Metaverso: a “revolução” que ainda não se cumpriu

Alberto Barbosa Raposo, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

Em outubro de 2021, Mark Zuckeberg anunciou uma transformação ambiciosa: sua empresa, Facebook, passou a se chamar Meta, e se posicionou como uma empresa de metaverso, não apenas de redes sociais. Poucos meses depois, Bill Gates especulou que em dois ou três anos, “a maioria das reuniões virtuais deixariam de acontecer em um grid 2D — como o das câmeras — para acontecerem no metaverso, um espaço tridimensional com avatares digitais”. Paralelamente, outras gigantes da tecnologia, como Google e Apple, também faziam investimentos menos visíveis, mas significativos, nessa tecnologia. Com todo esse aval das big techs, parecia um consenso naquele momento que o metaverso seria a nova revolução tecnológica.

Agora, três anos depois, o cenário é outro. Os investimentos previstos pelas empresas foram reduzidos ou redirecionados, muitas equipes foram reduzidas ou completamente extintas e, como sabemos, as reuniões virtuais continuam sendo feitas, majoritariamente, com imagens de câmeras convencionais. Teria o metaverso se tornado um enorme fracasso? Mais uma tecnologia para o “museu de grandes novidades”?

Apesar de não ter se desenvolvido como esperado, o metaverso está vivo, mas enfrenta desafios técnicos concretos para deslanchar. Além disso, logo após a empolgação inicial, as novas tecnologias de Inteligência Artificial passaram a dominar o interesse dessas empresas e do noticiário tecnológico. Ofuscado, o metaverso perdeu popularidade.

No entanto, a principal explicação para a sensação de fracasso do metaverso está nas altas expectativas – desproporcionais – criadas por anúncios visionários, mas pouco fundamentados. E, quanto maior a expectativa, maior a decepção. Enquanto as empresas e influenciadores falavam sobre um futuro imersivo e interconectado, as limitações tecnológicas, tanto no hardware quanto no software, foram subestimadas.

Desafios de hardware

Com relação ao equipamento físico, os dispositivos mais conhecidos para acesso ao metaverso são os head-mounted displays (HMDs), mais conhecidos como óculos de Realidade Virtual e de Realidade Aumentada. Apesar de avanços em lançamentos recentes, eles ainda apresentam muitas limitações. Até o momento, não existe um equipamento que seja de fato simples, leve e tão confortável quanto os óculos convencionais.

Além disso, os sistemas de rastreamento de movimento permitem formas de interação inovadoras com o ambiente virtual, mas essas interações ainda não são intuitivas ou devidamente padronizadas para garantir experiências fluidas para usuários leigos. A interação em ambientes de realidade virtual ou aumentada está ainda muito longe da facilidade e precisão do mouse ou das telas de toque.

Outro agravante é que muitas pessoas sofrem de efeitos colaterais como fadiga ocular, náuseas, sonolência e tontura. Conhecido como “cybersickness”, o desconforto é causado pela discrepância entre o que a pessoa vê e como o corpo dela se move no espaço físico. Recentemente, isso levou usuários a devolverem seus equipamentos da Apple, lançados no início de 2024.

Portanto, não é razoável imaginar que alguém hoje esteja disposto a passar horas usando óculos de Realidade Virtual em reuniões corporativas no metaverso. Ainda são necessárias evoluções tecnológicas consideráveis para permitir o uso desses dispositivos em larga escala e por períodos prolongados.

Limitações de software

Já com relação aos programas e ferramentas que controlam esses dispositivos, o maior problema é a falta de padronização. Ainda não surgiu uma plataforma para o metaverso que se tornasse um padrão de fato.

Para efeito de comparação, na década de 1990, a World Wide Web revolucionou a comunicação global por se basear em padrões universais, como o protocolo HTTP (que estrutura o tráfego de dados na internet) e a linguagem HTML (usada para criar páginas da web). Isso permitiu que qualquer um que colocasse no ar uma página seguindo esses padrões, sabia que poderia ser acessada por qualquer pessoa, em qualquer navegador Web.

Em contraste, o metaverso é um ecossistema fragmentado, com inúmeras plataformas diferentes e isoladas. Portanto, ao criar um avatar ou objeto virtual em uma delas, eles só podem ser acessados pelos usuários da mesma plataforma e não podem ser transferidos para outra. Dessa forma, enquanto não houver uma padronização, o metaverso tem poucas chances de seguir a trilha de sucesso da Web.

Além disso, ainda não existe no metaverso nenhum “killer application”, ou seja, um programa tão necessário ou desejável, que traga vantagens inquestionáveis, capazes de impulsionar a compra massiva da tecnologia. As reuniões virtuais imaginadas por Gates, por exemplo, não oferecem benefícios tão claros que justifiquem trocarmos os programas atuais de videoconferência por avatares 3D em um ambiente virtual.

O metaverso já está entre nós

Embora não tenha alcançado os patamares ambicionados, é equivocado imaginar que quase ninguém está usando o metaverso. Pelo contrário, ele já exerce um impacto significativo na área de entretenimento, especialmente em videogames. Há mais de 500 milhões de usuários ativos mensalmente em plataformas como Roblox, Fortnite e Minecraft. Elas podem ser consideradas uma espécie de metaverso voltado para jogos, que alcançam principalmente o público jovem.

Essas ferramentas fazem parte de um setor que movimenta cerca de 200 bilhões de dólares anualmente. Muitas se integraram recentemente ao mercado de criptomoedas, dando um novo formato e impulso à economia digital. Inclusive, são alvo de uma queixa recente do grupo europeu de direito do consumidor, que acusa as empresas de usarem “táticas de gastos manipulativos”, por meio das moedas virtuais dos jogos, nas quais as crianças são mais vulneráveis.

E, mesmo sem todo aquele entusiasmo inicial, os avanços tecnológicos no metaverso continuam. Um exemplo é o da empresa NVIDIA, que cresceu muito devido às tecnologias de IA, mas que também investe em iniciativas como o Omniverse. Essa plataforma facilita a criação de modelos virtuais de objetos, sistemas ou lugares, conhecidos como gêmeos digitais. Por exemplo, uma fábrica pode ter um gêmeo digital que reproduz cada máquina e fluxo de produção, permitindo monitorar, prever falhas e testar melhorias sem interferir na operação real.

O sistema da Omniverse usa o OpenUSD (Universal Scene Description), um formato de dados em código aberto, originalmente criado pela Pixar Animation Studios para gerenciar cenas complexas de animações e efeitos visuais. No contexto do metaverso, ele oferece um padrão que facilita a integração de dados entre plataformas e ferramentas. Isso pode ser o início da padronização necessária para o metaverso, omniverso, ou qualquer outro nome que venha a receber.

Portanto, entendo que o metaverso não acabou, mas simplesmente foi prometido muito antes da hora. Até lá, fica a expectativa de que a geração mais jovem, já acostumada com o universo virtual dos jogos, possa finalmente resgatar a popularidade e utilidade do metaverso no futuro.

Alberto Barbosa Raposo, Diretor, Departamento de Informática, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

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