Trump pode dar aparência de vitória à derrota da Rússia na Ucrânia

A Ucrânia está espremida entre um psicopata, Vladimir Putin, e um fanfarrão, Donald Trump. O russo queria varrer o país vizinho do mapa e lhe move uma guerra criminosa; o americano agora quer que a Ucrânia deixe de resistir ao invasor derrotado na sua pretensão inicial e ainda pague por toda a ajuda que recebeu dos Estados Unidos para se defender.

Diante desse quadro terrível, à frente de uma nação extenuada e de um exército desamparado por americanos e europeus, o presidente ucraniano Volodymyr tenta equilibrar-se. Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, ele admitiu trocar o território russo que ocupou na região de Kursk por algum território ucraniano ocupado pelos russos, caso Donald Trump consiga fazer com que Vladimir Putin se sente à mesa de negociações com ele.

Um ponto importante para o presidente ucraniano é ter a garantia de que um acordo de paz com os russos não signifique apenas um intervalo para que o inimigo tome fôlego e volte a atacá-la em outra guerra pela anexação da Ucrânia à Rússia.

Para Volodymyr Zelensky, e ele está certíssimo, a Europa sozinha não pode dar essa garantia, segundo parece querer o presidente americano. “Sem os Estados Unidos, não há verdadeira garantia de segurança”, disse o presidente ucraniano ao jornal britânico.

Como Donald Trump é um interlocutor que se move principalmente por interesses econômicos, Volodymyr Zelensky procura extrair dele um compromisso nesse sentido, em troca de grandes vantagens materiais.

Além de sugerir que empresas dos Estados Unidos ganharão rios de dinheiro na reconstrução do seu país, o presidente ucraniano propôs ao presidente americano o acesso prioritário a minerais raros e estratégicos para uso militar e tecnológico dos quais a Ucrânia é rica. Volodymyr Zelensky esgrime o argumento suplementar de que certamente os Estados Unidos não gostariam de ver essas reservas minerais caírem nas mãos dos russos.

A questão é que Donald Trump acha que esses minerais são devidos pela Ucrânia, como compensação pelos bilhões de dólares que lhe foram dados pelos americanos como ajuda militar e econômica para enfrentar a invasão russa. Na conta do presidente americano, são US$ 500 bilhões.

Para acrescentar ainda mais escuridão ao contexto, na mesma ocasião em que cobrou o dinheiro, uma entrevista dada à Fox News, na segunda-feira, Donald Trump evocou a hipótese de que a Ucrânia se torne “russa algum dia”. Disse ele, em contornos tão preocupantes quanto imprecisos: “Eles podem fazer um acordo, podem não fazer um acordo; eles podem ser russos algum dia; podem não ser russos algum dia”.

O Kremlin, obviamente, ficou satisfeitíssimo. “É uma realidade que uma parte significativa da Ucrânia queira ser Rússia e que já tenha se tornado Rússia”, comentou Vladimir Peskov, porta-voz de Vladimir Putin.

O maior receio ucraniano neste momento é que americanos e russos estejam negociando secretamente o futuro do país, sem levar em conta os interesses de Kiev. Que ambos os lados estão conversando, não há dúvida.

Exemplo disso é a liberação do americano Marc Fogel, que estava preso na Rússia. Funcionário da embaixada dos Estados Unidos em Moscou, ele foi detido em 2021 por posse de maconha, que alegou ter sido prescrita por um médico.

A administração Donald Trump afirmou, em comunicado, que a liberação de Marc Fogel foi fruto de uma “troca que mostra a boa vontade dos russos e que sinaliza a boa direção para pôr um fim à guerra terrível e violenta na Ucrânia”. Resta saber se a boa direção contempla os principais interessados. Talvez haja indicação sobre ela nesta sexta-feira, quando Volodymyr  Zelensky encontrará o vice-presidente americano, J.D.Vance, na Conferência de Segurança de Munique.

Um balão de ensaio solto por Donald Trump é que a Rússia aceitaria negociar um acordo se a Ucrânia promovesse a eleição  eleição presidencial que foi adiada pela guerra — uma eleição que poderia tirar o desgastado Volodymyr Zelensky do poder e dar a Vladimir Putin a oportunidade de propagar internamente que derrubou o “neonazismo” na Ucrânia, uma das fajutices de que lançou mão para justificar a invasão do país vizinho.

Com Zelensky ou sem Zelensky, é importante que se diga que a paz a qualquer preço só será um grande negócio para a Rússia de Vladimir Putin, que falhou miseravelmente na tentativa de cancelar a existência da Ucrânia, a despeito de todas as perdas terríveis humanas, territoriais e econômicas que infligiu e vem infligindo aos ucranianos. Donald Trump pode dar à derrota russa uma aparência de vitória, e isso está longe de ser bom para o mundo.

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