Caderneta revela que milícia cobrava por cada m² das ruas do Brás

São Paulo – A milícia que extorquia dinheiro de camelôs nas ruas do Brás, no centro da capital paulista, mantinha uma caderneta para controlar o pagamento pelas barracas, segundo investigação do Ministério Público de São Paulo (MPSP).

Os espaços chegavam a ser medidos com fita métrica, com a organização toda feita pelos integrantes da quadrilha. Um dos materiais apreendidos na investigação é uma lista impressa, datada de 25 de novembro de 2024, de cobrança do “setor 4 – calçada par”.

O valor descrito no documento é de R$ 50. Outra lista mostra o “setor 1 – ímpar”, com valores que chegam a R$ 100.

Lista de comerciante extorquidos por milícia
Lista de comerciante extorquidos por milícia

O papel, que traz os nomes de vários imigrantes sul-americanos, foi encontrado durante cumprimento de mandado de busca e apreensão, em dezembro, em endereço ligado ao casal Peterson Ribeiro Batista e Kelen Fernanda Cardoso, apontado como sócio dos policiais militares acusados de integrar a milícia do Brás.

Segundo a denúncia revelada pelo Metrópoles, havia “diversas planilhas de controle das cobranças realizadas para exercício de comércio em via pública”. A milícia usava associações como fachada para cobrar valores de suas vítimas. Entre elas, a Cooperativa de Trabalho dos Profissionais do Comércio Solidário do Brás (CoopsBrás), que era gerida por Kelen e Peterson.

Kelen Batista foi flagrada andando entre as barracas e abordando seus donos. Acompanhada de cinco homens armados, ela media com uma trena os espaços ocupados pelos camelôs nas ruas e exigia dinheiro para que eles pudessem permanecer no local.

Toda a ação foi filmada por agentes disfarçados em investigação conjunta da Corregedoria da Polícia Militar (PM) e do Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPSP.

Em dezembro passado, eles deflagraram uma operação que cumpriu mandados de buscas contra 15 pessoas e prendeu 9. Dos alvos, três eram PMs da ativa, três reformados e uma escrivã da Polícia Civil — todos foram denunciados por formarem uma milícia em parceria com a cooperativa de Kelen para extorquir comerciantes do Brás.

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Acusada de integrar milícia usava caderneta para registrar pagamentos ilícitos

Investigados cobravam dinheiro principalmente de ambulantes estrangeiros
PM Humberto de Almeida Batista 
em meio a incursão de investigadores em área de milícia
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Policiais e investigada são flagrados extorquindo comerciantes do Brás, no centro de SP

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Acusada de integrar milícia usava caderneta para registrar pagamentos ilícitos

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Investigados cobravam dinheiro principalmente de ambulantes estrangeiros

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PM Humberto de Almeida Batista
em meio a incursão de investigadores em área de milícia

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O Metrópoles teve acesso com exclusividade ao conteúdo da apuração. Câmeras escondidas, escutas ambientais e grampos telefônicos feitos pelos investigadores registraram flagrantes da atuação da milícia do Brás. No mês passado, três sargentos e um cabo da PM se tornaram réus na Justiça Militar por suposto envolvimento no esquema.

Cobranças

Segundo o Gaeco, o cabo José Renato Silva de Oliveira, os sargentos da PM Wellington Stefani e Humberto de Almeida Batista, a escrivã da Polícia Civil Viviane Letícia Felix Trevisan e os PMs reformados Maurício Oliveira de Souza e Sergio Ferreira do Nascimento faziam parte do braço armado da extorsão.

A milícia é acusada de cobrar R$ 15 mil por ano e até R$ 400 por mês dos ambulantes. Quando as vítimas deixavam de pagar, eram encaminhadas pelos PMs para os agiotas, que cobravam juros de 20% ao mês. Segundo um coronel da Corregedoria da PM, um dos policiais atuava, inclusive, cobrando as dívidas contraídas pelos vendedores com agiotas para pagar a extorsão.

Uma testemunha protegida relatou aos promotores que, no começo, um grupo cobrava R$ 50 pelo uso de um espaço, mas após seis meses passou a exigir R$ 3 mil anuais e R$ 200 semanais, utilizando ameaças e intimidação.

No segundo ano, os valores subiram para R$ 5 mil por ano e R$ 250 por semana. Em setembro de 2023, ao retornar ao local de trabalho após uma ausência por doença, a testemunha foi expulsa pelo grupo, que afirmou ter colocado outra pessoa em seu lugar e ameaçou agressão caso não saísse.

Quando não quitavam a dívida, os mesmos policiais da milícia eram contratados pelos agiotas para exigir os valores do empréstimo.

“A informalidade do comércio e a presença de grande quantidade de imigrantes em situação irregular de permanência no país fazem com que os comerciantes temam ter seu meio de sustento retirado, facilitando sua submissão às organizações criminosas que atuam na região, que contam, em sua maioria, com a participação de policiais militares e civis”, afirma a Promotoria na denúncia.

A reportagem não localizou a defesa dos acusados. O espaço está aberto para manifestações.

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