Uma avenida aberta para o Brasil (por Marcos Magalhães)

As bandeiras azuis e brancas que acompanhavam as verdes e amarelas na manifestação de domingo, na avenida Paulista, mostram que as divergências sobre a atuação de Israel na Faixa de Gaza contaminaram de vez a política interna brasileira.

Por outro lado, porém, elas sinalizam os atalhos a evitar na abertura da larga avenida que poderá estar disponível para o Brasil durante esse ano de presidência do G-20.

A controversa comparação feita na Etiópia pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva entre a atuação das tropas de Israel e o extermínio de judeus por Adolf Hitler, durante a Segunda Guerra Mundial, incendiou as militâncias de direita e de esquerda.

A extrema direita bolsonarista aproveitou a repercussão da frase para reafirmar sua conexão com Israel – estimulada pelo voto evangélico – e para lembrar que Lula havia recebido o apoio do grupo terrorista Hamas, que deu início à atual onda de violência.

Em resposta, a militância petista invadiu as redes sociais com textos e vídeos de apoio ao presidente e de pesadas críticas ao primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e à imprensa brasileira, que teriam distorcido as declarações de Lula.

Se estimulada, a polêmica pode se estender ao infinito, em benefício principalmente da extrema direita, que andava acuada pelas investigações sobre a tentativa de golpe de Estado do final de 2022, atribuída a Jair Bolsonaro e seus auxiliares mais próximos.

E o que interessa, de fato, ao Brasil neste momento? Momento, só para lembrar, em que o mundo se vê às voltas com a necessidade de compatibilizar a retomada da economia após a pandemia com o combate à mudança climática que ameaça todo o planeta.

Pois o Brasil tem a sorte de presidir, neste ano, o G-20, grupo das economias mais poderosas do mundo. E do qual se esperam indicações de novos caminhos para a economia e o meio ambiente.

Tudo isso, é bom lembrar, enquanto se desenvolvem, sem perspectiva de rápida solução, conflitos como o da Faixa de Gaza, na Palestina, e o da Ucrânia, onde tropas russas parecem ter consolidado posições durante o inverno setentrional.

A liderança brasileira naturalmente terá de lidar com os conflitos. E a declaração final do G-20, a ser firmada na reunião de cúpula prevista para o final do ano, no Rio de Janeiro, precisará conter preciosos parágrafos sobre o tema.

Mesmo antes disso, enquanto prossegue a ação das tropas israelenses em Gaza, que já motivou cerca de 30 mil mortes de civis, o governo brasileiro exercerá seu direito – e, até mesmo, o dever – de denunciar as mortes de tantos palestinos.

De preferência, porém, dentro dos limites da linguagem diplomática e longe dos improvisos – capazes, ao mesmo tempo, de incendiar as militâncias e de drenar energia política que poderia ser empregada onde ela é mais urgente.

Pois o momento é mais do que propício para que o Brasil se empenhe em colocar em pauta temas que lhe interessam de perto, como a promoção do desenvolvimento sustentável, com inclusão social, e a reforma das instituições internacionais.

E o momento é propício não apenas porque o país preside o G-20, senão também porque o planeta vive uma emergência climática e porque algumas das principais lideranças dos países industrializados podem estar menos reticentes do que de costume.

O Brasil tem insistido, por exemplo, na reforma das principais instituições internacionais, criadas logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Desde o Fundo Monetário Internacional até o Conselho de Segurança das Nações Unidas, que congelou como membros permanentes Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França.

Ninguém espera uma solução rápida para o tema. Mas os Estados Unidos, que nunca pareceram muito entusiastas da mudança, parecem agora mais abertos ao debate.

Em visita ao Brasil, para encontro de chanceleres do G-20, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, mostrou-se aberto a discutir o assunto neste ano.

“Compartilhamos com o Brasil a necessidade de reformar e atualizar todas as instituições internacionais, para garantir que elas realmente reflitam o mundo de hoje, não o de ontem”, disse Blinken em entrevista à Globonews.

Segundo o secretário, o período de presidência brasileira do G-20 poderia ser usado para promover uma discussão mais ampla sobre como seria, por exemplo, a ampliação do Conselho de Segurança, para inclusão de países da América Latina e da África.

“Uma das coisas que compartilho com os demais países do G20 é que queremos usar o resto desse ano para encontrar maneiras de avançar na prática nesse objetivo de realmente ter um Conselho de Segurança que realmente reflita mais o mundo de hoje”, afirmou.

Blinken também demonstrou simpatia em relação à inclusão em pauta no G-20 de temas como o combate à mudança climática e a inclusão social. A mesma disposição pode não se repetir em debates futuros se Donald Trump voltar à Casa Branca em 2025.

O ministro brasileiro da Fazenda, Fernando Haddad, mostrou estar atento à janela política quando anunciou que pretende promover, junto ao grupo das maiores economias, a discussão sobre a criação de um imposto mundial sobre as grandes fortunas.

Colocar em debate a taxação global dos super ricos já terá sido uma grande contribuição da presidência brasileira. Assim como a discussão sobre mecanismos de apoio aos países mais pobres para a adoção de uma economia de baixo carbono.

Nenhuma mudança será fácil ou imediata. Mas a inclusão desses temas no topo da agenda global já terá valido a pena.

 

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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