Golpe em aposentado: associação é acusada de comprar dados do INSS

São Paulo — Um racha dentro da associação que mais ampliou o faturamento com contribuições descontadas diretamente da folha de pagamento de aposentadorias no último ano expõe um suposto esquema de compra de dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para filiar aposentados à revelia e reter todo mês parte de seus benefícios.

Uma empresa ligada à Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), que atualmente fatura R$ 30 milhões por mês com contribuições, afirma que a entidade é usada por um grande grupo de seguradoras para cometer fraudes contra aposentados.

A Ambec foi habilitada em 2021 pelo INSS para praticar “desconto de mensalidade associativa” no valor de R$ 45 nas aposentadorias, por meio de acordo de “cooperação técnica” com o órgão, em troca de supostos serviços de assistência aos aposentados. Em janeiro de 2023, ela faturava R$ 1,8 milhão por mês. O salto no faturamento cresceu com a filiação de incríveis 600 mil pessoas.

A disputa interna na entidade expõe o suposto segredo de tantas filiações apesar de uma imagem desgastada. Em qualquer pesquisa de fontes abertas, a entidade tem nota de 1,5 atribuída por leitores do Google e ações judiciais estão públicas.

Como mostrou o Metrópoles, a Ambec é ligada ao Grupo Total Health, do empresário Maurício Camisotti, executivo ligado a lobistas e políticos do Centrão. Um ex-policial civil que era parceiro de Camisotti era sócio da Acttus, uma empresa que afirma ser a gestora da Ambec. Esse homem de confiança chegou a assinar até mesmo o contrato de uma sala comercial em nome da entidade.

Após o rompimento, a Acttus têm disparado interpelações extrajudiciais contra a cúpula da Total Health. Nelas, revela-se um conteúdo explosivo. A própria empresa afirma que seu sócio foi laranja de Camisotti e que a Ambec é o centro de um esquema de fraudes em prejuízo de aposentados.

As petições são feitas com base em documentos obtidos de dentro da própria Total Health e da Ambec. São centenas de e-mails, trocas de mensagens e outros papéis. O advogado Eli Cohen, especialista em advocacia defensiva que defende a Acttus, afirmou nos documentos, por exemplo, que uma ex-presidente da Ambec era apenas uma faxineira pessoal de Camisotti.

Em uma das interpelações extra-judiciais endereçada a um ex-fiscal da Receita Federal, a Acttus mira, por exemplo, em um homem que, segundo ela, era conhecido como “careca do INSS”, que, de acordo com a empresa, era responsável por vender dados de pensionistas e aposentados para a Ambec. A ele, a Acttus questiona: “Já tratou de fornecimento irregular de dados de pensionistas do INSS com Mauricio Camisotti?”.

“Segundo apuração, constatou-se que dados pessoais e informações confidenciais dos pensionistas tem sido obtida de forma irregular junto ao INSS pelo grupo em que trabalha o Interpelado. Tais informações,foram e vem sendo
adquiridas irregularmente por Mauricio Camisotti, que as utiliza para promover a filiação fraudulenta de contratos associativos com a AMBEC, promovendo a venda massiva de planos de benefícios oferecidos pelo grupo de Maurício, sem autorização do aposentado”, afirma Cohen, em sua petição.

Os e-mails, aos quais o Metrópoles teve acesso, mostram diversos diálogos nos quais Camisotti faz parte sobre a gestão da Ambec. Em um deles, uma manda-chuva de uma das empresas de Camisotti diz: “Atualmente, a Ambec e OBASP compartilha o mesmo espaço e tem funcionários trabalhando no mesmo local”. Em outro, se discute que os dirigentes das entidades devem ser aposentados pelo INSS sem empresas em seus nomes.

Em outra troca de mensagens, diversos funcionários da Ambec – uma delas inclusive assim se identificou quando abordada pelo Metrópoles – aparecem como empregados da Acttus. Em outra mensagem, endereçada a Camisotti, são debatidos os nomes de aposentados a integrarem os quadros da Ambec.

Há também mensagens com Camisotti no WhatsApp. Em uma delas, o próprio empresário instrui a encaminhar a um de seus executivos uma cobrança do Procon que chegou pelo correio para a Ambec. A reportagem procurou Maurício Camisotti, que não se manifestou. A Ambec também não se pronunciou. O espaço está aberto.

A Ambec é alvo de milhares de processos judiciais por cobranças indevidas de INSS e tem sido condenada por descontos indevidos. Há um inquérito aberto sobre sua atuação no Ministério Público Federal (MPF). Ele foi aberto com base em denúncias de aposentados.

Sediada em uma sala comercial na Vila Olímpia, na Zona Sul de São Paulo, a Ambec era presidida até fevereiro desse ano por Maria Inês Batista de Almeida, de 63 anos, que mora na periferia da zona leste de São Paulo. Ela deu lugar recentemente a outra mulher que entrou em seu lugar.


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Em contraste com a vida humilde de sua ex-presidente e outros dirigentes, a entidade ganha milhões por mês e explodiu em número de filiados no último ano. Em janeiro de 2023, tinha 38 mil associados e faturava R$ 1,8 milhão. Hoje, tem 653 mil filiados e ganha R$ 30 milhões. É como se tivesse dobrado de tamanho mês a mês em 2024.

Como já havia mostrado o Metrópoles, Jose Hermicesar Brilhante Palmeira, empresário do ramo de planos odontológicos, aparece como secretário-geral da Ambec em registro no cartório. Sua empresa, a Brazil Dental, faz parte do Grupo Total Health, que pertence ao empresário Maurício Camisotti.

Camisotti ficou conhecido nos últimos anos porque apareceu na investigação da CPI da Covid, em 2021, como autor de uma transferência de R$ 18 milhões à Precisa Medicamentos, do lobista Francisco Maximiano, envolvido na negociação da compra da vacina indiana Covaxin pelo governo federal, que acabou cancelada por suspeita de fraude.

Empresas do grupo também eram prestadoras de serviços do Geap, conhecido plano de saúde dos servidores públicos federais, sediado em Brasília, cuja diretoria é indicada em parte pelo INSS. Empresas do grupo firmaram contratos milionários com o Geap à época em que o órgão tinha diretores sob influência do Progressistas. Durante o governo Jair Bolsonaro (PL), ele foi loteado por militares que defenestraram essas empresas.

Procurados, Camisotti e a Ambec não retornaram até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.

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