“Depois do não, qualquer ato é importunação”, diz promotora de Justiça

O Carnaval é um momento de alegria e festividade, mas só se todos estiverem sorrindo. Após o “não” da mulher, acaba a brincadeira e a “insistência” vira importunação sexual ou, em casos mais graves, estupro. “Qualquer situação que a mulher recuse pode configurar crime de importunação sexual, que muitas vezes são beijos forçados, toques inapropriados, encoxadas, insistências físicas ou verbais”, explicou a coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), promotora de Justiça Adalgiza Aguiar, em entrevista ao Metrópoles.

“Precisamos garantir que o direito, liberdade e a autonomia das mulheres sejam respeitadas. Depois do não, qualquer ato é importunação”, afirmou Adalgiza.

Assista à entrevista:

6 imagens

Campanhas contra violência

Adalgiza Aguiar, coordenadora do Núcleo de Gênero do MPDFT, em entrevista à jornalista Isadora Teixeira
Adalgiza Aguiar, coordenadora do Núcleo de Gênero do MPDFT
Adalgiza Aguiar, coordenadora do Núcleo de Gênero do MPDFT
Adalgiza Aguiar, coordenadora do Núcleo de Gênero do MPDFT, e a jornalista Isadora Teixeira
1 de 6

Adalgiza Aguiar, coordenadora do Núcleo de Gênero do MPDFT

VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto

2 de 6

Campanhas contra violência

VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto

3 de 6

Adalgiza Aguiar, coordenadora do Núcleo de Gênero do MPDFT, em entrevista à jornalista Isadora Teixeira

VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto

4 de 6

Adalgiza Aguiar, coordenadora do Núcleo de Gênero do MPDFT

VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto

5 de 6

Adalgiza Aguiar, coordenadora do Núcleo de Gênero do MPDFT

VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto

6 de 6

Adalgiza Aguiar, coordenadora do Núcleo de Gênero do MPDFT, e a jornalista Isadora Teixeira

VINÍCIUS SCHMIDT/METRÓPOLES @vinicius.foto

Existem dois protocolos vigentes com objetivo de prevenir o constrangimento e a violência contra a mulher, além de assegurar proteção às vítimas. Criado em 2023 por lei federal, “Não é Não” determina que casas noturnas e bares adotem uma série de medidas nesses casos, como afastar a vítima do agressor e acionar a Polícia Militar.

No Distrito Federal, também existe o protocolo “Por Todas Elas”, que exige de hotéis, pousadas, estabelecimentos comerciais, shoppings, bares, restaurantes, casas de show e eventos culturais a fixação de cartazes com informações sobre a disponibilidade de auxílio às mulheres que se sintam em situação de risco, além da presença de um funcionário designado para prestar atendimento.

“Esses protocolos trazem uma série de regras que o estabelecimento deve seguir para que, caso ocorra importunação, a mulher seja acolhida de forma humanizada, com respeito e sem revitimização, com profissional treinado para o atendimento da mulher e para direcioná-la à rede de proteção”, enfatizou a promotora de Justiça.

Leia a entrevista na íntegra:

Metrópoles: Até onde vai a brincadeira e onde começa a importunação e o constrangimento da mulher?

Adalgiza Aguiar: O Carnaval é um período de alegria. Não é período de violência e de importunação. Portanto, precisamos garantir que os direitos, a liberdade e a autonomia das mulheres sejam respeitadas. Depois do não, qualquer ato é uma importunação. Então, qualquer situação que a mulher recuse pode configurar o crime de importunação sexual. São beijos forçados e toques inapropriados após a mulher dizer não. São encoxadas, são insistências físicas ou verbais. Após a recusa da mulher, quaisquer dessas situações pode configurar o crime de importunação sexual ou, se causar um dano mais grave, físico ou psicológico, pode até configurar a situação de um estupro, um estupro de vulnerável que tem uma pena elevada prevista na nossa legislação.

Metrópoles: Desde o ano passado, existem protocolos para orientar e também acolher as mulheres vítimas de violência nesses ambientes. O que eles preveem?

Adalgiza Aguiar: Realmente, esses protocolos são novos. O protocolo no âmbito federal, que é o “Não é Não”, passou a ser previsto a partir de dezembro de 2023. Mas, no Distrito Federal, temos o protocolo “Por Todas Elas” desde o primeiro semestre de 2023. E o que é que esses protocolos protetivos para a mulher trazem? Medidas de prevenção e de atuação imediata que locais e estabelecimentos de lazer e entretenimento devem observar para a garantia do respeito e da segurança da mulher.

