EUA perdem mais do que todos com o tarifaço, diz economista da Fiesp

A guerra comercial deflagrada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que tem a China como maior alvo, mas impacta mais de 180 países ao redor do mundo, não terá vencedores e afetará duramente a economia global, sobretudo, a norte-americana.

A avaliação é do economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Igor Rocha, segundo quem o Brasil também já começou a sentir os efeitos do tarifaço, mas vem se saindo bem nas negociações com a Casa Branca até aqui.

Para Rocha, o anúncio de Trump de que aliviaria as tarifas impostas sobre a indústria automotiva, permitindo que montadoras utilizem créditos para compensar o custo das peças importadas, “ajuda” o setor, “mas não resolve”.

“O grande ponto, para mim, é que menos comércio é sempre pior do que mais comércio. É ruim para a economia global que países comercializem menos entre si, especialmente para os EUA, que estão impondo essas tarifas. Como eles impõem um custo adicional, no fim das contas, a maior prejudicada tende a ser a economia geradora desse processo”, afirma o economista. “No fim do dia, mesmo que os EUA retrocedam em alguma medida em relação às tarifas, a incerteza já está dada e relações comerciais históricas estão abaladas.”

Igor Rocha também aponta um “impacto duplo” sobre a indústria brasileira causado pelas tarifas de 25% sobre o aço e o alumínio. “É óbvio que passamos a ter uma eventual dificuldade de acesso ao mercado e, por outro lado, também temos um impacto sobre os bens que são produzidos a partir desse tipo de material” observa. “É ruim para a atividade econômica, sobretudo para setores que trabalham intensivamente com esse material. É o caso da construção civil, por exemplo.”

Na conversa com o Metrópoles, o economista-chefe da Fiesp diz ainda que, entre as razões que explicam as dificuldades de crescimento da indústria brasileira, estão a falta de subsídios – como os concedidos a outros setores – e a manutenção da taxa de juros em patamar elevado. Rocha também elogia a reforma tributária sobre o consumo, cuja regulamentação foi aprovada pelo Congresso, mas lamenta a quantidade de segmentos e produtos beneficiados por regras especiais.

“Há alguns setores com privilégios inexplicáveis. Eles acabam imputando um custo adicional para o conjunto da sociedade. A alíquota média esperada do IVA [Imposto sobre Valor Agregado], de 28,5%, é a maior do mundo. Ela se explica justamente por essa diferença de critérios: isenções, descontos de 30% ou de 60%, cesta básica com produtos que não deveriam estar ali… Tudo isso acontece à custa de uma maior eficiência do sistema tributário”, critica.

Leia os principais trechos da entrevista concedida por Igor Rocha ao Metrópoles:

Em fevereiro, a produção industrial brasileira recuou 0,1%, segundo o IBGE. Foi o 5º mês consecutivo em que não houve avanço do setor. O que explica esse desempenho ruim?

Embora o país venha registrando uma massa salarial mais alta e a economia aquecida, a indústria de transformação não possui as “vacinas” que fazem com que ela consiga ter crédito subsidiado, por exemplo. O setor não tem isso. Quando você tem um aperto monetário, como o que está curso pelo Banco Central, bate muito mais forte na indústria de transformação do que nos outros setores que têm os seus subsídios e mecanismos de captação de mercado. Nós não temos LCI [Letra de Crédito Imobiliário], LCA [Letra de Crédito do Agronegócio], CRI [Certificado de Recebíveis Imobiliários], CRA [Certificado de Recebíveis do Agronegócio], Plano Safra [programa instituído em 2003 pelo Ministério da Agricultura para fomentar a produção rural brasileira]… As linhas do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] para a indústria são linhas de mercado, e não crédito subsidiado. Existe uma linha para inovação, abaixo do custo de mercado, mas é uma linha horizontal – que vai pegar não só a indústria, mas também o agronegócio e o setor de serviços. Inovação, de fato, tem um tratamento diferenciado no mundo inteiro, mas é algo para a economia como um todo. Quando se fala de investimento, capital de giro, modernização do maquinário e outras situações que são do cotidiano de qualquer empresa do setor, a manufatura não possui nenhum tipo de benefício ou subsídio.

E os benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus, como isenção de impostos e tarifas alfandegárias reduzidas?

