Diabetes tipo 2 na gestação aumenta risco de malformações congênitas

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, anualmente, 6% dos bebês nasçam com algum distúrbio congênito. E uma das possíveis causas desses problemas é a presença de diabetes na mãe. Um estudo brasileiro, publicado na revista científica Diabetology & Metabolic Syndrome, aponta uma prevalência de 13,8% de malformações congênitas em bebês de mulheres diagnosticadas com diabetes tipo 2 antes ou durante a gestação.

“O nosso estudo chama a atenção para uma situação alarmante: a ausência praticamente total de preparação para a gravidez nas mulheres com diagnóstico de diabetes tipo 2”, afirma a médica Maria Lúcia da Rocha Oppermann, uma das autoras do estudo e professora titular da Faculdade Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “O preparo pré-concepcional, com o controle adequado da glicemia, substituição de eventuais medicamentos em uso e a administração de ácido fólico poderia evitar possivelmente a maioria desse contingente de malformações congênitas.”

De acordo com a pesquisadora, apesar de a relação entre o diabetes e o aumento do risco de malformações congênitas já ser conhecida, a maioria das publicações que estuda a prevalência e o tipo de malformações congênitas nas gestantes não diferencia o tipo de diabetes materno.

Além disso, o aumento da obesidade em todas as faixas de idade repercutiu no aumento de diabetes tipo 2 em mulheres mais jovens, incluindo aquelas no período reprodutivo.

“Por conta disso, nos interessamos em analisar especificamente a prevalência de malformações congênitas na prole de mulheres com diabetes tipo 2”, explica Oppermann, que coordena o Ambulatório de Diabetes e Gestação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Em estudo anterior publicado pelo mesmo grupo, foram avaliadas gestantes diabéticas em dois períodos (2005-2010 e 2011-2015) e constatou-se aumento abrupto dos casos de diabetes tipo 2 a partir de 2010.

Na pesquisa recente, a equipe fez uma análise retrospectiva de maio de 2005 a maio de 2021, incluindo todas as participantes grávidas com diabetes tipo 2 dos dois principais hospitais públicos do Rio Grande do Sul: o Hospital Nossa Senhora da Conceição e o Hospital de Clínicas, ambos em Porto Alegre e considerados referência em gestações de alto risco.

Ao todo, foram analisadas informações de 567 mulheres com diagnóstico pré-concepcional de diabetes tipo 2 ou que preenchessem os critérios da OMS, que incluem a glicemia de jejum, o teste de tolerância à glicose por via oral e a hemoglobina glicada.

De acordo com os resultados, as anomalias congênitas ocorreram em 78 bebês (13,8%), sendo que 73 deles (93,6%) apresentaram anomalias maiores, aquelas consideradas graves, que podem resultar em morte ou dano permanente.

Por exemplo: nascer com um dedo a mais é uma anomalia congênita, mas a princípio não é grave, pois pode ser facilmente corrigida e a criança ter uma vida normal. Já algumas malformações cardíacas dificultam a correta distribuição do sangue e podem exigir cirurgias complexas.

As anomalias cardíacas foram as mais frequentes, seguidas das neurológicas. “Nosso estudo confirmou a hiperglicemia materna como o fator de risco mais importante para malformação congênita em mulheres com diabetes. Seria de esperar uma prevalência menor de malformações nas mulheres com diabetes tipo 2 que a descrita no diabetes tipo 1, mas tem-se mostrado equivalente”, pontua a docente da UFRGS.

A taxa de obesidade encontrada no estudo foi de 77%, e a doença é um grande fator de risco para diabetes.

Ligação entre hiperglicemia e anomalias

O diabetes é uma doença que se caracteriza pela falha na utilização de glicose pelo corpo, por deficiência de insulina ou por redução da sensibilidade dos tecidos à insulina (essa última condição é o que se chama de diabetes tipo 2). Como consequência, a circulação de glicose aumenta no sangue.

Na gravidez, esse excesso é difundido ao feto pela placenta. Vários mecanismos moleculares provavelmente são alterados pela hiperglicemia persistente, resultando no desarranjo anatômico fetal (malformação congênita), e que ainda estão em estudo.

De acordo com ginecologista e obstetra Rômulo Negrini, coordenador-médico da obstetrícia do Hospital Israelita Albert Einstein, tanto no organismo das mulheres quanto no dos bebês, as hemoglobinas (proteínas dos glóbulos vermelhos do sangue) são responsáveis pelo transporte de oxigênio para os tecidos. Elas levam o oxigênio captado nos pulmões da mãe para a placenta, de onde segue para o bebê.

Estando em excesso, a glicose se liga à hemoglobina, formando a hemoglobina glicada (HbA1c). “O problema é que esta hemoglobina apresenta alta afinidade pelo oxigênio e não o libera adequadamente aos tecidos. Quanto mais glicose tiver, mais hemoglobina glicada vai se formar e menos oxigênio vai ser liberado. Isso significa que o bebê em formação recebe menos oxigênio do que deveria, resultando em possíveis malformações”, explica Negrini.

Em exames de sangue, a hemoglobina glicada indica os níveis de glicemia no organismo nos três meses anteriores, e funciona como um marcador dos índices glicêmicos. Espera-se que seus níveis estejam normais já no início da gestação. Quanto mais alta estiver, maior o risco de malformações.

Para o médico do Einstein, os resultados encontrados no estudo brasileiro reforçam a alta prevalência de obesidade e diabetes no país. “Estima-se que cerca de 60% das gestações no Brasil não sejam planejadas, o que por si só já reduz o controle da doença. Soma-se a isso o fato de que muitos afetados pelo diabetes ignoram esse diagnóstico, que em aproximadamente 70% das vezes é feito em estágio avançado”, alerta.

Segundo o estudo, a frequência de diabetes não diagnosticada entre os brasileiros de 20 a 79 anos chega a 31,9%. “Assim, é importante primeiramente realizar acompanhamento médico para o correto rastreamento da doença. Além disso, planejar a gravidez para que todos os controles prévios sejam realizados visando uma gestação saudável”, orienta Rômulo Negrini.

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