Por que as empresas de games estão demitindo tanta gente?

2023 chegou a ser citado como um dos melhores anos para os games, com grandes lançamentos e títulos indiscutivelmente interessantes. Foi também o período com mais demissões na história da indústria, atingindo pelo menos um terço de toda a força de trabalho. Um recorde que pode ser ultrapassado ainda no primeiro semestre de 2024, caso o fluxo negativo destes primeiros meses continue.

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O setor não possui uma grande associação global, o que faz com que as contas sejam sempre extraoficiais. Dados do site Game Industry Layoffs, gerido pela comunidade e incluindo muitos atingidos, indicam que entre 9,5 mil e 10 mil pessoas perderam seus empregos na indústria de jogos no ano passado; em menos de dois meses em 2024, esse total já chega a 6,5 mil.

A Microsoft, sozinha, foi a responsável por quase um terço de todas as demissões da indústria de games registradas neste ano (Imagem: M Rezaie/Unsplash)

A lista inclui, inclusive, companhias que muita gente acreditava serem prósperas ou estarem em bons momentos. O caso mais gritante foi o da Microsoft, que demitiu nada menos do que 1,9 mil pessoas em diferentes estúdios e setores de games no final de janeiro; outros grandes nomes a anunciarem desligamentos em massa foram Riot Games (530 pessoas), Unity (1,8 mil funcionários) e Twitch (500 trabalhadores).


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E estes são apenas os maiores, com a lista de companhias que demitiram neste ano já acumulando mais de 35 entradas. Não há uma resposta exatamente fácil para entender esse movimento incrivelmente negativo, com líderes e analistas do setor apontando que os próximos anos devem ser complicados para o setor.

“Dois anos de dor”

Foi assim que um dos executivos de alto escalão do setor de games, falando em condição de anonimato, se referiu ao período daqui até 2025 em uma reportagem do site GamesIndustry. Na visão dele, se 2023 foi o ano das demissões, este deve ser o de fechamento de estúdios, o que inevitavelmente acompanha o cancelamento de projetos e mais gente sendo mandada embora.

A pandemia, mais uma vez, é a principal causa desse movimento para baixo. Jogos levam anos para saírem do papel e chegarem aos consoles e PCs dos usuários, com o período de isolamento levando a um crescimento na demanda por títulos. Na época, isso pareceu brilhante para os executivos do meio.

O mercado de games segue robusto, mas a queda na demanda após a pandemia e aspectos econômicos levantaram temor entre os executivos das empresas (Imagem: Ivo Meneghel Jr/Canaltech)

A quantidade absurda de lançamentos em 2023, entre grandes franquias e títulos menores ou independentes, é um reflexo direto. Estamos, entretanto, em um outro momento, no qual o isolamento já ficou para trás e a busca por entretenimento doméstico já não é mais a mesma. As vendas de jogos na Europa, por exemplo, cresceram apenas 1,7% no ano passado, abaixo do que era esperado para o mercado.

Enquanto os números de mais territórios ainda não foram compilados no momento em que esta reportagem é escrita, outros indicadores deixam claro que há falta de demanda. Call of Duty: Modern Warfare 3, por exemplo, foi o primeiro game da série em anos a não aparecer entre os três mais vendidos do período, com uma baixa de 32% nas vendas. EA Sports FC 24, o antigo FIFA, também vendeu 9% menos que seu antecessor.

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O susto gerado pela maior concorrência e menor movimentação por parte dos jogadores é o primeiro e principal motivo para tantas demissões. É quase como uma cobra que come o próprio rabo: muitos projetos aprovados entre 2020 e 2021 não apresentaram a qualidade esperada ou foram taxados como não rentáveis, o que leva aos desligamentos; ao mesmo tempo, a necessidade de saúde financeira passa por reduções nas equipes e, com isso, títulos em desenvolvimento acabam na lata do lixo.

“Atualizações da Toys for Bob: ela não está fechando, foi reduzida de 86 para 50 pessoas. O escritório está fechando pois o contrato de aluguel está expirando; caro demais para manter para 50 pessoas. A Toys for Bob se tornará totalmente remota, os próprios desenvolvedores queriam isso, não a Microsoft. Novos projetos estão em andamento.”

