Sinal vermelho para Lula (Por Hubert Alquéres)

Até agora a avaliação do governo Lula expressava a divisão do país praticamente ao meio, quadro que vinha desde a eleição presidencial. Quem era eleitor de Lula avaliava positivamente o governo, aprovando seu desempenho. Quem não votou no presidente se posicionava de forma oposta, avaliando negativamente sua gestão. As oscilações, para um lado ou para o outro, aconteciam na margem de erro das pesquisas, em um quadro praticamente congelado.

A última pesquisa Quaest mostrou uma mudança de patamar. Não só porque, pela primeira vez, a reprovação do governo foi maior do que a aprovação. Mas também, porque revelou uma diferença expressiva na avaliação do governo, com 37% negativa e 31% positiva. Tamanha inflexão no humor dos eleitores aconteceu em apenas um mês e, principalmente, no eleitorado cativo de Lula: no Nordeste – com uma queda de oito pontos -, entre os mais pobres e as mulheres.

Pesquisas qualitativas futuras devem explicar melhor as causas da inversão de fatia importante do eleitorado, historicamente lulista. Porém, não deixa de ter razão o CEO da Quaest, Felipe Nunes, ao diagnosticar que esses eleitores se sentem traídos por Lula, como se o presidente tivesse deixado de governar para os pobres, marca de seus dois mandatos anteriores. A crise do PIX e do “imposto das blusinhas” alimentaram essa percepção.  Contudo, o grande fator de corrosão da avaliação do governo tem sido a inflação de alimentos, que penaliza de forma brutal os mais pobres.

O sinal fechou para Lula e o governo vive o seu pior momento. Os problemas não decorrem de curto circuito na comunicação e sim da falta de rumo, de uma marca de sua gestão. Programas antigos, como Bolsa-Família, já se consolidaram no inconsciente coletivo como política de Estado. Nem mesmo o ex Jair Bolsonaro ousou acabar com ele. Aliás, deu outro nome e até ampliou o valor transferido para os mais pobres por meio do programa de transferência de renda.

Por falta de rumos, o governo é reativo, não se antecipa aos problemas. Quando estouram, Lula convoca uma reunião ministerial, com muita parolagem e quase nenhuma solução concreta. Exemplo disso é a postura diante da inflação de alimentos, com a qual foi permissivo em boa parte desses dois primeiros anos do mandato. Não foram poucas as vezes em que Lula defendeu aumentar a meta da inflação, coerente com a visão segundo a qual um pouco mais de inflação não faria mal a ninguém. A imagem de um governo incapaz de fazer o dever de casa se cristalizou na morosidade para enfrentar, de forma consistente, o grave problema da dívida pública, uma questão estrutural que força a alta dos juros e a valorização do dólar. Por conseguinte impulsiona a espiral inflacionária.

Quando se deu conta do estrago em sua imagem causado pela inflação, o governo se mostrou atordoado, com chefe da Casa Civil metendo os pés pelas mãos. Primeiro anunciou que o governo adotaria “um conjunto de intervenções” para baixar os preços dos alimentos. O ato falho de Rui Costa pegou mal, pois sugeria uma recidiva intervencionista.

Em seguida, o ministro mais forte do governo convoca uma entrevista coletiva para anunciar uma não-notícia: “não vai haver intervenção nos preços, não vai haver subsídios, não haverá ‘fiscais de Sarney’ ”. De concreto, apenas o anúncio de que poderá baixar o imposto de importação de alimentos para baratear seus preços. Como os alimentos, na sua maioria commodities que tem preços internos alinhados ao  mercado internacional, o impacto dessa medida será pontual. De quebra, o governo criou novo contencioso com o agronegócio, jogando em suas costas a responsabilidade pela inflação de alimentos.

O sinal fechou para Lula no momento em que paira sobre sua cabeça a possibilidade de ser vítima do que aconteceu no governo Biden. Nele, nos últimos dois anos o emprego ia bem, a economia crescia, a inflação estava em marcha descendente. Mas como os preços estavam altos e comprometia o poder aquisitivo dos trabalhadores e da classe média, isto impactou na disputa presidencial americana, inviabilizando a eleição de Kamala Harris. Ou seja, a inflação de alimentos e do aluguel pavimentou a vitória de Donald Trump.

O objetivo estratégico de Lula – ao qual deve se subordinar todas as ações governamentais – é a sua reeleição, o próprio presidente foi o primeiro a antecipar a disputa eleitoral, ao dizer que 2026 já começou. Transformou uma reunião ministerial em um evento de comitê eleitoral. O Brasil tem essas confusões entre o público e o privado. Bolsonaro discutia o golpe em reunião ministerial; Lula, a sua reeleição.

Este objetivo ficou comprometido diante do erro estratégico de Lula de não ter feito o ajuste fiscal no primeiro ano de seu governo, só adotando correção insuficiente ao final do segundo ano do seu mandato. A realidade pode obrigá-lo a adotar novas medidas em condições bem mais desfavoráveis. Quanto mais o calendário se aproximar da disputa presidencial, mais improvável será o presidente tomar medidas duras e antipáticas, por mais necessárias que sejam para o controle da inflação que atinge de forma direta o bolso dos mais pobres.

Há um risco maior, o de Lula enveredar por outro caminho para turbinar sua imagem e, assim, disputar a reeleição de forma competitiva. O perigo é enveredar por medidas populistas, cedendo à pressão do Partido dos Trabalhadores para adotar uma política econômica heterodoxa, enfraquecendo seu ministro da Fazenda. Até o final do ano passado, Fernando Haddad era o segundo homem mais forte do governo. Vem perdendo força desde o episódio da divulgação conjunta do ajuste fiscal com a isenção do Imposto de Renda para quem ganha acima de cinco mil reais.

Sem ter outro nome que não o de Lula para disputar a presidência em 2026, o novo eixo gravitacional do governo, expresso na dobradinha Rui Costa/Sidônio Palmeira pode fazer a balança pender para o polo “desenvolvimentista”. Principalmente se Gleisi Hoffman entrar no rol dos ministros com assento no Palácio do Planalto.  Nessas condições, a tentação de uma recidiva intervencionista para baixar na marra a inflação de alimentos é um hipótese concreta. Como dizia Dilma, “em eleição a gente faz o diabo”. Até fazer uma gambiarra para o farol vermelho mudar de fase artificialmente.

 

Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação e diretor do Colégio Bandeirantes.

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