Petra Gold: vítimas venderam carros e passaram fome após fraude

Acusada de cometer irregularidades ao menos desde 2019, a Petra Gold teria feito, com seu esquema fraudulento, inúmeras vítimas em todo o país — a empresa oferecia investimentos por meio de debêntures irregulares. Investidores que acreditaram na veracidade da empresa depositaram milhares de reais e se veem, agora, seis anos após a primeira denúncia, reféns da morosidade da Justiça, sem punição aos envolvidos e sem acesso aos valores perdidos.

Embora tenham sido alertados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre as irregularidades nas vendas de debêntures e a falta de autorização para atuar no ramo, os sócios da empresa ignoraram as advertências e continuaram captando clientes e acumulando uma fortuna milionária.

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Após Eduardo Monteiro Wanderley (foto em destaque), identificado como CEO da empresa, ter sido alvo de mais uma operação da Polícia Federal, na última quarta-feira (21/5), vítimas do esquema de pirâmide financeira procuraram a coluna para desabafar sobre o pesadelo que vivem desde que foram lesadas. Por escolha das vítimas, suas identidades serão preservadas, e o texto as identificará por meio de nomes fictícios.

Atraída para o pesadelo

Carla teve o seu primeiro contato com a Petro Gold em janeiro de 2020, quando foi apresentada à empresa por uma assessora de investimentos na qual confiava.

No primeiro depósito, a mulher apostou R$ 60 mil. A priori, a empresa era, segundo ela, idônea, e honrava com os resgates prometidos.

“No decorrer de 2021 fiz outros aportes, sem desconfiar que a empresa já tinha um apontamento na CVM por comercializar debêntures de forma ilegal. Até então, não havia motivos para suspeitar. Depois, vendi um veículo e apliquei. A essa altura, a assessora que confiei não trabalhava mais na Petra Gold, e desconhecia a fraude, tendo aplicado recursos também.”

O cenário que até então parecia positivo tornou-se um pesadelo em fevereiro de 2022. Com algumas alterações nas debêntures e aplicação de novos recursos, o saldo de Carla na Petra Gold alcançou a marca de R$ 135 mil.

“Em 2022, realizei aportes expressivos. Informo com propriedade que meu novo assessor já sabia de tudo e ainda sim permaneceu captando recursos e prospectando novos investidores. Em julho de 2022, soube da crise que a empresa enfrentava e a demora para pagar as solicitações de resgates. Em alguns casos, eles fizeram proposta de pagamento parcelado”, lembrou.

Assustada com a situação, Carla acessou o site do Reclame Aqui e se deparou com diversas alegações de atrasos nos pagamentos. “Entrei em contato com o assessor e solicitei o resgate do meu recurso. Como já estava ciente do que ocorria, ameacei chamar a imprensa caso não fizessem o meu resgate.”

Para tranquilizar a cliente, o assessor bancário relatou que a empresa se recuperaria em breve, pois estava sendo vendida para um banco Inglês. “Daí começou o meu desespero em deixar os R$ 115 mil que estavam em período de carência. Essa venda nunca se concretizou e nunca foi comunicada oficialmente; No decorrer dos meses, a situação piorou e a empresa já não paga mais resgate algum, nem dez centavos!”

Na busca por respostas, Carla foi ao escritório que ficava próximo à estação de metrô Cinelândia, no Rio de Janeiro, mas se deparou com as portas fechadas. “Lá não tem mais ninguém. O assessor diz que já não faz parte da empresa porque os já não recebiam; como a situação foi piorando, ele não atende mais o telefone e demora para responder as mensagens.”

“Tentei por várias vezes entrar em contato com a Petra Gold por meio de e-mails. Não há credibilidade nas informações postadas. Muitos e-mails nunca foram respondidos. Os que foram, possui conteúdo evasivo e sem solução; o site está há mais de uma semana fora do ar. Seguimos sem os recursos e escutando desculpas sem fundamentos.”

Herança perdida

Fabiana aplicou, em 2018, toda a herança que havia recebido de sua família. Ela foi convidada para o esquema por um dos sócios, identificado como Diego Ribeiro de Jesus. O valor, cerca de R$ 300 mil, foi transferido para a conta da Petra Gold com a promessa de que teria acesso a rendimentos mensais.

