Com Trump aliado a Putin, a Europa tem pressa para deter a Rússia

Afinal de contas, qual é o plano de paz de Donald Trump para a Ucrânia? A julgar pelas declarações de Donald Trump, a sua proposta — ou imposição, levando-se em conta a suspensão do envio de armas ao país, bem como a pausa nas informações provenientes da inteligência americana aos ucranianos — é a rendição pura e simples da Ucrânia frente aos invasores russos.

A rendição implica ceder os territórios ocupados à Rússia, renunciar definitivamente à hipótese, que sempre foi muito longínqua, de entrar na Otan, além de desistir da ideia de ter garantia militar da parte dos Estados Unidos para evitar nova invasão ordenada por Vladimir Putin. O negócio é acreditar mais uma vez na conversa mole do ditador russo.

Mais: para pagar pela ajuda militar já fornecida pelos americanos e assinar a rendição travestida de acordo de paz, a Ucrânia deve dar aos Estados Unidos o direito de exploração das suas jazidas de terras raras, que é o nome que se dá aos minérios imprescindíveis para a fabricação de equipamentos digitais. A cessão econômica aos Estados Unidos, diz Donald Trump, seria a melhor garantia dos ucranianos poderiam contra mais uma agressão perpetrada pela Rússia.

A máquina de triturar reputações trumpista na imprensa e nas redes sociais, aliada ao moedor de verdades do Kremlin, pinta o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky como um belicista irremediável, como se tivesse sido ele e o país que comanda os responsáveis pelo açougue no Leste da Europa. É de um cinismo trágico.

O que se tem é um Vladimir Putin que, depois de jantar a Ucrânia com o aval de Donald Trump, quer avançar sobre territórios europeus que julga serem da Rússia ou que deveriam permanecer sob a sua esfera de influência, como nos tempos da União Soviética.

Qual seria a tratativa secreta de Donald Trump com Vladimir Putin, se é que é há uma? Seria trocar a Ucrânia pela Groenlândia, que o presidente americano quer tomar da Dinamarca? Os líderes europeus estão com pressa, talvez saibam mais do que vem sendo ventilado, e lidam com os piores cenários.

Ontem, o presidente francês Emmanuel Macron alertou os franceses, em pronunciamento na TV, no horário nobre, para a urgência de aumentar as despesas com a defesa do país e para a necessidade de enviar tropas à Ucrânia a fim de garantir o fim das hostilidades, depois da assinatura de eventual cessar-fogo.

Emmanuel Macron afirmou ainda, agora com todas as letras, que o guarda-chuva nuclear da França, o único país da União Europeia com arsenal atômico (o outro era o Reino Unido, que saiu do bloco) poderia se estender a outras nações, como a Alemanha, a fim de protegê-las. Sob nova direção, após a eleição que deu a vitória aos conservadores, liderados por Friedrich Merz, os alemães abandonaram o discurso pacifista e adotaram o princípio de realidade, juntando-se aos franceses e aos britânicos governados pelo trabalhista Keir Starmer, que faz jus à tradição suprapartidária do Reino Unido de estar sempre do lado certo.

A dissuasão nuclear, que garantiu a paz entre Ocidente e o seus inimigos, do final da Segunda Guerra até o fim da União Soviética, voltou à ordem do dia na Europa, mas sem a participação dos Estados Unidos, que já não é visto como aliado confiável.

O presidente francês finalizou o seu pronunciamento televisivo dizendo aos seus compatriotas que a geração atual não conhecerá os dividendos da paz; que tais dividendos estão reservados às gerações futuras.

Apesar de Donald Trump ter afirmado que a Rússia aceitaria tropas europeias na Ucrânia para garantir o fim das hostilidades, o chanceler russo, Sergei Lavrov, expoente da quadrilha de Vladimir Putin, reagiu à fala de Emmanuel Macron, rosnando que isso configuraria uma “guerra direta” com a Rússia. Quem está enganando quem?

No momento em que escrevo, o Conselho Europeu está reunido em Bruxelas. Volodymyr Zelensky está presente. O seu prefácio, há alguns dias, foi a declaração tonitruante da presidente da Comissão Europeia, Ursula Van der Leyen. Ela disse que, para enfrentar a ameaça russa, a União Europeia está pronta a gastar 800 bilhões de euros nos próximos anos, fora dos limites orçamentários, no rearmamento dos países do bloco.

O pior cenário que está na mesa do Conselho Europeu é a retirada dos Estados Unidos da Otan. Os mais pessimistas acreditam que ela poderá ocorrer até meados do ano.

Uma aliança militar ocidental sem os Estados Unidos representaria uma vitória extraordinária para Vladimir Putin, que usou como um dos pretextos para invadir a Ucrânia a falsa alegação de que a Otan, uma aliança militar de defesa, ameaçaria a integridade territorial da Rússia.

Ninguém sabe se a retirada irá ocorrer, mas está claro que Donald Trump, mesmo mantendo os americanos na Otan, não está disposto a cumprir a ferro e fogo o artigo 5 da aliança militar — tudo dependeria da escala da agressão. O artigo prevê que um ataque a um dos seus integrantes será considerado um ataque a todos.

A relativização da aplicação do artigo 5 da parte dos americanos poderia ter efeito cascata dentro da Otan, com outros países fazendo o mesmo — o que abriria caminho para que Vladimir Putin começasse a abocanhar, aos poucos, pequenos territórios russófonos de integrantes da aliança que fazem fronteira com a Rússia, sem medo de retaliação militar.

Na Conferência de Paz de Munique, o vice-presidente dos Estados Unidos, J.D. Vance, que tem o caráter tão curto quanto as gravatas que usa acima do cinto, disse que havia um novo xerife na cidade sob Donald Trump. O problema é que o novo xerife está mancomunado com o bandido, até prova em contrário.

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