“Não tem como dar certo”, diz pesquisador sobre repressão a baile funk

São Paulo — Antes de jogar um homem de uma ponte no início deste mês, policiais militares balearam um homem em um baile funk na zona sul de São Paulo. O fato aconteceu pouco mais de cinco anos depois de uma ocorrência policial na favela de Paraisópolis (zona sul) terminar com nove jovens mortos.

Para o pesquisador e documentarista do gênero Renato Barreiros, episódios assim continuarão acontecendo enquanto a Secretaria de Cultura não chegar nestes lugares antes da pasta responsável pela Segurança.

Barreiros viu a cena do funk de rua nascer quando era subprefeito de Cidade Tiradentes (zona sul de São Paulo), entre 2008 e 2010, durante a gestão Gilberto Kassab. Ele é autor de dois documentários sobre o tema e acaba de lançar a história em quadrinhos Quebrada Ostentação – Quando o Funk Dominou SP.

Ao longo de todo o tempo que acompanha o tema, ele viu sucessivas gestões repetindo os mesmos erros e acredita que a experiência da organização do Carnaval de rua poderia inspirar alguma solução.

Leia abaixo a entrevista:

Documentarista Renato Barreiros
Documentarista Renato Barreiros

Por que os bailes funk nas ruas costumam ser constante foco de tensão com a polícia?

Eu fiz uma pesquisa hoje de manhã, no Google e coloquei as palavras baile funk e ferido. É um fenômeno nacional essa coisa do baile funk, de você ter baile funk na rua, né? Apareceu gente ferida em Vitória (ES), Guarulhos (Grande SP), Bahia, Porto Alegre (RS). Nacionalmente, tem esse fenômeno de baile funk de rua. E, nacionalmente, você continua usando a mesma solução por parte do estado, que é mandar a polícia tentar desfazer a aglomeração lá à força, né? Quando eu fui subprefeito em 2018, já era assim. A gente também acompanhava alguns e os próprios falavam que é enxugar gelo. A coisa só vai mudar quando a Secretaria de Cultura chegar antes da Secretaria de Segurança.

Como deveria ser a política em relação a isso?

Hoje em dia você tem uma demanda da juventude de querer sair de casa à noite. A cultura da balada é presente na juventude, tanto na classe média alta como na periferia. Então você tem que fazer pequenos shows controlados pela prefeitura. A gente chegou a fazer, quando eu era subprefeito o baile funk permitidão. Então, a gente fazia das duas da tarde até as dez da noite, no máximo. Acabava, todo mundo ia pra casa. Quem cantava eram os MCs locais, os DJs.

Eu acho que a Prefeitura de São Paulo poderia ser vanguarda nisso. Porque a Prefeitura de São Paulo, quando o Carnaval de Rua de São Paulo era pequeno, tinha poucos blocos, coisa e tal, em dois, três anos se transformou no maior carnaval do Brasil. E a Prefeitura aqui, ela deu um exemplo de atuação do poder público e organizou isso.

Então a organização do Carnaval podia ser inspiração para esse tipo de evento?

Sim, porque que é possível. Esse [Tarcísio de Freitas] é o segundo governador que passa por uma crise muito grave com a polícia atuando de forma violenta no baile funk.

Não tem jeito de dar certo, todo final de semana, você deslocar um contingente policial para desmobilizar mil, às vezes, cinco mil pessoas com bomba de efeito moral. Isso vai dar problema, porque a hora que você chega, joga a bomba, de volta jogam garrafa, você inicia um conflito ali com mil pessoas, entendeu? Então não tem jeito de dar certo.

Ou se muda a política de estado, ou a Secretaria de Cultura chega antes, e aí são as Secretarias Municipais de Cultura em primeiro lugar, ou, cara, vai continuar acontecendo.

