Pegaria mal, muito mal para o general Freire Gomes, comandante do Exército nos últimos meses de 2022, dar por não dito o que disse em depoimento à Polícia Federal sobre a tentativa de Bolsonaro de dar um golpe para impedir a posse de Lula.
Afinal de contas, onde já se viu um general, que se gaba com orgulho de não ter mentido nunca desde que vestiu a farda pela primeira vez há 50 anos, ser pego mentindo publicamente, e logo diante de ministros da mais alta Corte de justiça do país?
É fato que Freire Gomes, hoje na reserva muito bem remunerada, quis afrouxar ou dar para trás no que dissera para favorecer Bolsonaro e alguns dos seus colegas. Porém, levou uma dura bronca de Alexandre de Moraes e acabou mantendo o que disse. Ufa!
Ufa para quem temeu a completa desmoralização do general. Que pena para Bolsonaro e seus cúmplices que por instantes alimentaram a esperança de serem salvos. Falsa esperança. No inquérito há fartas provas sobre o que aconteceu, e por quê.
O general confirmou que foi convocado por Bolsonaro para uma reunião no Palácio da Alvorada em 7 de dezembro de 2022. Foi nesse encontro que Bolsonaro apresentou aos chefes militares, pela primeira vez, a minuta do decreto golpista.
Segundo Freire Gomes, constava do texto uma série de considerações como fundamentos para o golpe e a sugestão do uso das Forças Armadas em medidas como Garantia da Lei e da Ordem, estado de defesa ou de sítio após o resultado eleitoral.
Com a palavra o general:
“Ele apresentou esses considerandos, todos eles embasados em aspectos jurídicos, dentro da Constituição. Não nos causou espécie. Como ainda ia ser estudado e aprofundado, nós aguardamos uma outra manifestação do senhor presidente”.
Freire Gomes contou que se reuniu com Bolsonaro outras vezes. Em uma delas o assunto foi retomado. Freire Gomes disse que foi nessa oportunidade que ele se manifestou contrário a uma possível ruptura democrática. Indagado por Moraes a respeito, falou:
“Pelo que me lembro, ele [Bolsonaro] apenas comentou o estudo. O brigadeiro Baptista Júnior [ex-chefe da Aeronáutica] disse que não faria qualquer coisa e eu informei ao presidente, de forma bastante cordial, que as medidas que ele quisesse tomar deveriam considerar vários aspectos: o apoio internacional e nacional, o Congresso, a parte jurídica.”
O general negou que tenha dado voz de prisão a Bolsonaro. Sua versão colide com a do brigadeiro Baptista Júnior, que afirmou à Polícia Federal que o chefe do Exército teria dito que seria obrigado a prender Bolsonaro caso ele avançasse com o golpe.
Para Freire Gomes, não foi assim. Ele diz que somente indicou a Bolsonaro que ele poderia ser “enquadrado juridicamente” caso adotasse uma medida ilegal. E que o Exército “não iria atuar em algo que iria extrapolar nossa competência constitucional”.
O general ainda afirmou que não poderia interpretar o que o ex-chefe da Marinha, o almirante Almir Garnier —réu no processo do golpe de Estado— queria dizer ao anunciar a Bolsonaro que apoiaria a medida que ele viesse a tomar:
“O almirante Garnier tomou a postura dele, acho que também foi surpreendido [com a minuta], e se manifestou. Não interpretei como qualquer tipo de conluio”.
Garnier deve essa ao general. Alexandre de Moraes deve ao general a oportunidade de poder ir para cima dele com força:
“A testemunha não pode omitir o que sabe. Vou dar uma chance para a testemunha falar a verdade. Se mentiu para a Polícia Federal, tem que dizer que mentiu”.
Jura o general que não mentiu. General não mente. Só vacila. (Pano rápido.)
Todas as colunas do Blog do Noblat