Tóquio – Em meio à estagnação econômica e à crescente solidão social, o Japão parece ter encontrado uma saída improvável: o oshikatsu, prática que transforma a devoção a ídolos da música, do anime e das redes em motor de consumo. De acordo com dados recentes, esse culto afetivo-financeiro já injeta mais de 21 bilhões de euros por ano na economia japonesa.
Seja nos vagões lotados da estação de Shinjuku, onde fãs compram espaços publicitários para parabenizar seus “oshis” com pôsteres dignos de campanha presidencial, seja nas lojas abarrotadas de CDs e chaveiros de boys bands adolescentes, o oshikatsu se consolida como fenômeno social — e estratégia econômica.
O que é o oshikatsu: quando idolatria vira mercado
O termo combina os vocábulos japoneses para “apoiar” (oshi) e “atividade” (katsu). Na prática, é o conjunto de ações — presenciais ou digitais — que fãs realizam para impulsionar seus ídolos: comprar produtos, comparecer a eventos, divulgar nas redes e até financiar propagandas públicas.
Não se trata apenas de paixão. Trata-se de capital emocional convertido em moeda. Um levantamento da agência japonesa CDG, em parceria com a Oshicoco, especializada em marketing fanático, revelou que fãs gastam em média 250 mil ienes por ano (R$ 8.600) com seus oshis.
Essa devoção, que já corresponde a 2,1% do varejo japonês, chamou atenção do governo, sedento por uma forma de aquecer o consumo após anos de retração alimentada por inflação, pandemia e instabilidade global.
Não é só adolescente: mães e cinquentonas no topo do ranking
Engana-se quem acha que o oshikatsu é modinha juvenil. Segundo pesquisa da consultoria Harumeku, 46% das mulheres japonesas na faixa dos 50 anos têm um oshi que apoiam financeiramente. Para muitas, trata-se de um novo tipo de relação — segura, idealizada e emocionalmente compensadora — após os filhos saírem de casa ou o casamento esfriar.
E sim, há um desequilíbrio de gênero nessa equação: enquanto o Japão ainda espera que os homens sustentem a família, são as mulheres que sustentam os ídolos — muitos deles jovens, bonitos e moldados para ativar o desejo de afeto em massa.
Crise de afeto, consumo de fantasia
Mas o que a imprensa tradicional chama de “fanatismo obsessivo” talvez seja só o reflexo de um vazio relacional cada vez mais profundo. Em vez de namoros ou amizades, jovens — especialmente homens precarizados fora do mercado corporativo — buscam refúgio emocional em figuras inalcançáveis e em atividades de consumo afetivo.
O Japão já oferece um cardápio de serviços que beiram a distopia: abraços pagos, amigos por hora, encontros com drag queens acompanhantes. O oshikatsu, nesse cenário, é apenas o verniz pop de um sistema onde até o carinho virou produto.
Uma nova economia da solidão
O capitalismo japonês entendeu o recado. Se as pessoas se afastam da vida em comunidade, da família tradicional e dos laços duradouros, que venham as comunidades de afeto em torno de ídolos virtuais ou humanos.
E o mais curioso: enquanto grandes corporações tentam surfar no oshikatsu como motor de crescimento, os próprios fãs preferem apoiar artistas em ascensão — o que desafia a lógica das superestrelas fabricadas e redistribui parte da receita diretamente para criadores independentes.
O resultado é ambíguo: de um lado, o oshikatsu movimenta bilhões e oferece alívio emocional. Do outro, escancara um modelo de sociedade onde a carência virou capital e o afeto, mercadoria.
O Carioca esclarece
O que é o oshikatsu e por que ele cresce no Japão?
É o ato de apoiar ídolos com dinheiro e presença ativa. Cresce porque preenche vazios emocionais e vira estratégia econômica.
Quanto o oshikatsu movimenta por ano?
Mais de 21 bilhões de euros, representando cerca de 2,1% das vendas do varejo japonês.
O oshikatsu ajuda ou prejudica a economia japonesa?
Ajuda no curto prazo, mas especialistas duvidam de seu impacto estrutural, já que depende de consumo emocional instável.
Como o oshikatsu afeta a sociedade japonesa?
Revela uma crise de vínculos sociais e um novo tipo de economia baseada em relações mediadas por consumo e fantasia.
Com informações do The Conversation