Rio de Janeiro – Se depender do governador Cláudio Castro (PL), o Rio de Janeiro vai trocar o pão e o circo por câmera e controle. Inspirado no “Big Brother” — mas sem prêmios, paredão ou consentimento —, o governo estadual fará na próxima sexta-feira (30) uma audiência pública para apresentar a farra do videomonitoramento nas cidades fluminenses. Sob o pretexto de ouvir “sugestões da sociedade”, a proposta real é clara: consolidar um esquema de vigilância no Rio com apoio tecnológico da China, mas com o DNA autoritário de sempre.
No papel, o encontro organizado pela Secretaria da Casa Civil servirá para colher ideias, exibir tecnologias e abrir caminho para um novo processo licitatório. Na prática, já está tudo encaminhado: as empresas chinesas Hikvision e Dahua, gigantes do mercado de segurança e acusadas internacionalmente de colaboração com regimes opressores, foram as escolhidas de Castro para transformar o estado numa vitrine de controle digital.
Big Brother made in China
Em abril, durante viagem à China, Castro assinou acordos com a Hikvision e a Dahua para expandir o sistema de vigilância a todos os 92 municípios do estado. O modelo é simples e perverso: o governo estadual compra as câmeras e os municípios arcam com instalação e manutenção. Ou seja, terceirização da responsabilidade com custo público e benção bolsonarista.
O evento de sexta-feira, marcado para as 10h, no auditório do Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), será palco para empresas venderem seus equipamentos em apresentações individuais — mediante cadastro prévio por e-mail, claro, porque até o teatro do “debate democrático” tem script.
A audiência é o verniz institucional de um projeto que já está em curso. As imagens do aviso público, divulgadas nas redes do governo, mais parecem convite para um reality show do que chamada para uma política pública de segurança.

Vigilância seletiva e política de fachada
A aposta no videomonitoramento em massa se insere numa tendência perigosa: o uso de tecnologias de vigilância sem controle social, transparência ou debate público efetivo. Em vez de priorizar políticas estruturais de segurança, como investimento em educação, urbanismo e prevenção à violência, o governo de Cláudio Castro opta por soluções de fachada, que funcionam melhor como peça publicitária do que como medida eficaz de proteção.
Mais grave ainda: a Hikvision e a Dahua estão sob investigação em diversos países por fornecerem sistemas usados em monitoramento de minorias étnicas e repressão policial. A primeira, inclusive, foi banida nos EUA por suposta ligação com a vigilância da população uigur, na China.
Mas isso não parece preocupar o governador — cuja base bolsonarista vibra com qualquer medida que remeta a “lei e ordem”, desde que aplicada sobre os corpos certos: pobres, pretos e periféricos.
Audiência ou encenação institucional?
A tal “audiência pública” segue o manual da gestão autoritária com verniz técnico: convoca o setor privado, abre inscrição por e-mail e ignora completamente os principais interessados — a população.
Não há qualquer menção a consultas populares, debate com universidades, movimentos sociais ou especialistas em privacidade de dados. Também não se discute o risco de abuso policial, uso político das imagens ou armazenamento indevido das informações coletadas.
Se não fosse trágico, seria cômico. Cláudio Castro posa de Tadeu Schmidt, mas quem vai para o confessionário não é o governo — é o cidadão fluminense, agora sob o risco de ser vigiado até na calçada de casa.