Querido Papai Noel (por Mary Zaidan) 

Em um país tão perverso, no qual o imprescindível equilíbrio das contas públicas esbarra em um Parlamento que limita o reajuste real do salário mínimo e ao mesmo tempo libera o fura-teto nos ganhos dos privilegiados de sempre, é difícil se imbuir do espírito do Natal. Nem os mais otimistas, entre os quais me encaixo, encontram ânimo diante da sucessão de escárnios perpetrados em todas as esferas e níveis de poder. Mas é Natal, então, escoro-me na ficção do bom velhinho, a quem se remetem desejos – mesmo os impossíveis.

Os pedidos na cartinha não são muitos e se concentram na nossa terra natal, ainda que a utopia maior seja tempos de paz, com o fim de guerras e de governos autocráticos, repressores e criminosos. E antecipo as desculpas por beirar a pieguice, talvez perdoável em um texto natalino. Vamos lá:

Queria que divergências não se tornassem brigas de foice e morte; que diferentes respeitassem as diferenças dos outros, fossem elas políticas, intelectuais, sociais, de crença, cor ou gênero; que os argumentos e não a imbecilidade prevalecesse no debate entre opostos.

Que tentativas de golpe como a gestada antes do Natal de 2022 fossem punidas e enterradas de vez.

Peço que os governantes governem sem sugar o pagador de impostos e quase nada devolver a ele em serviços; que as polícias prendam bandidos sem matar inocentes com balas perdidas ou em falsos confrontos; que a corrupção deixe de ser a principal cartilha de regência do país.

Que não se privilegiem alguns fidalgos acima da lei e todos possam ser iguais perante ela, seguindo a óbvia e não cumprida determinação constitucional.

Mesmo sabendo que não há qualquer chance, queria que deputados e senadores olhassem para além dos milhões que buscam (e secretamente conseguem) abocanhar para os seus quintais, para os próprios bolsos e para uns e outros que os financiam; que a chantagem com emendas pudesse ser estancada – e até as tais emendas, limitadas.

Que os eleitos não agissem no sentido inverso da expectativa de quem os elegeu; que pelo menos tentassem representar o voto a eles empenhado; que não aprovassem absurdos como a proibição de aborto para crianças estupradas, facilidades para compra de armas de fogo e munições, perdão para desmatadores e garimpeiros ilegais.

No particular, rogo que os vereadores paulistanos se arrependam da autorização para o corte de 10 mil árvores, boa parte nativas, em uma cidade que clama por verde; que a Amazônia sobreviva e com ela todos nós; que a COP 30, que acontecerá em Belém, vá além da festa e dos fogos de artifícios.

Quero ainda que o Judiciário baixe a bola, limitando-se às suas atribuições originárias. Ou seja, que o STF volte a ser Supremo, acima das peraltices da política, sem a arrogância e a persona de salvador da pátria que se auto-atribuiu.

Faço figa para que o governo consiga equilibrar as contas; que a entidade mercado compreenda que há risco, mas há ganhos (alta do PIB, quase pleno emprego); que bolsonaristas e parcela do PT que torcem contra deixem o ministro Fernando Haddad trabalhar; que o crescimento da economia ultrapasse a linha do esquentamento do consumo sustentada por programas sociais e incentivos fiscais; que a inflação não volte a nos empobrecer ainda mais.

Importantíssimo (grafado com asterisco): que Lula se renda aos textos pré-escritos, abandonando de vez o improviso alimentador do caos.

Na verdade, não se trata deste ou de outro governo. O Brasil é um país disfuncional há muitos natais. Finge tentar, cisca daqui e dali, mas até o seu repetitivo voo de galinha acaba sempre pesando sobre os mais pobres.

Por aqui, Noel, é de chorar. Enquanto alguns poucos se deliciam com mimos e regalias, milhares de crianças pobres pedem cestas básicas nas cartinhas que escrevem para você.

Frustradas em anos anteriores, desta vez elas estão sendo atendidas em um trabalho louvável da ONG Ação Cidadania. Ufa! Pelo menos existem aqueles que nos fazem crer – e emocionar – com o espírito do Natal. É na toada deste último parágrafo que desejo boas festas a todos.

 

Mary Zaidan é jornalista 

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