Brasília – A tentativa de transformar uma investigação de golpe de Estado em debate semântico irritou profundamente o ministro Alexandre de Moraes nesta sexta-feira (23 de maio), durante o depoimento do ex-deputado e ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo, no Supremo Tribunal Federal (STF).
Chamado como testemunha de defesa na ação que apura a trama golpista liderada por Jair Bolsonaro, Rebelo acabou levando uma dura advertência do relator: “Se o senhor não se comportar, o senhor será preso por desacato.”
A sessão integra a fase de oitivas de testemunhas dos réus Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin, e Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, acusados de integrar o núcleo operacional do plano golpista para manter Bolsonaro no poder após sua derrota nas urnas em 2022.
Rebelo foi questionado sobre a frase dita pelo então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, que teria afirmado estar com as tropas “à disposição” do então presidente. O ex-deputado, em vez de responder objetivamente, optou por uma ginástica linguística para suavizar o conteúdo da fala.
“Quando alguém diz que ‘estou frito’, não está numa frigideira. Quando diz que está ‘à disposição’, pode ser força de expressão. Isso não deve ser lido literalmente”, disse Rebelo, segundo o g1.
Moraes cortou a divagação com firmeza:
“O senhor estava na reunião quando o almirante Garnier disse a expressão? Então o senhor não tem condição de avaliar a língua portuguesa naquele momento. Atenha-se aos fatos.”
Rebelo insistiu que sua interpretação era legítima e criticou o que chamou de tentativa de censura. Moraes, então, não deixou margem para ambiguidade:
“Se o senhor não se comportar, o senhor será preso por desacato.”
A troca de farpas não ficou apenas na tensão retórica. Ela expõe a tentativa de certos setores de distorcer fatos objetivos e blindar os responsáveis pela tentativa de golpe. As oitivas desta semana, que incluem depoimentos de militares de alta patente, têm sido reveladoras sobre a extensão da articulação antidemocrática.
Já prestaram depoimento, por exemplo, o ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, e o ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, ambos confirmando que havia um plano para invalidar o resultado das eleições e manter Bolsonaro no cargo à força — uma confissão que desmonta qualquer discurso de “mal-entendido institucional”.
A operação golpista, ainda sob investigação pelo STF e pela Polícia Federal, também mira a participação de outros membros das Forças Armadas, da Abin e de setores bolsonaristas da política e do empresariado. Moraes tem conduzido a instrução com mão firme, rechaçando tentativas de desviar o foco ou de transformar o julgamento em palanque ideológico.
A fala de Rebelo também reabre a discussão sobre o papel de ex-esquerdistas que hoje orbitam o bolsonarismo. Figura histórica do PCdoB, Aldo foi ministro nos governos Lula e Dilma, mas, nos últimos anos, tem adotado posições alinhadas a um nacionalismo conservador, frequentemente usado como biombo para flertes com a extrema-direita.
Enquanto os fatos se acumulam, os depoimentos reforçam que a tentativa de golpe de 2022 foi real, organizada, com apoio institucional e militar — e não um episódio nebuloso de “forças de expressão”.
O Carioca esclarece
Quem é Aldo Rebelo?
Ex-ministro nos governos Lula e Dilma, Aldo foi presidente da Câmara e hoje atua como articulador político ligado a setores conservadores, mesmo com passado na esquerda.
O que está sendo julgado no STF?
A ação investiga uma trama golpista articulada por militares e aliados de Jair Bolsonaro para impedir a posse de Lula após a vitória nas eleições de 2022.
Como isso afeta a democracia brasileira?
Revela que as instituições ainda enfrentam ameaças internas de rupturas autoritárias. Julgar os envolvidos é essencial para impedir novas tentativas.
Por que Moraes ameaçou prender Rebelo?
Porque Rebelo tentou relativizar uma fala-chave sobre apoio militar ao golpe, desviando o foco do julgamento com argumentos interpretativos sem base factual.