“Inicialmente, estava tudo certo. Eu sacava entre R$ 5 mil e R$ 10 mil de rendimentos mensalmente. Esse dinheiro era a herança dos meus pais para mim…”, lamentou.

Fabiana só tomou conhecimento da fraude em 2023. “Fiquei sabendo que a Petra Gold estava falindo por meio da televisão, assim como todas as vítimas. Tentei diversas vezes ligar para o Diego, mas sempre caía na caixa postal. Depois de um tempo, já nem era aquele número”, relembrou.

Sem respostas, ela se sentiu perdida, registrou um boletim de ocorrência e acionou um advogado. “Estou, até hoje, atrás do Diego, tentando reaver meus valores, com juros e correção, assim como todas as vítimas.”

Como deixou de ter acesso aos rendimentos mensais, Fabiana ficou de mãos atadas. Para não passar fome, teve de vender um veículo e passou a ser ajudada por familiares. “Vendi meu carro para ter algo para comer; passei a viver com a minha mãe; entrei em depressão e depois tive síndrome do pânico. Fui ajudada financeiramente por parentes e agora tenho essa dívida a pagar.”

Toda a documentação recebida desde a primeira aplicação é guardada por Fabiana. Ela afirmou que, ainda hoje, recebe, por e-mail, extratos apontando seu saldo atual. “Não sei se é verdade, mas guardo cada um. A Petra Gold me deixou sem chão, assim como todas as vítimas, acredito eu.”

A vítima afirma estar revoltada com a morosidade do processo. “Eu espero que Deus olhe por nós. Infelizmente, temos uma Justiça que, às vezes, é morosa, cega e surda para algumas coisas. Isso está se alongando muito”, finalizou.

Família traumatizada

Em 2020, a família de Paola aportou cerca de R$ 700 mil na Petra Gold. Confiando na gerente bancária, jamais imaginavam que o investimento geraria não apenas dores de cabeça, mas também ameaças.

“Na época, nos pareceu um investimento sólido, pois foi indicação da nossa gerente e a empresa havia recém-adquirido um teatro no Rio de Janeiro, além de patrocinar corridas de Stock Car. Por alguns meses, conseguimos fazer algumas retiradas, mas logo cessaram.”

Quando a família percebeu que já não conseguia mais sacar o dinheiro, decidiu criar uma página nas redes sociais para reunir todos os lesados. Foi então que Diego, que se apresentava como vice-presidente da empresa, começou a assediá-los, pedindo que retirassem todas as postagens do ar.

“Nessa época, minha cunhada foi internada na Unidade de Terapia Intensiva em São Paulo, para prevenir um parto prematuro. Diego foi até o hospital solicitar, pessoalmente, o fim do movimento nas redes, com promessas vazias sobre pagamentos parcelados dos saques solicitados. Como ameaça final, reiterou que, caso optássemos por resolver a questão judicialmente, nossas solicitações de resgate seriam bloqueadas”, indignou-se.

Após a situação, a cunhada de Paola acabou entrando em trabalho de parto prematuro, e a criança teve de ser internada na UTI. “Naquele momento, precisamos de ajuda financeira para custear o hospital e os médicos, mas, mesmo alegando condições de saúde, nossas solicitações sobre o nosso próprio dinheiro foram negadas.”

A família segue há quase cinco anos tentando reaver o valor, refém de uma decisão judicial que, até o momento, só encontrou contas vazias e salas de escritórios abandonadas.

Operação

Na  quarta-feira (21/5), a Polícia Federal (PF) deflagrou a segunda fase da Operação Lóris, com o objetivo de apurar a venda irregular de obras de arte apreendidas na primeira fase da investigação. As obras estavam sob responsabilidade do líder do esquema criminoso, na condição de depositário fiel.

Os investigadores cumpriram um mandado de busca e apreensão na residência do investigado, localizada em Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro, para identificar outras obras que possam ter sido ocultadas ou comercializadas de forma ilegal.

O grupo, chefiado por Eduardo Monteiro Wanderley, dono e CEO da Petra Gold, ganhou notoriedade no cenário financeiro carioca ao emitir debêntures e captar centenas de milhões de reais sem autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A organização criminosa investiu parte do montante em patrocínios culturais e esportivos, além da aquisição de um teatro no Leblon e do financiamento de museus como o MAR e o MAM.

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