São Paulo — A artilharia da direita bolsonarista para minar o governo Lula (PT) diante do escândalo dos descontos indevidos contra aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) inclui estratégias que vão da lembrança de uma Medida Provisória (MP) de Jair Bolsonaro (PL) até a tentativa de emplacar Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) em diferentes Legislativos do país.
O escândalo do INSS foi revelado pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023 que mostrou como a arrecadação com descontos de mensalidade havia disparado, chegando a R$ 2 bilhões em um ano, enquanto as associações que praticavam respondiam a milhares de processos por fraude nas filiações de segurados.
As reportagens do Metrópoles levaram à abertura de inquérito pela Polícia Federal (PF) e abasteceram as apurações da Controladoria-Geral da União (CGU). Ao todo, 38 matérias do portal foram listadas na representação que deu origem à Operação Sem Desconto, deflagrada no dia 23/4 e que culminou nas demissões do presidente do INSS, Alessandro Sfefanutto, e do ministro da Previdência, Carlos Lupi.
O ataque a Lula com maior alcance até agora é um vídeo do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), em que ele usa inteligência artificial para envelhecer e tenta repetir o impacto da peça que fez sobre o monitoramento do Pix pelo governo, alavancando a crise de popularidade do petista. O post do deputado acumulava mais de 100 milhões de visualizações no Instagram, além de comentários de diversas celebridades.
O vídeo de Nikolas aponta a farra dos descontos descoberta pelo Metrópoles como “o maior caso de corrupção da história” do país. O material também fala da Medida Provisória (MP) editada por Bolsonaro, que visava combater fraudes no INSS, como argumento para blindar o bolsonarismo do escândalo, versão que é amplamente repetida nas redes por perfis ligados a esse grupo político.
O gráfico mostrado por Nikolas no vídeo, que mostra o crescimento dos descontos em 2022 e a explosão nos anos seguintes, é mais um dos argumentos reproduzidos pelos bolsonaristas nas redes.
Conforme o Metrópoles revelou, as entidades da farra dos descontos atuaram nos dois governos, ambos marcados pelo aumento do número de associações agraciadas com acordos de cooperação com o INSS que permitiam a cobrança de mensalidade direto da folha de pagamento dos aposentados.
No governo de Bolsonaro, o INSS foi loteado pelo Centrão e foram abertas as portas para mais de uma dezena de entidades suspeitas. Enquanto que na gestão Lula, mais associações firmaram acordo e o faturamento com descontos de mensalidade disparou. Segundo a PF, as entidades suspeitas arrecadaram R$ 6,3 bilhões entre 2019 e março de 2024.
MP de Bolsonaro
- Em janeiro de 2019, Bolsonaro emitiu uma Medida Provisória (MP) sobre diversos benefícios pagos pela previdência como auxílio reclusão e auxílio doença, mas também previa resoluções para coibir fraudes no INSS.
- Signatário da MP, o então ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (PL), destacou duas medidas: o fim da obrigatoriedade de atestado de trabalhador do campo, emitido por sindicato ou entidade de trabalhadores, para aposentadoria rural, e a revalidação anual de descontos associativos, modalidade usada na farra do INSS.
- Quando a MP tramitou no Congresso, em junho daquele ano, o prazo para a revalidação foi prorrogado até dezembro de 2021, por meio da lei 13.846/19, que foi sancionada pelo ex-presidente Bolsonaro.
- O texto recebeu uma emenda com uma novo adiamento do prazo, que teve como coautores o atual ministro da Previdência Social e à época deputado federal Wolney Queiroz (PDT) e os parlamentares Vilson da Fetaemg (PSB/MG), Danilo Cabral (PSB/PE), Enio Verri (PT/PR) e Jorge Solla (PT/BA).
- Depois, em agosto de 2022, um “jabuti” foi acrescentado à lei 14.438/2022 sobre Microcrédito Digital para Empreendedores, revogando o prazo para a revalidação das autorizações de descontos. Com isso, as entidades não tiveram que fazer a revalidação dos descontos.
Cobrança por CPIs
Nikolas aproveita o vídeo para também pedir apoio para a abertura da CPI das Fraudes no INSS por meio de pressão popular nas redes sobre os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
A estratégia usada por Nikolas no apelo desta vez é semelhante a utilizada por ele em vídeo publicado em janeiro deste ano, quando se manifestou sobre a fiscalização do Pix e alcançou mais de 200 milhões de visualizações.
A estética adotada pelo parlamentar é parecida, na qual ele aparece com roupa preta em um fundo escuro, com trilha sonora de suspense e discurso direto voltado ao público geral, sempre usando linguagem simples.
A aposta bolsonarista na criação de CPIs se repete também nas esferas estadual e municipal. Em São Paulo, parlamentares ligados ao Movimento Brasil Livre (MBL) passaram a pedir a criação de CPIs para investigar a atuação de entidades e sindicatos envolvidos no escândalo.
Em requerimento protocolado nessa quarta-feira (7/5) na Câmara Municipal da capital, a vereadora Amanda Vettorazzo (União) listou as entidades citadas nas investigações e que são baseadas em São Paulo, dando destaque para o Sindnapi e ao fato de que o sindicato é presidido por Frei Chico, irmão do presidente Lula.
“Dessa forma, considerando que as entidades possuem sede ou atuam no município de São Paulo, a Câmara Municipal detém competência para conduzir a investigação, sem prejuízo da atuação de outros órgãos competentes”, escreveu a vereadora.
Já o deputado estadual Guto Zacarias (União) passou a colher assinaturas para protocolar pedido de CPI semelhante na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). “Diante da gravidade dos fatos noticiados e da possibilidade de continuidade dos prejuízos aos cidadãos paulistas, é dever desta Assembleia Legislativa agir com celeridade e firmeza”, diz o requerimento do deputado.
Petistas correm atrás do prejuízo
Os governistas, por sua vez, tentam estancar a sangria propagando a narrativa de que foi o governo Lula quem acabou com o esquema, por meio da operação da Polícia Federal. As ações do governo, porém, só vieram após reportagens do Metrópoles.
“Foi apenas no governo Lula que a Polícia Federal e a CGU enfrentaram as quadrilhas e as entregaram à Justiça. O governo está trabalhando para que o mais rápido possível essas entidades respondam pelo que fizeram e façam o ressarcimento devido aos aposentados. As quadrilhas e as associações fraudulentas terão de devolver tudo que roubaram”, disse a ministra Gleisi Hoffmann (PT), da Secretaria de Relações Institucionais.
Redes da esquerda também tentam colar a imagem do lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, o “Careca do INSS”, a do ex-presidente Jair Bolsonaro, com base em uma doação de R$ 1 feita por ele nas eleições 2022.
Essa doação é citada em um vídeo da deputada Dandara Tonantzin, do PT, que diz também que o caso só veio à tona pelo compromisso de Lula com a transparência. Esse vídeo, porém, teve apenas 21 mil visualizações até a noite de quarta-feira.