Relâmpagos ligam o clima da Terra com o clima do espaço

* O artigo foi escrito por Lauren Blum, professora assistente de Física Atmosférica e Espacial da Universidade do Colorado em Boulder, e publicado na plataforma The Conversation Brasil.

Há trilhões de partículas carregadas – prótons e elétrons, os blocos básicos de construção da matéria – zunindo sobre nossas cabeças a todo momento. Essas partículas de alta energia, que podem viajar a uma velocidade próxima à da luz, normalmente permanecem a milhares de quilômetros da Terra, presas pelo formato do campo magnético terrestre.

Ocasionalmente, porém, ocorre um evento que pode tirá-las do lugar, fazendo elétrons “chover” na atmosfera da Terra. Essas partículas de alta energia no espaço formam o que é conhecido como cinturões de radiação de Van Allen, e sua descoberta foi uma das primeiras da era espacial. Um novo estudo da minha equipe de pesquisa descobriu que as ondas eletromagnéticas geradas por relâmpagos na atmosfera da Terra podem desencadear essas chuvas de elétrons.

Uma breve lição de história

No início da corrida espacial, na década de 1950, o professor James Van Allen e sua equipe de pesquisa na Universidade de Iowa foram encarregados de construir um experimento para voar no primeiro satélite dos Estados Unidos, o Explorer 1. Eles projetaram sensores para estudar a radiação cósmica, que é provocada por partículas de alta energia provenientes do Sol, da nossa galáxia, a Via Láctea, ou além.

Foto em preto e branco de três homens segurando modelo do satélite Explorer 1 - Metrópoles
James Van Allen, no meio, posa com um modelo do satélite Explorer 1

Após o lançamento do Explorer 1, no entanto, eles notaram que seu instrumento estava detectando níveis de radiação significativamente mais altos do que os esperados. Em vez de detectar uma fonte distante de radiação além de Sistema Solar, eles pareciam estar detectando uma fonte local e extremamente intensa.

Essa detecção levou à descoberta dos cinturões de radiação Van Allen, duas regiões em forma de roscas compostas de elétrons e íons de alta energia que circundam nosso planeta.

Os cientistas acreditam que o cinturão de radiação interno, que atinge o pico a cerca de 1.000 quilômetros da Terra, é composto de elétrons e prótons de alta energia e é relativamente estável ao longo do tempo.

O cinturão de radiação externo, cerca de três vezes mais distante, por sua vez, é composto de elétrons de alta energia. Esse cinturão pode ser altamente dinâmico. Sua localização, densidade e conteúdo de energia podem variar significativamente a cada hora em resposta à atividade solar.

A descoberta dessas regiões de alta radiação não é apenas uma história interessante dos primeiros dias da corrida espacial; ela também serve como um lembrete de que muitas descobertas científicas surgem por um feliz acidente.

É uma lição para os cientistas experimentais, inclusive eu, manter a mente aberta ao analisar e avaliar os dados. Se os dados não corresponderem às nossas teorias ou expectativas, essas teorias talvez precisem ser revisadas.

Nossas próprias observações curiosas

Embora eu ensine a história da corrida espacial em um curso de política espacial na Universidade do Colorado, em Boulder, raramente a relaciono à minha própria experiência como cientista pesquisando os cinturões de radiação da Terra. Ou, pelo menos, não o fazia até recentemente.

Em um estudo liderado por Max Feinland, um estudante de graduação do meu grupo de pesquisa, descobrimos algumas de nossas próprias observações inesperadas dos cinturões de radiação da Terra. Nossas descobertas nos fizeram repensar nossa compreensão do cinturão de radiação interno da Terra e os processos que o afetam.

Originalmente, nos propusemos a procurar explosões muito rápidas, de menos de um segundo, de elétrons de alta energia entrando na atmosfera a partir do cinturão de radiação externo, onde são normalmente observadas.

Muitos cientistas acreditam que um tipo de onda eletromagnética conhecida como “chorus” (“coro” em inglês) pode tirar esses elétrons de sua posição e enviá-los para a atmosfera. Elas são chamadas de ondas de coro devido ao seu som distinto como um chilrear de pássaro quando ouvidas em um receptor de rádio.

Feinland desenvolveu um algoritmo para procurar esses eventos em décadas de medições do satélite SAMPEX. Quando ele me mostrou um gráfico com a localização de todos os eventos que havia detectado, notamos que vários deles não estavam onde esperávamos. Alguns eventos foram mapeados como ocorridos no cinturão de radiação interno em vez do cinturão externo.

Essa descoberta foi curiosa por dois motivos. Primeiro, as ondas de coro não são predominantes nessa região, portanto, algo mais deveria estar sacudindo esses elétrons.

A outra surpresa foi encontrar elétrons tão energéticos no cinturão de radiação interno. As medições da missão Van Allen Probes da NASA despertaram um interesse renovado no cinturão de radiação interno. As observações das sondas Van Allen sugeriram que os elétrons de alta energia não estão frequentemente presentes nesse cinturão de radiação interno, pelo menos não durante os primeiros anos dessa missão, de 2012 a 2014.

Nossas observações agora mostraram que, de fato, há momentos em que o cinturão interno contém elétrons de alta energia. A frequência com que isso acontece e sob quais condições são questões em aberto a serem exploradas.

Essas partículas de alta energia podem danificar as espaçonaves e afetar seres humanos no espaço, portanto, os pesquisadores precisam saber quando e onde elas estão presentes no espaço para projetar melhor as espaçonaves.

Encontrando o culpado

Uma das maneiras de perturbar os elétrons no cinturão de radiação interno e lançá-los na atmosfera da Terra começa, na verdade, na própria atmosfera.

Os relâmpagos, as grandes descargas eletromagnéticas que iluminam o céu durante as tempestades, podem, na verdade, gerar ondas eletromagnéticas conhecidas como “assobios gerados por relâmpagos”.

Foto de relâmpago - Metrópoeles
Os relâmpagos geram ondas eletromagnéticas, que podem viajar para os cinturões de radiação acima da atmosfera da Terra

Essas ondas podem então viajar pela atmosfera até o espaço, onde interagem com os elétrons no cinturão de radiação interno – da mesma forma que as ondas de coro interagem com os elétrons no cinturão de radiação externo.

Para testar se os relâmpagos estavam por trás das nossas detecções no cinturão de radiação interno, analisamos as explosões de elétrons e as comparamos com dados de tempestades. Algumas atividades de relâmpagos pareciam estar correlacionadas com nossos eventos de elétrons, mas grande parte delas não estava.

Especificamente, apenas os relâmpagos que ocorreram logo após as chamadas tempestades geomagnéticas resultaram nas explosões de elétrons que detectamos.

Tempestades geomagnéticas são distúrbios no ambiente espacial próximo à Terra, geralmente causados por grandes erupções na superfície do Sol. Essa atividade solar, se direcionada para a Terra, pode afetar o que os pesquisadores chamam de clima espacial. O clima espacial pode resultar em auroras impressionantes, mas também pode interromper as operações de satélites e da rede elétrica.

Descobrimos que uma combinação de clima na Terra e clima no espaço produz as assinaturas de elétrons exclusivas que observamos em nosso estudo. A atividade solar perturba os cinturões de radiação da Terra e preenche o cinturão interno com elétrons de energia muito alta; em seguida, os raios interagem com esses elétrons e criam as explosões rápidas que observamos.

Esses resultados são um bom lembrete da natureza interconectada da Terra e do espaço. Eles também foram um lembrete bem-vindo para mim do processo frequentemente não linear da descoberta científica.The Conversation

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