Brasília – O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), comunicou oficialmente à presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, que a regra sobre sobras eleitorais deve ser aplicada imediatamente, com efeito retroativo às eleições de 2022. A decisão, publicada nesta sexta-feira (23), impõe a troca de sete deputados federais e desencadeia uma recontagem de votos que promete tensão no Congresso.
A determinação parte do acórdão do STF publicado em 14 de maio de 2025, que consolida o entendimento de que a redistribuição das vagas restantes nas eleições proporcionais deve seguir os critérios atualizados da Corte. O julgamento da matéria foi encerrado ainda em fevereiro de 2024, mas só agora começa a surtir efeitos práticos, com impacto direto na composição da atual legislatura.
O TSE deverá notificar todos os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) para refazer os cálculos das sobras com base nas novas regras. Em seguida, as casas legislativas serão informadas para que os parlamentares substituídos sejam formalmente desinvestidos dos cargos e os novos deputados diplomados e empossados.
A mudança afeta diretamente a aplicação do quociente eleitoral, que define as primeiras vagas proporcionais com base nos votos válidos. As chamadas “sobras” são as cadeiras restantes que, até então, eram distribuídas com critérios menos rigorosos sobre a votação mínima dos partidos. Agora, com o novo entendimento, partidos com votações pequenas podem ficar de fora mesmo com candidatos bem votados — o que altera mandatos já em curso.
A decisão do STF contraria frontalmente o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que tenta há meses barrar a medida. Ele protocolou um recurso no próprio Supremo, alegando que a retroatividade prejudica a estabilidade institucional e que as novas regras deveriam valer apenas a partir das eleições municipais de 2024.
O argumento de Motta teve apoio parcial do então ministro Ricardo Lewandowski, em voto proferido em 2023, antes de se aposentar. Mas com a chegada do ministro Cristiano Zanin, nome indicado por Lula, a balança virou. Zanin votou a favor da aplicação imediata, alinhando-se a Flávio Dino e selando o destino de sete mandatos.
Um dos nomes diretamente atingidos é o da deputada bolsonarista Sílvia Waiãpi (PL-AP), que deve perder sua cadeira para um aliado do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) — figura-chave nas articulações para garantir a aplicação da nova regra ainda nesta legislatura. Dos sete novos parlamentares beneficiados, quatro são aliados de Alcolumbre, o que aumenta seu cacife político em Brasília.
Os estados impactados são Amapá, Tocantins, Distrito Federal e Rondônia, o que mostra a capilaridade das mudanças e o efeito dominó que a decisão pode provocar em disputas regionais. Em muitos casos, a nova configuração da Câmara pode alterar votações importantes, como reformas e projetos de interesse do Planalto.
A ordem de Flávio Dino chega em um momento de crise institucional latente, em que os presidentes da Câmara e do Senado disputam protagonismo. Alcolumbre, que já presidiu o Senado e hoje comanda a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), emerge como um articulador silencioso, enquanto Motta se vê encurralado pelas decisões do Supremo.
Ainda que a troca imediata de parlamentares esteja respaldada na legalidade da decisão judicial, o gesto é carregado de simbolismo político: mostra o STF como força moderadora contra os retrocessos do centrão e abre um precedente incômodo para os que apostavam na inércia das instituições.
Nos bastidores, o Planalto observa com cautela. A recomposição das bancadas pode alterar alianças e isolar figuras da extrema-direita, mas também pode trazer surpresas desagradáveis em futuras votações. A base de apoio de Lula no Congresso, que já é instável, pode ganhar fôlego ou rachar de vez, dependendo da capacidade de negociação com os novos ocupantes das cadeiras.
A recontagem dos votos deve ser feita nos próximos dias, e o TSE terá de agir com agilidade para evitar brechas jurídicas e acusações de insegurança eleitoral. A expectativa é que os novos parlamentares tomem posse ainda em junho, inaugurando mais um capítulo do já tumultuado cenário político brasileiro.
O Carioca esclarece (FAQ):
O que são as sobras eleitorais?
São as vagas remanescentes nas eleições proporcionais após o cálculo do quociente eleitoral. A nova regra do STF restringe o acesso a essas vagas a partidos com desempenho mínimo.
Quem são os deputados que perderão o mandato?
Entre os afetados está Sílvia Waiãpi (PL-AP). Os demais nomes ainda serão confirmados após a recontagem nos TREs.
Por que a decisão do STF gera crise no Congresso?
Porque altera a composição da Câmara durante a legislatura em curso, desafiando a articulação do presidente Hugo Motta e fortalecendo Alcolumbre nos bastidores.
Como isso afeta a democracia?
A decisão reforça critérios técnicos na distribuição de mandatos, mas escancara o desequilíbrio entre os poderes e a fragilidade do sistema político brasileiro.