Mauro Cid corre risco de perder o prêmio por sua delação

Em sua edição de 22 de março de 2024, a revista VEJA publicou em reportagem de capa o que o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante-de-ordem de Bolsonaro, chamaria depois de “desabafo”, “delírio” ou “crise psicológica” pela qual tinha passado.

Eram trechos de um áudio gravado por um confidente de Cid ,onde ele dizia que a Polícia Federal o pressionou a relatar fatos sobre a tentativa de golpe de dezembro de 2022 que não aconteceram e a detalhar eventos sobre os quais não tinha conhecimento.

Àquela altura, Cid já assinara um acordo de delação premiada com a Justiça. Ele se comprometeu a contar tudo o que sabia ou testemunhara em troca de uma pena, se condenado fosse, no máximo de dois anos de prisão.

As revelações feitas por Cid, segundo a revista, “foram fundamentais para a elucidação da trama golpista urdida pelo seu antigo chefe.” Graças a elas, “sabe-se hoje que a democracia esteve ameaçada após as eleições de 2022.”

Os bolsonaristas celebraram a reportagem. Estavam certos de que ela invalidaria a delação da Cid. E se isso acontecesse,  os mentores  do golpe se salvariam. Ocorre que a delação não basta para incriminar ninguém. Há que se ter provas robustas dos fatos.

E a Polícia Federal tinha. E Cid ofereceu novas informações. E o prêmio por sua delação foi mantido. Esta semana, ao ser interrogado no Supremo Tribunal Federal, Cid disse que reafirmava tudo o que contou `a Polícia Federal em nove depoimentos.

Os demais réus, entre eles Bolsonaro, não conseguiram refutar de forma convincente o que Cid contou e o que a Polícia Federal apurou em mais de dois anos de investigação. Os advogados de defesa dos réus admitem que eles serão condenados e presos.

A edição da VEJA desta semana traz novamente Cid na capa e sob o título “Ele mentiu”. Em mensagens postadas em um canal do Instagram à época da sua “crise psicológica”, Cid responde a perguntas feitas por “uma pessoa” próxima de Bolsonaro.

É uma espécie de versão por escrito do áudio citado na reportagem de 22 de março de 2024.  A revista reconhece:

“O teor das mensagens no Instagram é parecido com os áudios obtidos e divulgados por VEJA no ano passado, ocasião em que Cid acabou preso e seu acordo de delação por pouco não foi rompido.”

Coincidência ou não, o canal do Instagram @gabrielar702 tem o nome da mulher de Cid, Gabriela. E foi motivo de uma série de perguntas que o advogado de defesa de Bolsonaro, Celso Vilardi, fez a Cid por meio do ministro Alexandre de Moraes:

“Quero saber se ele [Cid] fez uso em algum momento para falar de delação de um perfil no Instagram que não está no nome dele” – indagou Vilardi. Cid respondeu que não. Vilardi insistiu: “Ele nunca usou perfil de mídia social para falar com ninguém?”.

Cid, de novo, garantiu que não. “Conhece um perfil chamado @gabrielar702?”, tentou mais uma vez o advogado. Cid, nesse momento, gaguejou:

“Esse perfil, eu não sei se é da minha esposa”.

Vilardi e a VEJA parecem convencidos de que o perfil era da mulher da Cid. Depois do diálogo entre Vilardi e Cid, o canal desapareceu do Instagram. Se restar provado que Cid usou o canal, ele poderá perder o prêmio que a delação lhe assegurou.

A defesa de Bolsonaro aposta mais alto. A VEJA ouviu Gustavo Sampaio, professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense. Falando em tese, Sampaio declarou:

“Como grande parte do conjunto probatório demonstrativo da autoria delitiva decorreu da colaboração premiada, se ela cair, de uma certa maneira isso vai ensejar o enfraquecimento geral do conjunto probatório”.

Filhos e aliados de Bolsonaro atravessaram a madrugada nas redes sociais batendo bombo para a reportagem da VEJA.

 

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