontece entre nós, quando o novel dirigente assume já refém dos poderosos sindicatos.

Andrew Jackson, desde a campanha foi muito sincero sobre suas escolhas, afinal o estado federal, segundo ele, pertencia a todos os americanos e todo homem de bom senso estaria apto a exercer o cargos públicos.

Com a rotação dos titulares, o Presidente Jackson, um combatente hostil da Cavalaria Montada, enfrentando sem dó e piedade a população indígena, e banindo-a para longe no famoso “Indian Removal Act”, hoje uma excrescente política autoritária, tentava coibir a formação de uma casta no serviço público, uma verdadeira aristocracia nada republicana, como aquela  de estilo europeu e brasileira sobretudo, defendendo os seus interesses em vez de realizar a vontade do povo, via escolha democrática.

Em 1832, relembra ainda Guillaume Perrault, o senador nova-iorquino William Marcy encontrou a fórmula que entraria para a história, referindo-se às leis romanas da guerra: “Não há nada de errado com a regra de que os despojos do inimigo passem ao vencedor”, cunhando tal máxima como “partilha dos restos mortais” (“sistema de spoilers”).

No entender do articulista, todavia, “A politização dos empregos públicos, embora permita o avanço social aos americanos de recursos modestos, traz sérias desvantagens. O sistema incentiva a corrupção, pode causar ineficiência devido à rotatividade muito frequente dos titulares e protege a negligência e a incompetência de qualquer sanção”.

Além disso, continua: o “sistema de spoilers” no século XIX despertou o desprezo dos americanos pelos funcionários do governo federal.

A opinião comum era então que só os falidos podiam se candidatar a empregos públicos, por mal remunerados e sujeitos a arbitrariedades.

Segundo a opinião geral dos contemporâneos, os agentes eleitorais recrutados pelos grandes partidos seriam pessoas que fracassaram na vida profissional e que se agarravam como a nossa conhecida companheirada, encastoada a um cargo público em caso de vitória do seu candidato.

Este exército de políticos permanentes contribui, em contrapartida, para a constituição das máquinas eleitorais que são os partidos nacionais.

Estes partidos exigem mesmo, dos titulares de cargos públicos que nomearam, o pagamento de uma percentagem do seu salário como preço da sua elevação, a nossa velha e boa “rachadinha”.

Há um caso interessante citado por Perrault: “Em 1840, o novo presidente, William H. Harrison, morreu de pneumonia um mês após assumir o cargo. Entretanto, correram rumores de que ele morrera de exaustão por causa dos muitos advogados que o assediavam constantemente com pedidos.

Segundo Alexis de Tocqueville (1805-1859), historiador e político francês, “os franceses de sua época ficavam surpresos com o fato de os chefes de estado americanos não se protegerem dos infelizes com muros altos e guardas”.

Mas Tocqueville constatou em sua estada na América que “os próprios funcionários públicos sentem-se perfeitamente bem quando obtém o direito de se colocarem acima dos outros pelo seu poder, sob a condição de descerem ao nível de todos pelos seus costumes. Nunca poderia imaginar algo tão comum nas suas formas de agir, sendo mais acessível a todos, mais atento às solicitações e mais civilizado nas suas respostas, do que um homem público nos Estados Unidos” (Sobre a Democracia na América, livro 1, parte 1 , cap. V)

O próprio Abraham Lincoln não escapara de tal destino comum. Assim que foi eleito presidente, em novembro de 1860, pedintes invadiram a pequena cidade de Springfield (Illinois), onde Lincoln morava, e a sitiaram.

Treze anos depois, em 1881, continua Guillaume Perrault, no seu artigo do Le Figaro, cujo texto vai explicitado, o então presidente James A. Garfield, foi assassinado por um apoiador furioso só por ter sido rejeitado um seu pedido.

O assassino, Charles J. Guiteau, era um advogado pobre e membro do partido do Presidente, que estava convencido de que tinha desempenhado um papel decisivo na sua vitória eleitoral e merecia a sinecura requerida.

Amargurado por ter solicitado, sem sucesso, sua nomeação como Cônsul em Paris, ele esperou a passagem do Chefe de Estado e atirou duas vezes nas costas dele, perto da estação ferroviária de Baltimore e Potomac, em Washington. O presidente morreria após uma agonia de 80 dias que manteve os Estados Unidos em suspense.

Desta vez o caso contribuiu para uma reforma do serviço público federal que alguns vêm reivindicando há muito tempo.

Parte do público, aquilata Guillaume Perrault,  acabou se convencendo de que todo o “sistema de spoilers” era um arcaísmo inconcebível na era da ciência e da indústria.

Em 1883, por exemplo, o Congresso aprovou a Lei de Reforma do Serviço Civil de Pendleton, ressalvando que para os cargos mais importantes, as nomeações e demissões ficam a critério do executivo.

