O recado do braço direito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para política externa, embaixador Celso Amorim, foi direto. Os Brics, sob a presidência do Brasil em 2025, acreditam que o mundo não pode regredir ao ponto em que as negociações aconteciam como décadas atrás.
“A guerra de tarifas ameaça de morte o sistema multilateral de comércio”, disse Amorim na abertura da reunião de secretário de Segurança Nacional dos Brics, realizada no último dia 30 de abril, em Brasília. “Cadeias globais de produção correm sérios riscos, gerando incertezas que afetam as tentativas de renda e a prosperidade das nossas populações. Não podemos regredir ao mundo onde as negociações ocorriam, predominantemente, de modo bilateral”.
Mesmo sem citar diretamente o presidente dos Estados Unidos, a fala do embaixador foi mais um recado dos Brics contra as recentes medidas de Donald Trump. Dias antes, durante a reunião de chanceleres no Rio de Janeiro, o bloco já havia alfinetado o republicano.
Na declaração final de 62 pontos, divulgada após o encontro de ministros que antecede a cúpula dos Brics, que é composta por onze membros plenos — entre eles, um dos maiores rivais geopolíticos dos EUA: a China — foi mencionada a nova realidade econômica imposta por Trump.
Por isso, o bloco voltou a falar sobre uma das principais prioridades da presidência brasileira dos Brics, destacando “a importância do uso ampliado de moedas locais” nas transações financeiras entre os membros do bloco.
Irã
No documento final, os onze países do bloco ainda criticaram medidas “coercitivas unilaterais”, como sanções econômicas, e “apelaram, nesse sentido, pela eliminação dessas medidas”. As mesmas enfrentadas pelo Irã, um dos membros plenos dos Brics.
Alvo de uma política de “pressão máxima” de Trump, o país que faz parte dos Brics tem sido alvo de uma nova rodada de sanções econômicas norte-americanas, desde o início do ano.
O objetivo, segundo o presidente dos EUA, é evitar que o Irã consiga uma arma nuclear e fazer com que Teerã concorde com um acordo nuclear, que vem sendo discutido nas últimas semanas.
Ofensiva e contraofensiva
Trump ameaçou aplicar tarifas de, no mínimo, 100% aos países dos Brics que buscassem uma moeda alternativa ao dólar em transações internacionais. A adoção de um sistema de pagamento para transações comerciais entre os países que compõem o grupo é um dos temas prioritários, durante a presidência do Brasil nos Brics.
“No cenário internacional, os Estados Unidos, devido ao seu grande poder econômico, sempre preferiram negociar pactos bilaterais em vez de acordos multilaterais. Isso ocorre porque, em negociações multilaterais, seu poder de barganha tende a se diluir”, explica o advogado Marcelo Godke, especialista em Direito Internacional Empresarial.
Godke lembra que, mesmo com a atuação da Organização Mundial do Comércio (OMC), os EUA nunca deixaram de realizar negociações bilaterais paralelas com diversas nações. O país, inclusive, exerce grande influência sobre a organização, especialmente em questões tarifárias, restrições não tarifárias (como normas fitossanitárias) e direitos de propriedade intelectual.
“Esse comportamento reflete a estratégia norte-americana no comércio internacional, especialmente em relação a tarifas de importação e exportação”, complementa Godke.
O posicionamento dos Brics contra o novo tarifaço proposto por Trump reflete uma crescente pretensa consolidação do bloco como contraponto às políticas econômicas dos Estados Unidos.
Desafio dos Brics na negociação com os EUA
Para o especialista Fernando Canutto, os Brics, em teoria, poderiam adotar posturas alinhadas ou concentradas em certas frentes, diante dos EUA, como:
- apoio mútuo em disputas comerciais na OMC;
- adoção de políticas tarifárias ou comerciais semelhantes; e
- fortalecimento de acordos comerciais alternativos e uso de moedas próprias em transações bilaterais.
“No entanto, lembramos que os BRICS são uma ‘união’ de países emergentes, sem qualquer afinidade cultural, e, em muitas vezes, com graves disputas entre si”, frisa Canutto.
Ele lembra que seus membros — Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã, Etiópia e Indonésia —não possuem uma relação tão harmoniosa, por exemplo:
- Egito e Etiópia têm uma disputa sobre as águas do Rio Nilo, essencial para a manutenção da vida na região e com grande potencial hidroelétrico;
- Rússia está em conflito contra a Ucrânia, que vem dragando seus recursos financeiros;
- China e Índia têm uma história de tensões e conflitos, especialmente devido a disputas territoriais na fronteira do Himalaia.
Em meio a todo esse cenário, a Índia vem despontando como a nação mais empenhada em negociar com os EUA, sendo a maior beneficiária da redução do embate entre China e EUA.