Brasília – Em resposta direta à pressão de entidades por transparência e à sinalização jurídica da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Controladoria-Geral da União (CGU), o governo Lula anunciou nesta sexta-feira (23) que vai liberar, em até 15 dias úteis, o acesso a mais de 16 milhões de documentos relacionados a convênios, contratos e transferências públicas que movimentam cerca de R$ 600 bilhões. A medida corrige o polêmico apagão de dados ocorrido no sistema TransfereGov, responsável por centralizar informações sobre o uso do dinheiro público em obras, serviços e repasses a ONGs.
A decisão foi comunicada pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), após uma semana de críticas e o pedido formal de reabertura protocolado no Supremo Tribunal Federal (STF) por organizações como Transparência Brasil, Transparência Internacional e Contas Abertas.
Os documentos envolvem transferências firmadas entre o governo federal, estados, municípios e organizações não governamentais, incluindo notas fiscais, relatórios de prestação de contas, planos de trabalho e termos de parceria. O volume engloba ainda os polêmicos repasses via emendas parlamentares, frequentemente usadas como moeda de troca política.
Inicialmente, o acesso aos arquivos havia sido suspenso pelo MGI, sob o argumento de que parte deles poderia conter dados pessoais, cuja divulgação contraria a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A promessa era de que uma solução tecnológica para anonimizar os dados estaria pronta em até 60 dias. Mas, diante da pressão de entidades de controle social e do parecer da AGU, o governo recuou — e bem.
A nova diretriz reforça o óbvio: não se combate corrupção nem se fortalece a democracia com apagão de dados públicos. Ao retirar do ar arquivos essenciais para o controle social, o governo abriu brecha para acusações de retrocesso e censura administrativa, mesmo que por boas intenções legais.
Segundo nota do Ministério da Gestão, a reabertura dos arquivos seguirá respeitando a LGPD, com previsão de um canal específico para que titulares de dados pessoais possam exercer seus direitos. A pasta reconhece a “complexidade técnica e o volume expressivo dos documentos”, mas garante a liberação em até 15 dias úteis.
A reversão ocorre também após a repercussão negativa da reportagem do jornal O Globo, que revelou a exclusão dos dados do TransfereGov e o incômodo de servidores e entidades. Para as organizações de controle, os documentos são vitais para rastrear a aplicação dos recursos públicos, identificar desvios e fiscalizar o cumprimento das metas pactuadas.
E é aqui que a equação entre privacidade e interesse público precisa ser resolvida com responsabilidade, mas sem manobras burocráticas que sirvam de véu para a ineficiência ou, pior, para o obscurantismo. A transparência ativa é direito constitucional e obrigação de quem governa, não um favor de gabinete.
A movimentação do governo Lula demonstra sensibilidade, mas também expõe as tensões entre a burocracia digital e o dever de prestação de contas. Em tempos de orçamento secreto e de políticos que tratam dinheiro público como herança privada, garantir o acesso irrestrito a documentos sobre contratos e repasses é mais do que uma escolha política: é um compromisso com a democracia.
O que está em jogo aqui não é apenas a abertura de arquivos, mas a manutenção de um princípio: o dinheiro é público — e os dados também devem ser.
O Carioca esclarece:
O que são os documentos liberados pelo governo Lula?
São arquivos sobre contratos, convênios e repasses de recursos públicos entre União, estados, municípios e ONGs. Incluem notas fiscais, planos de trabalho e prestações de contas.
Por que esses arquivos foram inicialmente retirados do ar?
O Ministério da Gestão alegou risco de violar a LGPD por conter dados pessoais. A suspensão gerou reação negativa e pedidos de reabertura imediata.
Qual o valor envolvido nos documentos?
Cerca de R$ 600 bilhões, incluindo verbas de emendas parlamentares — recurso muitas vezes usado como barganha política no Congresso.
Essa medida fortalece a democracia?
Sim. A transparência na gestão pública é fundamental para o controle social, combate à corrupção e garantia de políticas públicas eficazes.