Acordo Mercosul-UE, uma nova ALCA?

A oposição ao Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia voltou a crescer. Mas, como tem ocorrido, não do lado dos prejudicados, e sim dos beneficiados. Os europeus querem um acordo ainda mais favorável a eles.

“Na ausência de um reequilíbrio, a Itália não estará a bordo” foi a última declaração contrária, feita na terça-feira (18) pela primeira-ministra Giorgia Meloni. Ela quer uma revisão nos termos do acordo, acompanhando o que já haviam expressado o primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, e também o governo da Irlanda. Como já se sabia desde a crise com o Carrefour, a França descartou assinar o acordo.

Holanda e Áustria também já haviam manifestado certo descontentamento com os termos atuais do acordo, que afetariam principalmente o setor agrícola desses países. Afinal, como um acordo semicolonial, a Europa receberia as commodities dos sul-americanos, que comprariam os seus bens manufaturados.

Essas declarações preocupam os defensores do acordo. A aprovação no Mercosul é apenas uma parte do trajeto até a sua finalização e aprovação completa. O Conselho Europeu ainda irá se reunir para votar o acordo. E, como visto acima, há real possibilidade de que ao menos quatro países, que representem no mínimo 35% da população da União Europeia, vetem o acordo.

Haveria, ainda, uma possibilidade de se chegar a um meio termo, pelo qual os países que vetaram não entrariam no acordo, que seria aplicado apenas em partes e por aqueles que aprovaram. Assim, os países contrários ao acordo poderiam revisar e negociar até finalmente aderirem, permitindo que todos gozem das possibilidades integrais do acordo.

Mas as pressões populares também não podem ser negligenciadas. Na verdade, elas são a principal responsável pela reticência dos países europeus. Enormes e frequentes manifestações de rua de agricultores têm ocorrido nas capitais europeias. Eles são um dos setores mais prejudicados com a desregulamentação neoliberal das últimas décadas. 

A extrema-direita em ascensão por toda a Europa tem como uma de suas principais bases sociais justamente os agricultores. E a extrema-direita ocupa um lugar cada vez mais destacado nos parlamentos e governos europeus, podendo transformar as exigências dos agricultores em política de Estado.

Podemos estar vendo uma repetição das negociações dos países sul-americanos com a NAFTA, de 30 anos atrás. Só que com o sinal trocado: naquela vez, a oposição ao Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA) vinha da América do Sul e de seus movimentos sociais e populares. A oposição do acordo Mercosul-UE, por outro lado, vem da Europa e de seus agricultores.

A ALCA (1994) e o acordo Mercosul-UE (1999) começaram na mesma época, no auge do neoliberalismo. Portanto, refletiam aquela política. A proposta original da ALCA, feita pelo governo dos Estados Unidos, previa a abertura do mercado brasileiro e sul-americano para as empresas norte-americanas. Mas era muito desigual: ao mesmo tempo, os EUA não abriam mão do protecionismo para os produtos que exportavam ao Brasil.

Washington queria forçar a abertura de setores estratégicos, como as compras governamentais e serviços financeiros e bancários, o que levaria não apenas à manutenção, mas também ao aumento do superávit comercial nas transações com os países do Mercosul. De acordo com o historiador Luiz Alberto Luiz Bandeira (As relações perigosas Brasil – Estados Unidos), o objetivo dos EUA era compensar, “pelo menos em parte, os déficits com a China, Japão e União Europeia”.

Os produtos agrícolas brasileiros não teriam acesso privilegiado ao mercado norte-americano porque os EUA não aceitavam eliminar os subsídios indiretos às suas exportações agrícolas e abrir seu mercado aos setores em que o Brasil era competitivo. Apesar disso, os países do Mercosul cederam bastante. O problema era que os Estados Unidos eram intransigentes: queriam retroceder as relações comerciais da América Latina praticamente ao mesmo nível da época colonial.

Quando Lula chegou ao governo, o Brasil começou a impor dificuldades para a aprovação do acordo original, absolutamente favorável aos EUA e desfavorável ao Brasil e aos países do sul. Conseguiu, assim, o apoio das nações do Mercosul, enquanto os EUA arregimentaram Canadá, México, Chile e os países da América Latina e do Caribe em torno da sua posição.

Após dez anos, as discrepâncias de posições eram tão grandes, devido ao crescimento do movimento popular (contando com rebeliões de massas contra as políticas neoliberais) no Brasil, Argentina, Bolívia e Venezuela, que o acordo teve de ser abandonado.

O acordo com a União Europeia também foi paralisado durante longo tempo, mas Bolsonaro e Paulo Guedes o ressuscitaram. Agora, Lula ainda conseguiu reduzir os danos das propostas apresentadas no governo anterior. Excluiu completamente as compras realizadas pelo SUS e inseriu as possibilidades de preferência por produtos e serviços nacionais, de proteção da indústria automobilística por um certo período de tempo e de revisão do acordo por pressão da sociedade civil (como sindicatos trabalhistas e empresariais).

A natureza semicolonial do acordo, no entanto, foi mantida. Continua sendo um acordo que privilegia a exportação de matéria-prima barata pelo Mercosul para que a UE produza bens industrializados e os exporte de volta com um alto valor agregado.

Esperemos que as contradições internas da União Europeia (entre a indústria alemã e a agricultura francesa) se desenvolvam e gerem mais mal-estar dos agricultores de vários países, obrigando os governos a voltarem atrás, paralisando novamente ou até mesmo inviabilizando o acordo. Essa parece ser a tendência neste momento.

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