4 imagens

PM joga homem de ponte no bairro Cidade Ademar, zona sul de São Paulo

PM joga homem de ponte no bairro Cidade Ademar, zona sul de São Paulo
PM joga homem de ponte no bairro Cidade Ademar, zona sul de São Paulo
1 de 4

PM joga homem de ponte no bairro Cidade Ademar, zona sul de São Paulo

Reprodução

2 de 4

PM joga homem de ponte no bairro Cidade Ademar, zona sul de São Paulo

Reprodução

3 de 4

PM joga homem de ponte no bairro Cidade Ademar, zona sul de São Paulo

Reprodução

4 de 4

PM joga homem de ponte no bairro Cidade Ademar, zona sul de São Paulo

Reprodução

 

Ao mesmo tempo que são uma alternativa de lazer aos jovens, os pancadões também costumam ser também foco de perturbação de sossego por se estender até tarde da noite e às vezes são usados por traficantes para vender drogas. Como ligar com esse aspecto?

Eu acho que se você oferecer a alternativa do poder público organizar esses bailes, esses eventos pequenos, tem que ter uma atuação da polícia. E fica muito mais fácil e muito mais controlável você controlar bebida e venda de ilícitos nessa configuração do que hoje, até porque essa ideia desses eventos são eventos menores. Então eu acho que você oferecendo esse modelo de bailes, os permitidões, junto com a polícia militar, obviamente, e a GCM, você tem um controle maior disso. Agora, do jeito como está, não. Do jeito como está é o descontrole total, é o descontrole tanto de barulho, é o descontrole de venda de droga, é o descontrole de menor de idade consumindo bebida alcoólica, que também é proibido, quer dizer, estamos no pior dos mundos.

Como é que surgiu esse fenômeno dos baile funk na rua em São Paulo?

Isso, na verdade, veio da Baixada nos anos 2000. A galera via, começou a chegar o funk aqui e a galera começou a ir pra rua, né? É um pouco isso. Mas essa ideia dos jovens se reunirem na rua, se você pegar de antes, você tem a coisa do coreto. Ah, o pessoal vai pro Coreto, ali na cidade do interior, ia, né? Hoje em dia, com o WhatsApp, Facebook, Instagram, coisa e tal, você divulga que vai rolar o fluxo na Rua 10. Isso aí está em uma dimensão que junta quase 5 mil pessoas.

O livro que você lançou conta a história do funk ostentação. Como foi o surgimento?

Na época do funk ostentação, acabou o baile de funk de rua. Porque foi a época que você teve uma prosperidade, né? Se falava da nova classe média, da emergência da classe C. Então, os meninos tinham um dinheirinho a mais na mão e começaram a ter vários salões de festa, de baile na periferia, alguns muito grandes. E aí não era só entrar no salão privado, na balada, era também ir para o camarote. Várias músicas dessa época falam da pulseira do camarote, citam o nome de balada. Porque era um momento que as pessoas tinham um pouco mais de dinheiro na mão e aí elas começaram a falar de bens caros, né? A galera já estava falando em Prada, em Armani, mesmo que não tivessem, mas, de alguma maneira, aquela melhora econômica fez com que houvesse a perspectiva de ter.

Por que acabou?

Porque veio a crise econômica com o governo Dilma. Naquela época, houve desemprego, desvalorização da moeda. E aí o pessoal foi pra rua de novo. A coisa de ir pra rua não é tanto uma opção, é por conta de não ter grana. Continua um sentimento nas pessoas de almejar aquilo. O Pablo Marçal ganhou muito lá na zona leste e o discurso dele era: “Ó, você vai prosperar, você vai ter isso, eu vou fazer”.

O funk ostentação acabou minguando, mas surgiu a política ostentação…

Continua um sentimento das pessoas em almejar aquilo. Foi um sentimento que tornou Lula imbatível [nos anos 2000]. O PT elegeu o Haddad depois disso, Lula se elegeu, elegeu a Dilma. Esse boom que teve com o funk ostentação naquela época permitiu com que o PT, que hoje não está mais sendo querido pela população da periferia, ou a esquerda, se tornasse imbatível aqui em São Paulo e no país.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.