Enquanto milhares de aposentados tinham seus benefícios reduzidos por descontos indevidos, o alerta sobre a fraude já havia sido dado — e ignorado. Documentos obtidos pela coluna mostram que as práticas ilegais da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais do Brasil (Conafer) já haviam sido identificadas pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) que alertou sobre os golpes ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ainda em 2021. Três anos depois, a mesma estrutura empresarial reapareceria como alvo da Polícia Federal na Operação Sem Desconto.
O grupo operava com a produção de fichas de filiação fraudulentas, usando arquivos manipulados em PDF e assinaturas falsas. As fichas, forjadas por empresas contratadas e subcontratadas, eram enviadas ao INSS para justificar descontos mensais nos benefícios previdenciários. A triangulação envolvia a Conafer, a empresa Target Pesquisa de Mercado e a subcontratada Premiar Recursos Humanos.
Um Procedimento Investigatório Criminal (PIC), instaurado pelo MPDFT, apontou que a Premiar atuava diretamente na falsificação de documentos. Um ex-funcionário relatou à polícia como os documentos eram criados digitalmente para simular a autorização de milhares de aposentados. Um procurador da empresa confirmou a relação entre a Conafer, a Target e a Premiar. A denúncia, encaminhada ao INSS, não resultou em interrupção dos repasses à entidade.
Em 2024, com base em práticas já descritas anos antes, a Polícia Federal abriu nova frente de apuração. A Operação Sem Desconto mostrou o crescimento de entidades que passaram a descontar valores diretamente dos benefícios de aposentados sem consentimento. Entre elas, novamente, estava a Conafer. Provas obtidas pelo MPDFT reforçam que os elementos fundamentais do golpe já estavam descritos na apuração local, mas foram negligenciados até que a fraude ganhasse escala nacional.
Paralelamente à atuação empresarial, os investigadores passaram a seguir o rastro do dinheiro. A análise financeira revelou uma série de movimentações incompatíveis com os rendimentos declarados pelos dirigentes da Conafer.
Enquanto os descontos eram aplicados sem autorização, o presidente da entidade, Carlos Roberto Ferreira Lopes, e sua esposa, Bruna Braz de Souza Santos Lopes, abriram a empresa Agropecuária e Mineração Lagoa Alta LTDA, em junho de 2020, com capital social declarado de R$ 100 mil.
O irmão de Carlos, Tiago Abraão Ferreira Lopes, secretário-geral e financeiro da Conafer, também apresentou rápida evolução patrimonial. Durante o período de maior arrecadação irregular, ele adquiriu participação em empresas como a TL Agropecuária LTDA e o Auto Postos TL LTDA. A investigação aponta que Tiago não possuía renda compatível com as aquisições e já havia sido condenado por improbidade administrativa em fraudes anteriores, envolvendo sindicatos rurais.