O Bolsa Família pode estar estimulando a informalidade entre os beneficiários do programa. A hipótese consta no relatório bienal da Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos (SMA) do Ministério do Planejamento e Orçamento, apresentado nessa quarta-feira (23).
O relatório considera que “elementos próprios das regras e mecanismos do programa podem estar incentivando, mesmo que involuntariamente, decisões futuras relacionadas à informalidade laboral”.
O documento não detalha como a SMA chegou a essa conclusão, mas diz que os resultados serão apresentados ao Ministério do Desenvolvimento Social para servir de subsídio técnico para “se repensar nas atuais regras” do programa.
O Bolsa Família, diz o relatório, deve funcionar como uma via de inclusão produtiva, e não como uma barreira à inserção no trabalho formal.
Em março deste ano, 53,8 milhões de pessoas eram atendidas pelo programa. Em 2024, segundo o Planejamento, ele custou R$ 168,3 bilhões ao governo. O programa garante um benefício mínimo de R$ 600 por família.
O relatório da SMA considera que de 2006 a 2023 houve melhora na focalização do programa, mas cita a chamada regra de proteção como contexto na relação entre o Bolsa Família e a informalidade.
Hoje, a regra de proteção garante o pagamento de 50% do valor regular benefício por um prazo de 24 meses caso a renda familiar ultrapasse os R$ 218 por pessoa (limite para ingresso no programa), desde que ainda fique abaixo de meio salário mínimo por indivíduo da família (equivalente a R$ 759).
A percepção de que o pagamento do Bolsa Família atrapalha o preenchimento de vagas de emprego é um argumento comum no setor produtivo. Entidades representativas de setores como construção civil, comércio e supermercadista citam o programa como uma das razões para postos de trabalho ociosos e dificuldades em contratar pessoal.
No mês passado, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic) assinou um convênio com o MDS para qualificar pessoas inscritas no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais). A entidade que representa sindicatos do setor é uma das que vê o Bolsa Família como um desestímulo ao trabalho formal.
O programa é uma importante bandeira do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que já discute, como mostrou a Folha, cenários para reduzir o prazo da regra de proteção do Bolsa Família, que mantém o pagamento parcial do benefício em caso de aumento da renda acima dos limites do programa.
A medida foi autorizada pelo Congresso Nacional durante a votação do pacote de contenção de gastos enviado pelo Executivo no fim do ano passado, mas ainda depende de regulamentação. Sua adoção é central para garantir a economia de R$ 7,7 bilhões com o programa, já incluída no Orçamento de 2025.
Segundo técnicos que participam da discussão, há cenários em que o prazo da regra de proteção pode ser reduzido para seis, 12 ou 18 meses. O martelo ainda não foi batido, mas a percepção de pessoas envolvidas é que dificilmente o governo fixará um período inferior a um ano.
O governo também simula cenários em que o limite de renda para fazer jus à regra de proteção ficaria abaixo de meio salário mínimo.
A expectativa do governo é publicar as novas regras ainda em abril. Um decreto editado por Lula no fim de março prevê que o tema seja regulado por portaria do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
A regra de proteção foi criada para encorajar as famílias a buscarem outras fontes de renda, sem que elas se sentissem penalizadas pela perda do benefício.
No decreto de março, o governo já promoveu algumas mudanças no programa. Uma delas inclui um prazo máximo de até 36 meses para que famílias que tiveram o benefício cancelado após o fim da regra de proteção tenham prioridade de retorno ao Bolsa Família, caso retomem a condição de pobreza nesse período. Antes, a lei assegurava a prioridade de reingresso, mas sem estipular prazo.
O Executivo também tornou obrigatória as entrevistas presenciais em domicílio quando o cidadão se inscrever no Cadastro Único dizendo fazer parte de uma família de uma pessoa só (unipessoal).
Fonte: Folha de S.Paulo