Como será o impacto da política de securitização de Trump na ordem geoeconômica global

Alexandre Ramos Coelho, Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)

A ameaça de Donald Trump de impor tarifas de 100% sobre importações dos países do BRICS reflete uma dinâmica de securitização da economia global e indica uma transição da era neoliberal, pautada na eficiência de mercado, para uma nova ordem geoeconômica.

A securitização da economia internacional representa o processo em que temas como tarifas comerciais e uso de moedas alternativas ao dólar passam a ser vistos como ameaças à segurança do Estado, justificando ações emergenciais e excepcionais.

Nesse modelo, instrumentos econômicos são empregados para proteger interesses nacionais e moldar relações geopolíticas. Foi o que se viu na crise de 2008, na pandemia de COVID-19 e nos recentes conflitos na Europa e no Oriente Médio, que evidenciaram vulnerabilidades globais e intensificaram o controle estatal sobre cadeias produtivas e sistemas financeiros.

Embora vise reforçar a hegemonia dos Estados Unidos (EUA) e a centralidade do dólar, essa estratégia enfrenta desafios. Um deles é a aceleração da desdolarização e a fragmentação do sistema financeiro internacional, que promove o uso de moedas locais e sistemas de pagamento alternativos.

Tais desenvolvimentos evidenciam os limites da coerção econômica em um mundo multipolar, onde atores como o BRICS buscam diversificar suas estratégias econômicas e fortalecer redes financeiras regionais.

Desse modo, a securitização da economia não só redefine prioridades estatais como contribui para uma reorganização global que desafia a posição dominante dos EUA.

Efeito bumerangue

Scott Bessent, secretário do Tesouro norte-americano, descreveu as tarifas como uma “arma sempre carregada” para proteger interesses estratégicos. No entanto, tarifas de 100% sobre bens importados do BRICS podem produzir efeitos negativos na economia americana, incluindo aumento nos custos de produtos importados e pressão inflacionária, reduzindo o poder de compra das famílias.

Para mitigar esses efeitos, o Federal Reserve poderia adotar políticas monetárias mais restritivas, resultando em elevação das taxas de juros, desaceleração do consumo e do investimento, e enfraquecimento de setores essenciais como tecnologia e manufatura.

Além disso, as tarifas poderiam provocar retaliações comerciais de parceiros estratégicos, como China e Índia, prejudicando o acesso a mercados importantes e desestabilizando cadeias globais de suprimentos.

No âmbito político, o aumento do custo de vida alienaria eleitores. No campo geopolítico, tais ações incentivariam o uso de alternativas ao dólar e a diversificação financeira. As tarifas propostas poderiam gerar um efeito bumerangue, prejudicando mais a economia americana do que fortalecendo sua posição global.

A ideia de uma moeda comum no BRICS, ou o uso das moedas locais para liquidar operações comerciais intra-BRICS, apresentada como resposta à hegemonia do dólar, enfrenta também desafios estruturais.

Diferenças econômicas e políticas entre os membros, como as rivalidades entre China e Índia e a limitada integração comercial no interior do bloco dificultam a coordenação necessária para esse projeto. Além disso, o comércio entre os países do BRICS é proporcionalmente menor do que com economias externas, reduzindo os incentivos para a implementação de uma moeda compartilhada.

A dependência global do dólar como moeda de reserva e de transações comerciais é mais um obstáculo. Mesmo liderando os esforços de diversificação monetária, a China mantém trilhões de dólares em reservas internacionais e continua a utilizá-los amplamente no comércio global. Apesar da retórica, o país adota postura mais cautelosa.

Sob uma perspectiva bilateral, porém, os acordos firmados entre a China e outros países, como os swaps monetários recentes entre os bancos centrais da China, Japão e União Europeia, refletem uma estratégia gradual de diversificação econômica.

Apesar das dificuldades inerentes a esse processo, o fortalecimento do uso de moedas locais e a expansão desses acordos indica esforços cautelosos para reduzir a dependência do dólar, sem provocar instabilidade no sistema financeiro global.

Tensões com aliados

A política tarifária adotada por Donald Trump exemplifica a instrumentalização ou a weaponização – uso como arma – da interdependência econômica, na qual redes globais de comércio e finanças são transformadas em instrumentos de coerção geopolítica. Ao impor sanções e tarifas aos países do BRICS, os EUA buscam consolidar sua hegemonia econômica e política.

Essa abordagem, porém, tem estimulado esforços de diversificação monetária e fortalecimento de sistemas alternativos, como o CIPS da China, que presta serviços similares ao da SWIFT. Isso desafia o domínio financeiro americano ao conectar bancos internacionais, registrando e liquidando operações comerciais em renminbi – a moeda chinesa – de maneira independente.

Essa estratégia de utilização coercitiva das redes econômicas não se limita aos rivais geopolíticos e gera tensões até mesmo com aliados estratégicos, como os Países Baixos e a Alemanha. Exemplo disso foi a pressão americana para restringir exportações de tecnologia de ponta para a China, como maquinário de produção de chips, e banir a companhia chinesa Huawei de infraestruturas de telecomunicações críticas.

Embora a weaponização da interdependência possa oferecer vantagens geopolíticas no curto prazo, seus efeitos de médio e longo prazo podem ser contraproducentes. Além de comprometer alianças estratégicas, incentiva a busca de alternativas à hegemonia dos EUA, ameaçando sua posição como líder global.

A centralização das redes comerciais e financeiras, originalmente impulsionada por interesses de mercado, agora fornece aos Estados ferramentas eficazes de controle. Contudo, essa mesma centralização torna evidente que o uso excessivo dessas redes para fins coercitivos pode acelerar a transição para uma ordem global mais multipolar, desafiando os próprios alicerces da liderança econômica americana.

A política de tarifas punitivas de Trump simboliza a transição para uma ordem geoeconômica centrada na segurança nacional e no uso estratégico da economia para fins geopolíticos.

Embora busque proteger a hegemonia americana e o papel central do dólar, a estratégia pode ter efeitos contrários, como acelerar a desdolarização e fragmentar o sistema financeiro global.

Em um contexto multipolar, a eficácia dessa coerção econômica é limitada, com outros países investindo em alternativas como sistemas de pagamento locais e redes financeiras regionais, promovendo a construção de uma economia global mais equilibrada e resiliente.

Alexandre Ramos Coelho, Professor na Pós-Graduação em Política e Relações Internacionais, Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)

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