A Zona Franca de Manaus [área de livre comércio no Amazonas que tem o objetivo de estimular o desenvolvimento econômico e industrial da região] é boa para quem está em Manaus. É um microcosmo do setor industrial. Não vale para as 27 unidades da Federação, para o Brasil inteiro. Se você falar sobre Zona Franca de Manaus com as indústrias que estão nos demais estados do Brasil, a maioria vai ser contra. A Zona Franca de Manaus imputa um custo adicional para a produção fora daquela região. Ao fim e ao cabo, a indústria brasileira não tem de concorrer apenas com empresas estrangeiras, mas também com essa plataforma particular que é a Zona Franca de Manaus. Não se trata de uma agenda da indústria. É uma agenda das empresas que estão em Manaus. A mesma lógica vale para os gastos tributários. Muitos economistas dizem: “Ah, mas a indústria tem muito gasto tributário”. Em primeiro lugar, mesmo se compararmos por setores, a indústria não é a primeira colocada em gastos tributários. Em segundo lugar, novamente, é importante dizer que esses gastos tributários não são para o setor como um todo, mas para determinadas empresas. Então, você tem essa disfuncionalidade clara no país: muitos pagam a conta do subsídios de poucos. O certo seria haver mecanismos iguais para todos. Ou tira de todo mundo. O que não dá é para ficarmos pagando essa conta.

Em sua última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) subiu a taxa Selic em 1 ponto percentual, para 14,25% ao ano. Qual é o impacto de juros tão elevados sobre a indústria?

A economia explica muita coisa, mas não explica tudo. Se olharmos para a taxa de juros no ambiente restritivo em que ela está hoje, era para esperarmos uma desaceleração econômica muito maior do que estamos vendo. Diversos segmentos, e a economia de forma geral, estão performando muito bem. Os dados de emprego divulgados há poucos dias vieram fortes. A massa salarial vem se mantendo mais alta. Por mais que esteja operando nesse ambiente restritivo de política monetária, o BC vem tendo dificuldades para desaquecer a economia – que é o que se busca para controlar a inflação. É um momento muito desafiador. É importante entendermos por que a política monetária não consegue ter o efeito que seria esperado. É aí que voltamos ao ponto inicial da nossa conversa: poucos setores têm as “vacinas” que acabam resistindo à política monetária, e outros tantos não têm, o que faz com que a política monetária fique disfuncional. Para resolver isso, existem dois caminhos. Ou vamos operar estruturalmente com uma taxa de juros alta, e a economia vai continuar performando da mesma forma, ou resolveremos esses desequilíbrios e disfuncionalidades da economia brasileira por meio de reformas.

Em seminário promovido pela Fiesp, o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, disse que as mudanças tributárias não ocorrerão “sem dor” e que haverá um longo caminho até as empresas se adaptarem. Qual é a sua avaliação sobre a reforma? As exceções incluídas no projeto ameaçam sua efetividade?

Guardadas as devidas proporções, a reforma tributária padece dos mesmos problemas da política monetária que temos atualmente. Na economia brasileira, nós sempre voltamos ao mesmo ponto, como se estivéssemos andando em círculos. Há alguns setores com privilégios inexplicáveis também na reforma tributária – as chamadas exceções. Eles acabam imputando um custo adicional para o conjunto da sociedade. A alíquota média esperada do IVA [Imposto sobre Valor Agregado], de 28,5%, é a maior do mundo. Ela se explica justamente por essa diferença de critérios: isenções, descontos de 30% ou de 60%, cesta básica com produtos que não deveriam estar ali… Tudo isso acontece à custa de uma maior eficiência do sistema tributário. É evidente que o modelo que resultará da reforma tributária será mais moderno e melhor do que o atual, vai ajudar muito o país, mas poderia operar de uma forma muito melhor, se não tivéssemos tantas exceções e tratamento diferenciado para alguns setores.

E o que seria essa “dor” apontada pelo secretário Appy?

Ele se referia ao processo de transição. Quando nós reformamos uma casa, é algo sempre custoso. Toda reforma tem um custo. Haverá um custo de transição, de aprendizado, de entendimento do novo. Obviamente, durante essa transição, você estará operando com dois sistemas em paralelo, o antigo e o novo, por um determinado período. Gradativamente, com o passar dos anos, o antigo vai sendo trocado pelo novo. Não há outra forma de se fazer. A transição poderia ser mais curta? Poderia, se não tivéssemos inúmeros benefícios que foram dados a alguns setores, de modo que, se essa transição fosse antecipada, isso poderia gerar uma onda de judicialização, porque diversas empresas teriam feito seus investimentos partindo da premissa de que teriam os benefícios. A melhor forma de contornar isso foi estipular um período mais longo de transição que fosse o menos traumático possível. Mas o fato é que não existe reforma sem dor de cabeça. De qualquer modo, sabemos que, em geral, quando terminamos uma obra em nossa casa, ficamos felizes com o resultado. Eu sou otimista com o que a reforma tributária pode entregar, embora reconheça que ela poderia ter sido muito melhor.

