As tarifas de Trump abrem possibilidades para o Brasil

As relações do Brasil com os Estados Unidos tendem a observar uma piora significativa a partir da posse de Donald Trump. E não apenas do presidente Lula ou de seu governo com o republicano e seu governo, mas também da própria burguesia nacional brasileira com a norte-americana.

A balança comercial de Brasília com Washington (nosso segundo maior parceiro comercial) é deficitária. Entre janeiro e novembro, nossas exportações alcançaram o valor de R$ 221,26 bilhões (US$ 36,57 bilhões), enquanto as importações chegaram a R$ 226 bilhões (US$ 37,36 bilhões). Tivemos um prejuízo de R$ 4,8 bilhões (US$ 790 milhões).

Até a implantação e consolidação do regime neoliberal no Brasil, na década de 1990, o comércio com os Estados Unidos havia sido superavitário. Porém, a partir de 1995 passamos a importar mais e exportar menos aos norte-americanos, sendo o comércio deficitário entre 1995 e 1999, no auge das privatizações e entrega das grandes propriedades nacionais ao capital estrangeiro. Em 2000 a balança voltou a ser positiva, mas a partir de 2009 – e desde então, ou seja, há 15 anos – tivemos novamente déficit atrás de déficit comercial com os EUA. O nosso déficit acumulado, nesses últimos 15 anos, é de R$ 231,4 bilhões (US$ 67,9 bilhões).

A razão disso é que o caráter do comércio bilateral é, a rigor, semicolonial. Nesses últimos 15 anos, nós vendemos aos EUA basicamente petróleo bruto e combustíveis, produtos agrícolas e alimentícios para que depois os norte-americanos os refinassem e nos vendessem de volta, com um alto valor agregado, junto com adubos e fertilizantes. O que salva são as exportações de aeronaves e equipamentos de alta tecnologia, mas também compramos máquinas e equipamentos industriais. Para variar, como toda relação entre um país desenvolvido e um país atrasado, os EUA compram de nós, majoritariamente, commodities (de baixo valor agregado) e nos vendem manufaturados (de alto valor agregado).

Trump vai manter essa tradição e já anunciou que quer aplicar tarifas contra produtos brasileiros. No dia 16 de dezembro, ele citou o Brasil nominalmente como exemplo de país que sofrerá novas taxas. “Quem nos taxar, taxaremos de volta”, disse. Mas os EUA já taxam uma série de produtos do Brasil. Em 2023, o valor de produtos brasileiros importados pelos EUA que ficaram sujeitos a sobretaxa de importações foi de US$ 233 milhões. E há uma pressão das grandes companhias siderúrgicas contra a revogação do direito antidumping sobre a importação de determinados tipos de aço brasileiros, feita no início de 2024 após 32 anos. Os EUA já são o país com mais medidas protecionistas contra o Brasil e, em 2018, Trump classificou nossas exportações de aço como uma “ameaça à segurança nacional dos EUA”.

Após ser eleito pela segunda vez presidente dos Estados Unidos, Trump também anunciou a intenção de impor tarifas de 100% aos produtos importados dos países do BRICS, caso eles concretizem as ideias de desdolarização de suas transações comerciais.

As ameaças de Trump, contudo, se aplicadas, poderiam ter resultados positivos para o Brasil. O governo brasileiro provavelmente retaliaria e imporia tarifas recíprocas às importações provenientes dos EUA. Além disso, o dólar valorizado em relação ao real encarece ainda mais as nossas importações. É uma chance de investir na produção doméstica e colocar efetivamente em prática o plano de reindustrialização de Lula, que ainda deixa muito a desejar e não pretende, de fato, reverter a destruição histórica da indústria nacional pela implantação do neoliberalismo – que segue sendo o pilar da estrutura econômica brasileira. O incentivo do Estado ao mercado interno também poderia contrabalançar as vantagens dos produtores locais em exportar com o dólar mais caro, para que comercializem mais dentro do Brasil e não aumentem os preços para os consumidores brasileiros.

Além disso, é uma chance para elevar o nível da diversificação das relações comerciais do Brasil. Os países BRICS são parceiros com os quais boa parte do comércio com os EUA, desigual há anos e afetado pelas medidas de Trump, poderia ser substituída. O Mercosul e os demais vizinhos também poderiam cumprir um papel importante nessa diversificação, bem como as nações asiáticas, levando em consideração que o porto de Chancay, no Peru, já está em funcionamento, e que ele poderia ser ligado por trem e rodovias com o porto de Santos. Se o acordo Mercosul-UE não tivesse o mesmo caráter das relações históricas com as potências capitalistas, também poderia servir ao Brasil para reduzir a dependência dos EUA. Analistas consultados pelos jornais brasileiros têm mesmo previsto que vários produtos que até agora são vendidos aos EUA deverão ser destinados à China e à Europa.

No mesmo período (2009-2024) em que teve um déficit de quase US$ 70 bilhões com os EUA, o Brasil teve com a China um superávit de mais de US$ 300 bilhões. Em 2019, o saldo comercial com a China chegou a representar 83% do saldo total do Brasil em sua balança comercial com o mundo, conforme estudo de Pedro Garrido da Costa Lima para a Câmara dos Deputados. Porém, devido à implantação do neoliberalismo, a qualidade das exportações caiu (74% eram produtos da indústria de transformação em 1997, mas em 2022 eram apenas 22,5% do total, com mais de 37% sendo da agropecuária e 40% da indústria extrativa). Por isso a urgência da reindustrialização, a fim de que não apenas haja uma diversificação de parceiros, mas também uma qualificação do comércio.

Mais do que tudo, no entanto, a diversificação e qualificação das relações comerciais tem um papel estratégico na geopolítica brasileira. Os EUA sempre trataram o Brasil – bem como toda a América Latina, mais ainda do que o resto do mundo – como uma colônia. Não só do ponto de vista comercial, senão também político e cultural. Mas isso só é possível porque dominam as nossas relações econômicas. Se o Brasil quiser ser um país realmente independente, precisa necessariamente deixar para trás essa relação de subordinação econômica com os Estados Unidos.

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