Três anos de guerra na Ucrânia: demolição iniciada por Trump traz mais insegurança e incerteza para o mundo

Glauco Arbix, Universidade de São Paulo (USP)

Há três anos, Vladimir Putin invadia a Ucrânia em uma nova ofensiva desde a invasão da Crimeia em 2014. Os planos do presidente russo previam que uma fulminante vitória se daria em dias. E poucos analistas internacionais ousaram contestar essa previsão, dada a disparidade de força entre os dois países. Mas a vida, como sempre, prevaleceu sobre as intenções.

Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, com apoio da imensa maioria dos ucranianos, decidiu resistir. E rejeitou a oferta de retirada feita pelos Estados Unidos com uma resposta cristalina: “A luta está aqui. Preciso de munição, não de uma carona.”

Nos últimos três anos, a Ucrânia conseguiu segurar o avanço russo. Milhares de ucranianos se dispuseram a lutar contra a invasão, que negava a nacionalidade da Ucrânia, considerada parte da grande mãe russa. O exército ucraniano se tornou rapidamente o maior da Europa, com mais de um milhão de pessoas. E a indústria de defesa se transformou para produzir hardware e software de primeira linha e lançou a Ucrânia como uma das principais lideranças globais em tecnologias de drones movidas a Inteligência Artificial (IA).

Apesar da resistência, a Ucrânia não conseguiu evitar o massacre de civis, o estupro de mulheres em regiões ocupadas pelos russos, a destruição de hospitais e grande parte de seu setor de energia: até agora, quase 50 mil soldados ucranianos morreram e cerca de 400 mil ficaram feridos, sem contar milhares de civis.

Ao mesmo tempo, a economia russa sofreu com o esforço de guerra – enorme para um país que é potência militar, mas com desempenho econômico médio. As sanções impostas pelos EUA e países europeus, aliviadas parcialmente pela ajuda que recebeu do Irã, da Coreia do Norte e da China, mostraram eficácia contra a economia russa. A inflação no país de Putin disparou. Milhares de soldados russos, seus aliados e mercenários foram mortos ou feridos, segundo a BBC de Londres. Mesmo com essas perdas, a Rússia conseguiu controlar cerca de 20% do território ucraniano, com a Crimeia incluída.

Apesar do avanço russo, o cansaço da guerra, as perdas e a dor da destruição pareciam ser a única maneira de Putin vencer a guerra. Mas algo de extraordinário deu novas energia à política imperial da Rússia. Um personagem até há pouco considerado improvável, começou a agir para isolar a Ucrânia e convencer os europeus que toda resistência será inútil. Um personagem que tem nome e endereço e atende pelo nome de Donald Trump.

Seu projeto procura remodelar a ordem mundial (construída com forte liderança americana) e retomar agora a divisão do mundo entre EUA, Rússia e China. O secretário de Estado Marco Rubio e o conselheiro de Segurança Nacional, Mike Waltz, fizeram declarações nessa direção. Mais ainda, repercutiram falas de Trump que apontaram Zelensky como um “ditador” e “responsável pela guerra” e acusaram o projeto da democracia liberal como sendo o verdadeiro perigo a ser combatido pelos europeus.

Em 2022, o presidente Joe Biden e o secretário de Estado, Antony Blinken, foram fundamentais para aglutinar aliados e parceiros para se oporem à invasão russa. O contraste não poderia ser mais eloquente: Trump quer que a Ucrânia cubra os gastos de guerra dos EUA com parte de seus minerais críticos; iniciou negociações diretamente com Putin sem Zelensky e os países europeus; e ameaçou com o esvaziamento da Otan.

Trump é a mão que tira as castanhas do fogo para Putin. Apenas um mês após o início de seu mandato, os Estados Unidos votaram contra uma resolução nas Nações Unidas que condenava a Rússia pela agressão na Ucrânia, em aliança inédita com a Rússia, Coreia do Norte, Bielorrússia, Irã e outros 13 países. China e Índia se abstiveram no voto da resolução aprovada pela imensa maioria dos países.

O jornal inglês Financial Times registrou que Trump demoliu 80 anos de liderança americana do pós-guerra, tornando-se aliado da Rússia e de países que os EUA, desde a guerra fria, consideravam adversários.

Sinal de tempos bicudos, que indicam o início de uma nova era. O avanço da extrema-direita em vários países europeus, inclusive na Alemanha e na França, certamente tentará recuperar Putin e dar alento às propostas predatórias de Trump, inclusive na América Latina e no Brasil.

O próximo chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, cujo partido acabou de derrotar a ultradireita apoiada por Elon Musk e autoridades americanas, declarou “que o governo Trump não se importa mais com os destinos da Europa”.

Choques entre países supostamente aliados e novos círculos de amizade compostos por inimigos de longa data, prenunciam forte turbulência e muita insegurança pela frente.

Glauco Arbix, Professor Titular, Departamento de Sociologia, Universidade de São Paulo (USP)

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

O post Três anos de guerra na Ucrânia: demolição iniciada por Trump traz mais insegurança e incerteza para o mundo apareceu primeiro em Diário Carioca.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.