Uma câmera instalada no teto de um refeitório escolar registrou a cena: estudantes olham fixamente para seus livros – e não seus celulares – enquanto aguardam a vez. A cena, que circulou nos últimos dias nas redes sociais, se passa na China – país onde se encontra neste momento o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A imagem se repete nas mais competitivas escolas do país, que renovam, a cada ano, seus bons resultados em testes internacionais, como o Pisa. Enquanto o Brasil, por outro lado, patina nos resultados e amarga o 60º lugar, entre 80 países.
O rigor extremo das escolas de elite chinesas tem sido questionado, muitas vezes, pelo estresse que causa aos estudantes, como ocorre com outros países da Ásia, especialmente os de cultura confucionista. Mas tem ajudado muito o país na formação de mão de obra altamente qualificada.
Um número ilustra a diferença entre os dois países. O Brasil forma aproximadamente 50 mil engenheiros por ano. A China forma pelo menos 600 mil. Segundo outros cálculos, esse total pode passar de um milhão.
Ainda existe em muitos países a impressão de que a China atrai investimentos por causa da mão de obra barata. Assim foi no começo. O país que Lula visita hoje é outro. A Apple que o diga: a empresa busca ali especialistas de alto nível e uma robusta estrutura industrial.
Para fugir da guerra comercial decretada pelo presidente americano Donald Trump – aparentemente suspensa no início desta semana – a Apple está ampliando a fabricação de iphones em outros países, entre os quais o Brasil. Mas ainda estamos longe de oferecer as mesmas condições a investidores como a empresa da maçã.
A visita de Lula à China coincide com a celebração de 40 anos da inauguração, no Rio de Janeiro, do primeiro Centro Integrado de Educação Pública (Ciep). Aquele seria o embrião de uma revolução no ensino básico idealizada pelo educador Darcy Ribeiro e pelo então governador Leonel Brizola.
Eram escolas de tempo integral. As crianças e os jovens entravam às sete da manhã, tinham três refeições, estudavam, praticavam esportes e faziam deveres de casa. Deixavam a escola às cinco da tarde de banho tomado.
Como costuma acontecer no Brasil, porém, as experiências de um governo são frequentemente abandonadas por governos seguintes. No ensino médio oferecido hoje pelo governador bolsonarista Cláudio Castro, apenas 14,9% das matrículas são de ensino integral – contra 24,2% da média nacional e 69,6% de um estado como Pernambuco.
Quando a experiência dos Cieps começou, a China ainda engatinhava nas primeiras reformas iniciadas pelo líder Deng Xiao Ping. De lá para cá, o grande país asiático não apenas se tornou a segunda potência econômica do mundo como já lidera em diversos setores a corrida tecnológica.
Nessa corrida, nada é muito fácil. Os Estados Unidos têm feito o possível, por exemplo, para atrasar o desenvolvimento de chips de alta capacidade na China. E a tentativa chinesa de se estabelecer como concorrente no mercado de aviação civil esbarra na necessidade de equipamentos aviônicos ocidentais de alta tecnologia.
Mesmo assim, a nova potência global tem demonstrado sua capacidade de desenvolvimento tecnológico. E aqui talvez resida um grande potencial para o futuro das relações bilaterais.
Brasil e China já colaboram, há bastante tempo, na construção de satélites de sensoriamento remoto da Terra. A cooperação pode se estender a outras áreas intensivas de tecnologia – desde o intercâmbio de estudantes universitários, se possível.
O caminho poderá ser longo. Mas o presidente Lula demonstrou vontade de dar um upgrade nas relações em discurso de encerramento do Fórum Empresarial Brasil-China, em Pequim. Ele recordou ter feito um acordo com o presidente Xi Jinping, em novembro, para estabelecer “sinergias” entre os planos de desenvolvimento dos dois países.
Os grandes projetos de cooperação bilateral ainda envolvem projetos de infraestrutura como os de ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico, para tornar mais rápido e barato o comércio bilateral – ainda marcado por exportações brasileira de soja e minérios.
Porém, como observou o presidente brasileiro, já existem novos espaços de integração. Ele citou o estabelecimento do Centro Virtual de Pesquisa e Desenvolvimento em Inteligência Artificial, fruto de cooperação entre o Dataprev e a Huawei, e a parceria entre a Telebrás e a Spacesail, para ampliar a oferta de internet por satélite no interior brasileiro.
O presidente mencionou ainda a futura instalação de um Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Energia Solar, fruto de cooperação entre o Senai Cimatec e a empresa Windey. E observou que o país já tem aprovado um marco legal para investimentos em combustível sustentável de aviação e hidrogênio verde.
No seu discurso aos empresários, Lula admitiu que as exportações brasileiras para a China ainda são principalmente e produtos agrícolas e minérios, ou seja, commodities. Mas atribuiu parte da responsabilidade à falta de investimentos em educação nos últimos anos.
“É importante lembrar que a gente não vai conseguir ser competitivo no mundo tecnológico, no mundo digital, se a gente não investir em educação”, disse Lula. “Porque o ideal para o Brasil não é ficar exportando soja, mas é exportar inteligência, conhecimento”.
Ninguém vai “dar isso de graça aos brasileiros”, como expôs o presidente. “Para isso não tem milagre, nós temos que investir em educação, como os chineses fizeram”. E continuam a fazer, como mostram os jovens leitores do refeitório escolar.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.