Em 2023, compensações tributárias bateram recorde, reduzindo R$ 242 bilhões da arrecadação federal

 

As compensações tributárias explodiram no primeiro ano do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e reduziram R$ 242 bilhões da arrecadação da União em 2023. O número é recorde e representa uma disparada de 142% nos últimos cinco anos, segundo dados da Receita Federal obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo Valor. Desde maio do ano de 2003, início da série histórica, o governo deixou de arrecadar R$ 1,6 trilhão com compensações, um dos alvos do Ministério da Fazenda para atingir as metas fiscais.

Mais de um terço do volume de 2023 são créditos de decisões judiciais. Foram R$ 82,7 bilhões compensados, o terceiro maior montante desde o início da contagem. Em 2018, eles representavam pouco mais de 5% do total de compensações. Desde 2019, são mais de 20% desse volume – o pico foi em 2021, quando os créditos judiciais chegaram a ser quase metade do total compensado com a Receita. Porém, nos últimos dois anos, houve leve queda entre 5% e 10%.

O alto volume das compensações tributárias de ações judiciais foi a principal causa para o governo editar a Medida Provisória 1.202/2023, que limitou o direito à compensação para créditos acima de R$ 10 milhões. Planilha da Receita indica que, só nos últimos cinco anos, os créditos acima de R$ 10 milhões frustraram a arrecadação em R$ 320,5 bilhões.

Segundo a Fazenda, só a compensação referente à “tese do século”, da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, custou mais de R$ 60 bilhões à União no ano passado. Essa foi uma das principais causas, segundo a equipe econômica, para o déficit de R$ 230 bilhões registrado em 2023. Para este ano, o ministro Fernando Haddad tem a missão de elevar as receitas para atingir a meta de resultado primário zero nas contas públicas. O limite das compensações, de acordo com a Receita, pode gerar um ganho de R$ 20 bilhões no fluxo a mais em 2024 e auxiliar o governo neste objetivo.

O limite, porém, ainda não está produzindo em efeitos. Dados divulgados mostram que, em janeiro deste ano, mesmo com os efeitos da MP, atingiram R$ 27 bilhões. A Receita avalia, no entanto, que esse impacto ocorrerá ao longo do ano.

Os dados do Fisco ainda indicam que, em 2023, o número total das compensações foi 11% superior a 2022, quando a perda de receita por arrecadação atingiu R$ 215 bilhões. Na última década, houve uma disparada anual das compensações: desde 2013, o volume mais do que quadruplicou, tendo em vista que, dez anos atrás, as compensações somaram R$ 54 bilhões.

As compensações cresceram expressivamente a partir de 2019, por conta da tese do século, e atingiram o pico em 2021, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou os embargos de declaração no caso e estabeleceu que o ICMS deveria vir destacado na nota fiscal. Teses filhotes também contribuíram para o aumento das compensações, em menor proporção.

Até esse segundo julgamento do Supremo, muitos processos ficaram parados à espera da posição dos ministros, o que explica o pico “tardio”, uma vez que o mérito da causa foi julgado em 2017, afirma o tributarista Leandro Augusto, sócio do escritório AleixoMaia. Augusto indica, contudo, que, após o pico, o volume dos créditos judiciais, objeto da restrição da MP 1.202, caiu nos últimos dois anos. “Há uma tendência de queda, principalmente quando comparada com a arrecadação”. Para ele, isso mostra como o argumento para sustentar a MP é frágil. “Houve aumento das compensações por conta das administrativas e não das judiciais, tanto em números absolutos quanto relativos”, acrescenta.

Na divisão de teses, a tabela indica que a rubrica “outros créditos” foi a recordista em 2023, somando R$ 73,5 bilhões. Muito possivelmente, indicam os advogados, é nesta categoria que se enquadram os créditos da exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins. A Fazenda disse que não é possível saber qual tributo se refere ao crédito nem como a tese judicial, porque isso não é armazenado “de forma estruturada nos sistemas de informação”.

O advogado Fábio Calcini, do escritório Brasil, Salomão e Matthes Advogados, chama a atenção de que a maioria das compensações em 2023 são de tributos pagos a mais pelos contribuintes. Após a rubrica “outros créditos”, as de maior valor são de ressarcimento de Cofins e IPI, saldo negativo de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), e outros pagamentos indevidos.

Somadas, essas categorias representaram R$ 128,5 bilhões no ano passado, o que corresponde a 53% do total compensado pelos contribuintes na Receita. “O sistema é falho em vários aspectos e acaba cobrando do contribuinte para depois autorizar a devolução como compensação. Não é abuso ou fraude do contribuinte, é direito dele receber o que pagou indevidamente”, afirma Calcini, também professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

No caso da base negativa de IRPJ, explica, decorre do pagamento antecipado dos contribuintes no início do ano com base na estimativa do lucro que a empresa deve ter. No fim do exercício fiscal, verifica-se o real lucro da companhia e se houve pagamento de tributo a mais o que o devido. Em caso positivo, isso pode ser compensado com os outros tributos federais.

Fonte: Valor Econômico

 

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