A onda de demissões gerou até resultados bizarros. Informações não confirmadas indicam que, após as demissões na Microsoft, o time de esports da Activision conta apenas com 12 integrantes — estamos falando da empresa responsável por Overwatch, Starcraft e Warcraft, veja bem. Em outra distorção surreal, muita gente achou que a desenvolvedora Toys for Bob, de Crash Bandicoot 4, estava acabando quando seus escritórios fecharam; era apenas uma mudança de endereço, já que o espaço era grande demais para os trabalhadores que restaram.

Siga o dinheiro

Outro aspecto importante para explicar as demissões dos últimos anos é o corporativismo. Nos últimos anos, o mercado passou por grandes negócios e aquisições, com a disputada compra da Activision-Blizzard pela Microsoft sendo apenas a maior. Nomes como Embracer e Epic Games também apareceram com frequência no noticiário relacionado à compra de estúdios de games.

A primeira, aliás, virou piada por anunciar demissões, cancelamentos e fechamentos de estúdio quase todas as semanas. Apenas na Embracer, mais de 900 pessoas perderam o emprego desde 2023, enquanto novos títulos de franquias como Soul Reaver e Deus Ex estariam entre os mais de 30 jogos cortados pela empresa nos últimos seis meses.

“Existem duas frases que ninguém na indústria quer ouvir. A primeira é que ‘as pessoas na internet estão nervosas’ e a segunda, ‘o Grupo Embracer está aqui’. Eles realmente zoaram esse lugar.”

Os executivos no topo dos grandes conglomerados querem lucro, e isso não deveria ser surpresa para ninguém. Em busca de fluxos de caixa mais “saudáveis” e para lidar com as mudanças no mercado, a principal atitude é o corte de funcionários, projetos e estúdios, mesmo que eles tenham sido adquiridos com grandes promessas.

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A reportagem do GameIndustry aponta ainda um segundo fator para isso: a taxa de juros nos Estados Unidos segue alta. Na última decisão do Banco Central americano, os índices permaneceram entre 5,2% e 5,5%, os mais altos das últimas duas décadas, como forma de desaquecer o mercado e controlar a inflação.

A demanda menor também fica explicada aqui. Enquanto as vendas de consoles até aumentaram em 2023, com o PS5 tendo crescimento de 177% em vendas na Europa, os usuários estão comprando menos títulos. Seria um reflexo dos preços altos da nova geração e de um aperto nos cintos, com menos dinheiro disponível para gastos supérfluos.

Mesmo com a vendas do PS5 em alta, a Sony já demonstra cautela e espera uma desaceleração nos números do console nos próximos anos (Imagem: Triyansh Gill/Unplash)

Para os engravatados, soa mais atrativo investir o dinheiro em outros setores da economia do que apostar em jogos que custam caro para serem produzidos e podem não dar o retorno esperado daqui a alguns anos. O setor de games seria o mais afetado por essa conjuntura, mas não o único.

Não há possibilidade de aumentar os preços dos jogos ainda mais para conter os custos gerados pela alta na taxa de juros, que impacta em todos os aspectos do desenvolvimento de games. Com as vendas mostrando sinais de desaceleração, o cenário torna fundos de investimento e empresas de tecnologia promissoras, focadas em IA, muito mais atrativos do que a indústria de jogos, levando aos inúmeros cortes que citamos aqui.

No Brasil, impacto deve ser menor

Enquanto as altas nos preços de games e consoles é sentida duramente pelos consumidores de nosso país, a ideia é que os grandes movimentos de demissões e fechamentos de estúdios não se reflita tanto por aqui. Os investimentos aumentaram desde a pandemia, por conta da Lei Paulo Gustavo, e a demanda por novos jogos — normalmente mais baratos que os grandes blockbusters — também se mantém relativamente estável por aqui.

Momento internacional complicado não deve interferir tanto no mercado brasileiro de jogos, mas aumentos já atingiram o Xbox Series S por aqui (Imagem: Divulgação/Microsoft)

A expectativa é de um crescimento de 25% no setor brasileiro de jogos em 2024, de acordo com dados publicados pela revista VEJA. Isso deve ser refletido tanto em vendas de jogos quanto contratações, enquanto a mão de obra mais barata e de qualidade ajuda as empresas brasileiras a continuarem se desenvolvendo.

O nosso país, entretanto, não deixou de sofrer algumas mudanças para pior. Alguns exemplos da ressaca da negatividade externa sobre o mercado de nosso país se reflete na menor quantidade de jogos em mídia física e no aumento de preços de consoles. A Microsoft é o exemplo principal, com o recente aumento do Xbox Series S e o fim da distribuição de games físicos por aqui.

Leia a matéria no Canaltech.

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