Entramos na semana do conclave e devemos sair dela com novo papa. O que isso muda na vida do bilhão de católicos (ainda) existentes no mundo?
Nada, já que a Igreja Católica é mãe impotente para essa massa de batizados que não vão à missa, não confessam pecados, não comungam, divorciam-se, aprovam ou fecham os olhos para o aborto e gostam de aventurar-se pelo espiritismo, pelo budismo ou por qualquer outro orientalismo que esteja na moda.
Padre, para a maioria dos católicos, só na hora de batizar filho, de casar-se (pela primeira vez) ou de bater as botas. Talvez seja por isso também que muitos deles tenham virado padres de passeata.
Missa é um troço chato, admitamos. E missa no Brasil, especialmente, é um suplício. O sistema de som das igrejas é péssimo, ninguém ouve nada do que o padre está dizendo e, quando ouve, não entende nada — até porque o padre está dizendo coisas sem muito sentido.
Cura brasileiro é de uma ignorância santa ou de uma esperteza diabólica, como a desses padres que vivem nas redes sociais. Ambas não são excludentes, obviamente, e tudo está bem de acordo com o quadro geral da nação.
Em 2005, eu estava Roma para cobrir o conclave que elegeria Joseph Ratzinger e resolvi ir a uma das missas solenes organizadas em memória de João Paulo II, na Basílica de São Pedro. Missa solene, no caso, era em latim.
Escolhi a missa a ser celebrada por um cardeal brasileiro. Não sei latim, mas logo deu para perceber que o sujeito ali no altar estava em maus lençóis, coitado: ele gaguejava e ia e voltava nas declinações.
À minha frente, italianos entreolhavam-se, espantados, até que um deles não se conteve e disse alto: “De onde é esse cardeal que não sabe latim?!”. Quase respondi que era daqui, ô, ô, desse Brasil que canta e que é feliz.
O novo papa só pode mudar objetivamente a vida das crianças que dependem de instituições católicas e a de seminaristas. Ele precisaria ser ainda mais inclemente do que Francisco com padres abusadores.
Essa é a pauta mais relevante da Igreja, essencial para a sua própria sobrevivência desenxabida. Estranhamente, quando morre um papa, a imprensa deixa em segundo plano ou até esquece os abusos sexuais cometidos por criminosos de batina. E os colegas ficam indignados quando você toca no assunto e com todas as letras.
Infelizmente, não há garantia de que essa pauta terá atenção. Exemplo disso é o cardeal Juan Luís Cipriani Thorme, arcebispo emérito de Lima, que circula muito desenvolto no Vaticano. Aos 81 anos, como outros cardeais anciãos que ultrapassaram a idade para eleger papas, ele participa das reuniões preparatórias do conclave.
É um escândalo. Cipriani Thorme foi acusado de ter molestado um adolescente de 17 anos, em 1983, e renunciou ao arcebispado da capital peruana. Sofreu outras sanções da parte do Vaticano, relativas à sua atividade cardinalícia, mudou-se para Madri e ainda assim está em Roma. Diz que exerce o seu pleno direito e que Francisco o perdoou porque a acusação contra ele era falsa.
O Vaticano não confirmou o perdão, nem o desmentiu. A Igreja honra, assim, a sua tradição de opacidade. A vítima, no entanto, foi bem clara na entrevista que deu ao jornal espanhol El Pais:
“Estou indignado pela ausência de ações da Santa Sé, que permite tais violações das restrições impostas a Cipriani. A mensagem é que, morto o papa, a festa recomeça. Foi uma surpresa vê-lo aparecer (em Roma), porque, de acordo com as sanções assinadas pelo próprio, ele não poderia aparecer em atos públicos. É escandaloso vê-lo vestido de cardeal. Está zombando da Igreja.”
Mãe impotente para o bilhão de católicos, a Igreja poderia deixar de ser madrasta má para alguns deles.