Por outro lado, em uma geração, todos os agentes públicos federais de categoria modesta ou média foram retirados do “spoilers system” e nomeados via concurso, ou seja, 222 mil de um total de 352 mil agentes federais, em 1910 (segundo o cientista político, Olivier Ihl) .

Em suma, o “sistema de spoilers” vem declinando, mas de forma alguma desaparece.

Entre a década de 1880 e a Primeira Guerra Mundial, continua Perrault: “A administração federal profissionalizou-se e escapou parcialmente da influência dos partidos. Com atraso e relutância, estados e cidades, que empregam a grande maioria dos funcionários públicos do país, vêm seguindo este exemplo”.

O número e as missões dos agentes federais aumentou sobremodo durante a presidência de Franklin Delano Roosevelt (1933-1945), marcada pelo New Deal e depois com o ingresso dos Estados Unidos na 2ª Guerra Mundial.

O hóspede da Casa Branca rodeia-se agora de um “brain trust”, uma equipe de colaboradores de alto nível do mundo empresarial e também das Universidades.

A Presidência a partir de Roosevelt, e do final da 2ª Guerra passou a gozar de uma nova legitimidade e autoridade aos olhos dos americanos, mudança que perdurou até à crise moral causada pela Guerra do Vietname e depois pelo escândalo Watergate.

Hoje, o “sistema de spoilers” diz respeito apenas a alguns milhares de empregos na Administração Federal e em agências subordinadas à Casa Branca, mas todos são cargos de gestão.

Esta característica contribui, nos Estados Unidos, para a forte movimentação das elites entre o privado e o público durante a vida profissional (uma prática conhecida como de porta giratória).

“Se considerarmos os altos executivos das administrações Roosevelt, Truman, Eisenhower, Kennedy e Johnson, afiança Perrault, dois terços teriam trabalhado no sector privado durante as suas carreiras anteriores, com idas e vindas que enriquecem as carreiras individuais, mas as expõem à crítica de serem insensíveis ao risco dos conflitos de interesses”.

Nos serviços, a Administração Federal vive a sua vida, por assim dizer.

Por outro lado, a meritocracia é um valor americano fundamental, havendo sempre uma reflexão interminável em Washington para desenvolver critérios científicos com vista a avaliar a competência, o valor e o desempenho dos candidatos recrutados através de concursos, e a demissão por inadequação do servidor, assim contratado, continua sendo possível.

A demissão, todavia, vem sendo rareada, porque a Suprema Corte Federal tem concedido inúmeras garantias a esses agentes.

Em troca desta proteção específica, revela Perrault, os funcionários do governo federal não têm o direito de greve, embora possam sindicalizar-se, manifestar-se e filiar-se a um partido político, sem contudo liderá-lo ou participar de campanhas eleitorais  eles não têm o direito de liderá-lo ou de participar de campanhas eleitorais, mediante juramento

No caso atual, em prévias de assunção de Donald Trump, os altos executivos dos departamentos e agências federais expostos ao “sistema de spoilers”, procuram febrilmente uma base antes da sua posse, em 20 de Janeiro.

Nesse sentido, são atuais as palavras de Henry Clay, o adversário político de Andrew Jackson, datadas de 1828: em Washington, “os funcionários públicos estão de alguma forma no mesmo estado de espírito dos habitantes do Cairo quando a peste os assola. Ninguém sabe de quem é a vez de restar falido” (ou ‘fendido’ e mal pago).

Em conclusão dos “sem votos”, mas querendo dar o seu pitaco por assim melhor parecer, conclui Guillaume Perraultsem se eleger, nem aos seus poder influir: “A política e a obtenção de empregos públicos na America fundem-se numa mesma profissão, exercida por profissionais pelos quais a sociedade americana não tem estima”.

 

Um momento para enfatizar por conclusão, daqueles que têm VOTO e nada lucram; dos que são “OS SEM VOTOS”mas tudo cobram, inclusive aí colocando os Sindicatos, no  primeiro lugar da fila, porque na sequência da pouca farinha já constatada, já requerem o seu pirão primeiro, em novos ganhos de reajustes insaciáveis, acenando muitas prévias de lutas paredistas; e por fim, daqueles que sem estima, nem lembram de externar uma velha graça ao seu antigo herói por EX-VOTO.

E o que vem a ser a estima dos muitos parasitas encastoados como ostras nos alicerces da máquina pública, em cargos obtidos graciosamente por governantes idos ou falecidos, sem provas e méritos?

A pergunta cabe porque são muitas as idas e vindas conhecidas dos nossos políticos federais, estaduais e municipais, com os sempre e contumazes “trens de alegrias eleitorais”, onde o aliado de ontem em má lembrança, posa rápido de “melancia”, verde na casca e vermelho, por dentro escondido.

Alguém lhes vê algum EX-VOTO, por velha prece agradecidos?

O tema bem vale em mudanças administrativas, tudo esquecido afinal “o que foi não é nada e lembrar é não ver!”

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