Paixão pela corrida: garis treinam por até 21 km antes do trabalho

São Paulo — Passar o dia atravessando as ruas de São Paulo, fazendo coleta de lixo e depois encontrar forças para correr. Ou o contrário. Correr de 15 a 21 km ainda na madrugada, antes de iniciar o árduo trabalho.

Essa é a rotina de garis corredores que se orgulham de seguir em movimento para cuidar do corpo e da cabeça. Eles têm paixão pela corrida e a praticam como esporte.

“Você pega força e velocidade porque está correndo com peso a toda hora.  Não é aquele peso exagerado. Aí, você ganha resistência e velocidade”, afirma Basílio Cordeiro da Rocha, 44 anos.

“Quando você vai para as corridas, ninguém te pega”, diz. No trabalho, cada gari percorre cerca de 10 km por dia.

Basílio iniciou a carreira como coletor há 20 anos. Pouco depois, entrou na equipe de 36 corredores montada na ocasião por uma das empresas de limpeza urbana de São Paulo. Há oito anos está atrás do volante, como motorista de um caminhão de lixo, mas não deixa de correr e influenciar outros colegas.

Entre os feitos de Basílio está os 42 km de uma maratona de São Paulo, que é cheia de subidas e descidas, em 2h40. Como comparação, o tempo médio de um corredor amador é pouco mais de 4 horas, enquanto o recorde mundial é do queniano Kelvin Kiptum (morto no ano passado em acidente de carro), com 2 horas e 35 segundos, em Chicago (EUA).

Basílio já correu provas ao lado de grandes nomes do atletismo nacional, como Vanderlei Cordeiro de Lima, Marilson dos Santos e Franck Caldeira. E, muitas vezes, se aproximou deles, mesmo largando fora do pelotão de elite, 300 metros atrás.

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O gari Basílio Cordeiro da Rocha

O gari Allan Antão Bezerra
Os garis Basílio Cordeiro da Rocha e Allan Antão Bezerra
Os garis Basílio Cordeiro da Rocha e Allan Antão Bezerra
Garis reunidos em São Paulo
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Os garis Basílio Cordeiro da Rocha e Allan Antão Bezerra

William Cardoso/Metrópoles

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O gari Basílio Cordeiro da Rocha

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O gari Allan Antão Bezerra

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Os garis Basílio Cordeiro da Rocha e Allan Antão Bezerra

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Os garis Basílio Cordeiro da Rocha e Allan Antão Bezerra

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Garis reunidos em São Paulo

William Cardoso/Metrópoles

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O gari Allan Antão Bezerra correndo a última edição da São Silvestre

Arquivo pessoal/AllanAntãoBezerra

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O motorista e gari Basílio, durante corrida em São Paulo

Arquivo Pessoal/Basílio Rocha

“Lógico que nem sempre você vai ganhar. Mas, se você chegar lá na frente, entre os 10 primeiros, você é vitorioso. Porque não somos profissionais, somos amadores. Mas, no meio dos bons, você é bom também.”

Da coleta de lixo já surgiram diversos corredores brasileiros de destaque nas provas de resistência, como Solonei da Silva, Fábio de Jesus e Johnatas Cruz.

Sem preguiça

A corrida faz bem para a autoestima e atenua males que vão além daqueles que afligem o corpo, como obesidade, pressão alta e diabetes. Fortalece também a alma de quem rasga as ruas da maior cidade do país.

Para Basílio, o importante é se manter em movimento, mesmo naqueles dias em que a preguiça bate à porta. “A partir do momento em que levanta, bate o pé, vai para a rua, vai treinar. Arrumar um colega”, diz. “Até eu mesmo, quando estou sem vontade, um colega liga e diz ‘vamos, Basílio’, aí a gente vai”, afirma.

O gari Allan Antão Bezerra, 33 anos, é parceiro de corrida de Basílio e passou a treinar com dedicação ao longo dos últimos dois anos. Para ele, o esporte é feito de uma série de renúncias, mas a principal delas é a preguiça. “Temos que ter perseverança.”

Velocidade na corrida

Allan tem tempos impressionantes para um amador: fazer 5 km em 15 minutos e 45 segundos, ou terminar os 15 km da última edição da São Silvestre, gripado, na 86ª colocação, entre mais de 21 mil corredores do masculino geral.

O gari-corredor diz que é o sonho que o move, com treinos que acontecem até mesmo depois de um dia de trabalho intenso nas ruas da capital. “Quando temos um sonho, não podemos desistir. Tenho o sonho de, lá na frente, ser um corredor profissional”, conta. A meta mais próxima do gari é tirar logo da frente esses 45 segundos que o separam dos 5 km em 15 minutos cravados.

Para isso, também optou por não beber e deixar de lado alimentos muito gordurosos, refrigerantes e tudo aquilo que não costuma fazer parte do cardápio de alguém que tem grandes sonhos no mundo da corrida.

Depois, almeja algo maior. “Se eu vejo que uma pessoa consegue correr 5 km em 13 minutos, eu também posso. Na dedicação, na disciplina, eu posso chegar lá.”

Allan vê motivação no que faz. “Falo para mim mesmo que não estou querendo só limpar a cidade. Estou limpando a minha saúde, me movimentando todos os dias. Não estou sentado em uma cama, em um sofa”, diz.

O gari afirma que é possível participar de uma prova dura em um domingo e, na segunda-feira, trabalhar normalmente na coleta, conciliando o esporte com a profissão. “O corpo, ele se acostuma, né? O corpo vai pela nossa mente. Se a nossa mente tá falando ‘eu vou conseguir’, o corpo vai. Não podemos deixar a nossa mente bloquear.”

O Metrópoles conversou com alguns atletas urbanos na última semana, às vésperas da Corrida do Gari, que acontece neste domingo (4/5), na região central da capital paulista.

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