Menos de 9% das mortes cometidas por policiais em SP têm perícia local

São Paulo Apenas 8,9% das mortes cometidas por policiais no estado de São Paulo tiveram perícia realizada no local do crime. Os dados foram divulgados na pesquisa do “Mapa da (In)justiça”, desenvolvida pelo Centro de Pesquisa Aplicada em Direito e Justiça Racial da FGV Direito SP e divulgada nessa segunda-feira (5/5).

O estudo analisou 661 processos entre 2018 e 2024 contendo documentação pericial e em menos de 9% desses casos foi realizada perícia. Em 85% das mortes não foi realizado o exame de resíduo de pólvora nas mãos das vítimas, uma “medida essencial para confirmar e contestar alegações de confronto armado”, segundo os pesquisadores envolvidos no projeto.

Os laudos periciais, documentos técnico-científicos que fazem parte do inquérito policial, são essenciais para a consolidação da narrativa jurídica sobre mortes decorrentes de intervenção policial.

Tal investigação, a pesquisa revelou, restringiu-se majoritariamente ao laudo necroscópico (laudo responsável por revelar a causa da morte), em 79,7% dos casos. Além disso, em 332 casos, as vítimas chegaram despidas para a relização dos exames cadavéricos, comprometendo a análise de vestígios balísticos.

A maior parte dos processos, 71,5%, apresentou apenas um tipo de laudo, revelando uma investigação frágil e incompleta. Dos 123 casos em que o boletim de ocorrência alega preservação da cena do crime, apenas 59 contam com perícia efetivamente realizada no local. Nos casos em que o corpo da vítima foi removido do local para socorro, o número é ainda menor: 46 observações de perícia.

Relatórios policiais e sua importância

Os relatórios policiais, documentos que concluem os inquéritos, são importantes para a narrativa da letalidade policial, influenciando diretamente na decisão do Ministério Público (MP) e nos desdobramentos judiciais.

O mapa analisou 831 relatórios, revelando a predominância de uma narrativa que legitima previamente a ação policial. Em 95% dos casos, os relatórios apontam comportamento agressivo por parte da vítima que, segundo os autores do projeto, é um elemento frequentemente utilizado para fundamentar o argumento de legítima defesa. “Essa prática desloca a responsabilidade da violência para a vítima, minando o princípio da proteção da vida e invertendo a lógica do uso proporcional da força”

O projeto também faz um recorte racial em suas análises: em relação aos relatórios policiais, as vítimas negras são proporcionalmente mais associadas a condutas agressivas (59,4%) do que vítimas brancas (23%).

Ministério Público e responsabilização policial

O Mapa da (In)justiça revelou que entre o período analisado, nenhum policial foi denunciado ao Ministério Público nos 859 casos de morte por intervenção policial. “Nenhuma denúncia foi oferecida, nem mesmo medidas cautelares ou diligências relevantes foram determinadas. Essa tendência reafirma o padrão de homologação das narrativas policiais, mesmo quando estas carecem de provas robustas ou apresentam contradição”.

Em 89,9% dos casos, o arquivamento foi fundamentado na legítima defesa e 8,7% no estrito cumprimento do dever legal. Apenas 12% dos casos não apresentaram qualquer excludente de ilicitude e, mesmo assim, foram arquivados sob justificativas como ausência de justa causa ou falta de indícios suficientes de autoria.

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