Um soldado do 5º Batalhão da Polícia Militar Metropolitano (5º BPM/M) de São Paulo está denunciando a corporação, após ser transferido para trabalhar em obras, carregando sacos de cimento, mesmo sofrendo dores devido a uma lesão nos ombros.
Segundo Lucas Cardoso dos Santos Neto, seus superiores também não respeitaram integralmente as indicações de repouso, feitas por médicos em diferentes laudos e atestados, determinando que ele voltasse antes do estipulado pelos especialistas.
Lucas é soldado da Polícia Militar (PM) há 10 anos e, há pouco mais de um ano, recebeu o diagnóstico para frouxidão ligamentar (condição genética que já apresentava sinais antes dele entrar para a corporação). No entanto, o quadro piorou nos últimos meses, gerando afastamento sucessivos.
Antes de ser afastado de qualquer atividade na PM, Lucas foi transferido para o setor administrativo, em janeiro do ano passado, quando as dores pioraram. Mas, ao invés de atuar com as burocracias da corporação, ele foi encaminhado para trabalhar em obras.
“Tem a possibilidade de eu trabalhar administrativamente, mas sempre eles me põem em obra. Todas as vezes que eu fiquei com a extinção de rua, de trabalhar na rua, pra trabalhar administrativamente, ser interno, eu sempre trabalhei em obra. Ou seja, eu tive que pegar blocos, cimentos, coisas bem pesadas que a minha condição não permite”, disse ao Metrópoles.
Afastado desde janeiro, Lucas está recebendo parte dos proventos. Ele afirmou que não pretende voltar à PM. A advogada militarista Fernanda Borges, que representa o soldado, acionou a Corregedoria da Polícia Militar para apurar o caso.
Hospital da Polícia Militar não teria ortopedista
Além de ser direcionado para desempenhar atividades que agradam a lesão, e ter atestados contestados por superiores, Lucas denuncia que não conseguiu tratamento no Hospital da Polícia Militar (HPM).
Ele chegou a ser socorrido por viatura do HPM duas vezes, em episódios que sofreu luxação dos ombros, mas chegou a esperar por cinco horas por atendimento, porque não haveria médicos ortopedistas na instituição para tratar seu caso.
Por isso, Lucas procurou o Hospital do Tatuapé, na zona leste de São Paulo, que atende pelo Sistema Universal de Saúde (SUS) e é referência em traumas e lesões ortopédicas.
“Para eu ter acesso a um ortopedista [no HPM], um especialista em ombro, tem que abrir agenda e isso demora meses e meses. Tanto que eu fui operado [em janeiro deste ano, pelo SUS] e a agenda não foi aberta pra mim”, disse.
Mesmo sem ser atendido pelo HPM, os atestados do SUS precisam ser validados pela unidade militar. Quando apresentava os documentos, porém, Lucas recebia um prazo menor de repouso do que aquele indicado pelo médico do Hospital do Tatuapé.
“Na primeira luxação, eu tive três meses de afastamento. O HPM me deu só um. Então, dentro desse período de um mês, eu tinha novos episódios. Ou seja, quando estava vencendo o afastamento, eu tive que ficar afastado novamente, dentro do período, porque o braço saía novamente do lugar. Então, eles eram meio que obrigados a prorrogar o afastamento, não por causa da minha necessidade, mas porque houve novos episódios”, explicou.
Frouxidão ligamentar
- A frouxidão ligamentar pode ocorrer por traumas ou por questões genéticas, explica Caio Zamboni, diretor da Sociedade Brasileira do Trauma Ortopédico e médico membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia do Ombro e Cotovelo (SBCOC).
- A frouxidão dos ligamentos permite alongamento maior dos membros, como dedos, ombros, joelhos e tornozelos. Isso também faz com que os membros saiam mais facilmente do lugar, deslocando.
- Segundo o médico, desempenhar atividades que exigem força, como carregar peso, com uma condição do tipo, pode aumentar o risco de lesão.
- “A partir do momento que você tem uma frouxidão nesses ligamentos, você tem uma excursão diferente, um movimento um pouco mais frouxo da articulação, e isso pode favorecer lesão com o ombro, por exemplo, o ombro sair do lugar”, explicou.
- Caio também destacou a importância de respeitar o tempo de recuperação indicado.
- “Após todo o procedimento cirúrgico, o período de recuperação precisa ser respeitado, tanto para que haja cicatrização de todos os tecidos que foram operados, quanto para que seja reabilitado com fortalecimento muscular e a pessoa consiga ter uma estabilidade para que volte com plenitude às suas atividades normais”, disse o médico.
- Lucas operou o ombro esquerdo em janeiro deste ano, mas continua sofrendo dores e precisa de fisioterapia. Segundo ele, o ombro direito também vai precisar de operação.
- O soldado aponta que até mesmo atividades simples, como vestir a camisa, têm se tornado um desafio.
O que diz a PM
Em nota, a Polícia Militar de São Paulo informou que o HPM “atende a todos os pacientes de acordo com a prioridade médica de cada um, sem distinção por patente. A unidade adota protocolos técnicos para o encaminhamento e tratamento dos policiais”.
A corporação afirmou ainda que “preza pelo cumprimento das normas legais e pelo respeito à integridade física e mental de todos os seus membros. Casos de afastamento por motivos de saúde são avaliados individualmente por profissionais da área médica, com base em laudos técnicos e nas recomendações clínicas específicas para cada situação”.
A PM finalizou confirmando que Lucas segue distante do trabalho, desde janeiro, para tratamento de saúde.