Esse protocolo traz uma série de regras que o estabelecimento deve seguir para, em caso de acontecer realmente uma situação de importunação, essa mulher seja acolhida de forma humanizada, atendida com respeito, sem qualquer revitimização, e que tenha um profissional designado, capacitado, para fazer esse acolhimento à mulher e, eventualmente, direcioná-la à rede de proteção e autoridades competentes para, se for o caso, verificar o que aconteceu e registrar uma ocorrência, abrir uma investigação.

Os estabelecimentos também têm que preservar o local de prova para que eventualmente, numa possível investigação, seja garantido que aquela situação vai ser esclarecida. E, além disso, os estabelecimentos privados e os espaços de lazer, por exemplo, os bloquinhos de Carnaval, devem dar informações visíveis para que mulheres que eventualmente estejam sendo vítimas de importunação possam procurar um profissional ali naquele local, um ponto de apoio, para relatar a situação e buscar ajuda para que aquela situação seja diluída imediatamente.

Metrópoles: O que a mulher deve fazer a partir do momento em que é vítima?

Adalgiza Aguiar: A mulher que, em qualquer desses locais de lazer, se ver numa situação de constrangimento, de importunação, deve procurar ajuda imediatamente. Deve procurar pontos de apoio, deve procurar uma pessoa ali no estabelecimento com a qual ela consiga se comunicar para informar o que está acontecendo, para que consiga afastar o agressor dessa mulher e preservar a segurança dela, que é o fundamental. Ela deve procurar os canais de denúncia. O principal é o 190. Se está acontecendo em um determinado bloquinho, nas ruas, uma situação de constrangimento, tem que ligar para o 190 da Polícia Militar, que atende de forma imediata aquela situação. Mas temos outros canais de atendimento, como o 127, que é da Ouvidoria das Mulheres do Ministério Público, que também recebe essas denúncias. Os estabelecimentos, os blocos, têm o dever de preservar as provas, procurar testemunhas nos locais e devem manter eventuais câmeras de segurança para contribuir para essa investigação.

Metrópoles: Qual é a diferença entre assédio sexual, importunação sexual e outros tipos de violência contra a mulher?

Adalgiza Aguiar: Algumas legislações trazem o termo assédio. Mas nós sabemos que o Código Penal traz uma tipificação própria do assédio sexual, que acontece quando há um constrangimento e uma posição hierárquica envolvida. Um chefe com sua funcionária seria, por exemplo, um caso de assédio sexual.

Mas a legislação, por exemplo, do protocolo “Por Todas Elas”, traz a questão do assédio de uma forma geral, como se fosse uma situação similar, como um constrangimento. Mas nós poderíamos usar de uma forma mais ampla o termo constrangimento, que pode configurar uma importunação sexual ou uma situação mais grave, como um estupro, por exemplo.

A importunação sexual que está previsto no nosso Código Penal, com pena de um a cinco anos de prisão, são essas situações, por exemplo, de insistências físicas, verbais, sem o consentimento, que provoquem vergonha, desconforto e humilhação na mulher. São essas encoxadas, são essas situações de beijos e abraços forçados. Situações mais graves podem configurar o estupro, que tem pena de até dez anos, ou até mesmo estupro de vulnerável, a depender da situação que essa mulher se encontre.

Metrópoles: No último final de semana, o Distrito Federal registrou dois casos muito chocantes de violência contra a mulher. Um feminicídio dentro de uma igreja aqui da capital do país e um estupro cometido por um motorista de aplicativo contra uma passageira durante a corrida. Por que até hoje a gente vê tantos casos como esses?

Adalgiza Aguiar: Infelizmente, a discriminação e a violência contra a mulher, ainda – embora a gente possa dizer que está melhorando bastante – é naturalizada, por todo um histórico, por toda uma questão cultural que temos em relação às relações de poder, de subordinação, que muitas vezes aconteceram até mesmo na própria legislação. Lembra quando nós tínhamos um Código Civil antigo que dizia que o chefe de família era o pai, era um homem numa sociedade patriarcal? Então, todas essas relações de subordinação muitas vezes legitimavam situações de violência física e psicológica. E, infelizmente, a gente ainda vê resquícios muito presentes na nossa sociedade, chegando até situações fatais, como é um feminicídio.

Então, estamos quebrando esses esse paradigma de normalidade de violências e discriminação contra a mulher, mas isso precisa ser cultural. A gente precisa promover ações educacionais nas escolas, nas universidades. Nós precisamos promover campanhas de capacitação como essa do “Pediu para Parar, Parou” e “Depois do Não, Tudo é Importunação”. Precisamos o apoio da imprensa, do apoio dos diversos órgãos para que a gente possa levar essas mensagens de que qualquer forma de violência de gênero contra as mulheres não é normal.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.