O fim melancólico do PSDB (por Hubert Alquéres)

O PSDB vive a sina de Policarpo Quaresma, personagem de Lima Barreto: caminha para um triste fim. Partido que por seis disputas presidenciais foi um dos polos da política nacional, hoje é apenas uma sombra do que foi nos tempos em que, no governo, modernizou o Estado, avançou na área social, promoveu reformas estruturantes e estabilizou a economia com o Plano Real.  Agora, precisa de uma fusão – possivelmente com o Podemos – para cumprir a cláusula de barreira na eleição de 2026.  Só assim para continuar existindo no Parlamento.

Se concretizada, a fusão não se dará por afinidades ideológicas ou convergências em torno de um projeto para o Brasil. Acontecerá pelo mais absoluto pragmatismo. O Podemos é o único que aceita a exigência dos tucanos de que o nome PSDB continue existindo por meio da junção das siglas. Outras possibilidades, como MDB, PSD ou Republicanos, foram descartadas por não aceitarem esta condição.

Por esse caminho, o PSDB simplesmente seria absorvido por outro partido maior, hipótese que sua cúpula não aceita. Mas isto pode acontecer como uma diáspora tucana, com cada parlamentar, prefeitos ou governadores seguindo seu próprio caminho. Em São Paulo, onde já houve uma revoada de prefeitos e militantes tucanos para o PSD, a tendência é esse fenômeno se acentuar. Em Pernambuco, a governadora Raquel Lyra já migrou para o partido de Gilberto Kassab. O governador do Mato Grosso do Sul também deve seguir caminho próprio. E Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, hoje o tucano com maior visibilidade no cenário nacional, sinaliza que pode seguir o mesmo caminho de Raquel Lira e ingressar no PSD, no início de maio.

Em política, a junção de dois partidos pequenos – o tamanho das bancadas federais do PSDB e do Podemos é praticamente o mesmo – não gera um grande partido. No caso concreto, redundará, no máximo, em um partido médio, com 25 deputados federais, se todos eles acompanharem a fusão. Pode ser suficiente para escapar da cláusula de barreira, mas não para tornar a nova agremiação relevante. Faltará um requisito fundamental: expectativa de poder.

O fim melancólico do PSDB se traduz em números. Os tucanos já foram a segunda bancada na Câmara Federal, quando elegeram 98 deputados, nas eleições de 1998. E até 2018 foram um dos principais partidos no parlamento, contando com uma bancada aguerrida que lhe assegurou protagonismo político até as eleições de 2014. Durante 28 anos os tucanos governaram o Estado de São Paulo, chegando a ser, em 2010, o partido que mais elegeu governadores e o segundo que mais elegeu prefeitos, em 2016.

O ocaso dos tucanos adquiriu visibilidade em 2018, quando seu candidato a presidente, Geraldo Alckmin, teve menos de 5% dos votos. E acentuou-se em 2022, quando elegeu apenas 13 deputados federais. Em seu bunker, São Paulo, elegeu apenas dois deputados federais, o mesmo acontecendo em Minas Gerais, estado no qual governou por vários mandatos. A hecatombe veio em 2024, com seu candidato a prefeito de São Paulo obtendo apenas, 1,6% dos votos e não elegendo um só vereador na capital paulista. Quatro anos antes, foram eleitos 176 prefeitos no principal Estado do país, em 2024 elegeu apenas 21 prefeitos. Nacionalmente, também foi um desastre. Não elegeu um só prefeito nas capitais do país.

O definhamento do PSDB se deu no mesmo momento da ascensão do bolsonarismo, uma pista relevante para entender sua crise terminal.

Sua crise agônica expressou a transmutação de um partido originalmente de centro-esquerda em um partido de centro-direita, particularmente em sua bancada de parlamentares. Mas também deixou evidente a incapacidade de defender o legado de quando foi governo e de seus valores fundantes. Tampouco formulou um novo projeto nacional condizente com as profundas transformações ocorridas em escala planetária e que impactaram no Brasil de hoje.

Quando se olha para seu passado, impossível negar que o PSDB foi a socialdemocracia dos tempos da globalização, acompanhando as transformações ocorridas em suas congêneres europeia, particularmente na socialdemocracia inglesa de Tony Blair e da Espanha de Felipe Gonzales.

O PSDB foi formado por intelectuais de uma esquerda liberal nos seus valores e com a mentalidade similar à da moderna socialdemocracia europeia. Na sua origem estavam políticos progressistas como Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Franco Montoro, Tasso Jereissati, José Serra, José Richa e tantos outros. Como afirmou em seu manifesto de fundação, nasceu com a pretensão de ficar longe das benesses do poder e próximo do pulsar das ruas.

Inegavelmente, essa socialdemocracia prestou relevantes serviços, nos oitos anos em que governou o país. Promoveu a distribuição de renda ao acabar com a hiperinflação que penalizava as camadas mais pobres, democratizou o acesso à telefonia, avançou na universalização dos direitos sociais básicos, particularmente na Educação, com a “revolução gerenciada” de Paulo Renato Souza, e na Saúde, área em que José Serra fez história. Para não falar no programa Comunidade Solidária de Ruth Cardoso, com sua visão emancipacionista e no modelo de gestão implantado em São Paulo por Mário Covas, até hoje uma referência de compromisso com a coisa pública.

Esse PSDB não existe mais. Desapareceu, assim como a maioria de seus quadros históricos que deram lugar a uma nova geração de dirigentes de estatura menor. Os tucanos poderiam terminar de maneira grandiosa e não de forma tão melancólica. O desfecho trágico de Policarpo Quaresma significou a derrota do idealismo diante da realidade dura e corrupta da sociedade e da política da época. O triste fim do PSDB representa o abandono dos seus valores em nome de um pragmatismo que lhe dê uma sobrevida, ainda que seja respirando por aparelhos.

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Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação.

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