De acordo com dados divulgados na semana passada pela FGV, a confiança do setor industrial diminuiu em 10 dos 19 segmentos pesquisados. Por que os empresários estão cautelosos?

Isso acontece por um conjunto de fatores, internos e externos. Se você olhar para o custo de capital, o ambiente está bastante restritivo tanto interna quanto externamente. Para além disso, o cenário geopolítico é muito desafiador neste momento. Estamos acompanhando o que vem acontecendo nos EUA. É evidente que uma turbulência em uma potência como a economia norte-americana extrapola os limites territoriais daquele país e atinge diversos setores e regiões. O Brasil está inserido neste contexto e possui uma relação comercial histórica com os EUA. No fim das contas, temos fatores restritivos sob o ponto de vista financeiro e muita incerteza. Quando conjugados, esses elementos acabam entregando a desaceleração que estamos vendo e a diminuição da confiança dos empresários.

Há alguns dias, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou um “alívio” nas tarifas impostas sobre a indústria automotiva, concedendo às montadoras créditos equivalentes a até 15% do valor dos veículos montados no país. Esses créditos poderão ser usados para compensar o custo das peças importadas. É um alento para o setor?

Ajuda, mas não resolve. É claro que aliviar alguma coisa é melhor do que nada. E também já era esperado por grande parte dos analistas econômicos que houvesse uma descompressão das medidas tarifárias mais duras que haviam sido anunciadas. Uma descompressão não significa que voltaremos ao estágio inicial, de antes do tarifaço, mas ajuda e já estava precificada no mercado. Não foi nenhuma grande novidade. O grande ponto, para mim, é que menos comércio é sempre pior do que mais comércio. É ruim para a economia global que países comercializem menos entre si, especialmente para os EUA, que estão impondo essas tarifas. Como eles impõem um custo adicional, no fim das contas, a maior prejudicada tende a ser a economia geradora desse processo. Acabamos de ver, inclusive, os dados do PIB norte-americano no primeiro trimestre, que recuou. O cenário de recessão nos EUA já está dado. Eu estava em um Washington na semana passada, em um congresso do FMI [Fundo Monetário Internacional], e a discussão entre os economistas não era se haveria uma recessão nos EUA, mas quando ela viria e qual sua magnitude. Isso já está razoavelmente bem mapeado. No fim do dia, mesmo que os EUA retrocedam em alguma medida em relação às tarifas, a incerteza já está dada e relações comerciais históricas estão abaladas.

Os EUA impuseram tarifas de 25% sobre o aço e o alumínio. A medida afeta diretamente o Brasil, um dos principais fornecedores do material para os norte-americanos. De que forma o “tarifaço” de Trump afetou a indústria brasileira?

Temos um impacto duplo, tanto no que a gente compra quanto naquilo que exportamos de materiais que envolvem essa cadeia. Com as tarifas, é óbvio que passamos a ter uma eventual dificuldade de acesso ao mercado e, por outro lado, também temos um impacto sobre os bens que são produzidos a partir desse tipo de material. Isso afeta a inflação, embora não na mesma magnitude que nos EUA, e é ruim para a atividade econômica, sobretudo para setores que trabalham intensivamente com esse material. É o caso da construção civil, por exemplo.

As conversas entre o governo brasileiro e os EUA vêm sendo lideradas pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Como o senhor avalia a condução dessas negociações e a gestão de Alckmin à frente do MDIC?

Não há vencedores em uma guerra comercial. Todos vão perder. Mas há aqueles que perdem menos, e nesse sentido eu acho que o Brasil tem feito um belíssimo trabalho, de forma bastante pragmática, fazendo jus ao seu histórico de defesa do multilateralismo. De forma geral, temos tido sucesso. Quando comparamos com as iniciativas de outros países mundo afora, estamos claramente na direção correta. Comparativamente a outras nações, nossas tarifas ficaram no patamar mais baixo. Estamos conseguindo abrir espaços importantes para possíveis acordos comerciais. Mas não há dúvida de que é um cenário extremamente desafiador. É um cenário no qual a conta tarifária fica alta para todo mundo. Temos de ver como as coisas vão caminhar daqui para frente. Até o momento, temos relativo êxito.

Qual é a projeção da Fiesp para o desempenho da indústria brasileira em 2025?

Para a economia brasileira, projetamos um crescimento de cerca de 2% em 2025. Para a indústria, nossa estimativa é uma alta de 1% a 1,5%. Ou seja, um crescimento bem mais baixo do que tivemos no ano passado. O cenário esperado é o de desaceleração.

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