Dono de contratos milionários ajudou “como amigo” reforma de Bolsonaro

A reforma na casa de praia do ex-presidente Jair Bolsonaro em Angra dos Reis (RJ), na Costa Verde fluminense, teve a participação de um empreiteiro que, em uma semana, venceu licitações de quase R$ 17 milhões em contratos ligados ao governo do correligionário Cláudio Castro (PL).

Em um dos certames, de R$ 9 milhões, o empresário venceu concorrendo sozinho.

Renato de Araújo Corrêa atuou como uma espécie de coordenador da obra do ex-presidente. A presença constante do empresário foi relatada por vizinhos ao Metrópoles.

Essas pessoas, que pediram para não ter os nomes divulgados, afirmaram tê-lo visto no local semanalmente, na época da virada de ano, orientando os operários “como se fosse o chefe deles”.

Vídeo obtido pela reportagem (veja abaixo) mostra um discurso em Angra, no Hotel do Bosque, no dia 7 de janeiro deste ano. Na ocasião, Bolsonaro comenta com a plateia sobre a reforma em sua residência.

Olhando e apontando com a mão para Renato, ao seu lado no palco, o ex-presidente diz que o empresário estava “pagando” tudo.

“Minha casa aqui não é o sítio de Atibaia, não”, prosseguiu, em referência ao imóvel eixo das investigações por corrupção e lavagem de dinheiro contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a Lava Jato.

Casa do ex-presidente Bolsonaro em Angra dos Reis (RJ), após reforma feita na virada do ano

Renato diz que reforma de Bolsonaro foi terceirizada

Ao Metrópoles, Renato negou ter sido o responsável por executar a obra na casa de Bolsonaro.

“Foi uma empresa terceirizada”, explicou, sem dizer quem teria terceirizado o serviço. Ele argumentou que o ex-presidente pagou a suposta firma e tem todas as notas fiscais. Questionado sobre qual seria o nome dessa empreiteira, o empresário disse não lembrar, pois ela “tem o nome um pouco complicado”: “Agora você vai me pegar.”

Questionado sobre os relatos dos vizinhos, Renato explicou que deu apenas “pitacos” na revitalização do espaço.

Renato acrescentou que ia semanalmente ao imóvel para atuar como uma espécie de “fiscal”. De acordo com ele, toda a ajuda foi “como amigo”.

Ao fim da entrevista, o empreiteiro admitiu que usou seus funcionários para finalizar a reforma, sem explicar por que esse serviço não foi feito pela suposta firma titular do trabalho. Como ele contou, fez um mutirão com “uns 10 funcionários” das empresas dele.

O empresário explicou que mandaria uma série de fotos feitas por ele com a equipe “arrastando brita”. Na sequência, enviou as imagens que ilustram essa reportagem e estão na galeria, em que operários aparecem espalhando pedras pelo jardim.

A casa tem cerca de 700 metros quadrados, ocupa dois lotes na Vila de Mambucaba e passou por troca de piso, conserto do telhado, troca de esquadrias, quebra de paredes, reconstrução de um muro e pintura por dentro e por fora, segundo Renato. Informalmente, antes da obra, o imóvel estava avaliado em cerca de R$ 1 milhão.

Em entrevista recente ao jornal Folha de S. Paulo, Bolsonaro afirmou que tem todas as notas fiscais da reforma, paga do “bolso” dele. Até agora, no entanto, não se sabe o valor da revitalização nem qual foi a participação detalhada de cada empresa no trabalho.

Questionados sobre o valor da obra pelo Metrópoles, nem Renato nem o ex-presidente Jair Bolsonaro responderam a reportagem.


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Caribe brasileiro

Firmas de Renato atuaram, em 2022, na reforma do aeroporto de Angra dos Reis, projeto xodó dos filhos de Bolsonaro. O próprio ex-presidente repete, em entrevistas e discursos, que gostaria de transformar a região no “Caribe brasileiro”.

A ampliação da pista de pousos e decolagens em Angra foi encabeçado pelo então ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. Bolsonaro era presidente. Hoje governador de São Paulo pelo Republicanos, Tarcísio chegou a anunciar o repasse de R$ 26 milhões do ministério para a empreitada.

Em 2020, Tarcísio foi a Angra para uma visita técnica. Fotos da época mostram uma série de eventos em que estão presentes a tropa de choque angrense do partido do presidente: os senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Wilder Morais (PL-GO), que tem uma mansão na região – aliás, reformada por Renato.

Veja vídeo:

Um imbróglio político, no entanto, fez com que a verba federal não viesse e o governo de Castro investisse dinheiro próprio na obra. O certame organizado pelo Executivo fluminense foi marcado por uma guerra de recursos apontando irregularidades na contratação (veja abaixo).

O consórcio vencedor subcontratou empresas de Renato para participar do processo de modernização do aeroporto. O valor desse serviço é um mistério.

Entre os dias 7 e 14 de dezembro de 2022, as empresas de Renato venceram dois contratos com o governo estadual do Rio, na área de Segurança Pública: um para reforma de um hangar na Lagoa Rodrigo de Freitas por R$ 7,6 milhões e, outro, para revitalizar o prédio do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), no centro da cidade, por R$ 9,3 milhões.

Casa de Jair Bolsonaro em Angra dos Reis (RJ) antes e depois da reforma

No total, foram quase R$ 17 milhões. Nessas duas últimas obras, Renato usou uma empresa em nome da esposa, Tainá Nóbrega, a TN de Souza Comércio e Serviços Ltda.

Apesar de ter um cadastro distinto na Receita Federal, a firma tem praticamente o mesmo nome fantasia da construtora de Renato. A dela chama-se Bravo Comércio, Serviços e Construções. A dele é a Bravo Serviços e Construções.

O senador Wilder Morais é apontado como responsável por apresentar o empreiteiro à ex-família presidencial. Nascido em uma família humilde de Angra, Renato expandiu seu círculo de contatos ao colar no clã Bolsonaro.

Em algumas fotos, ele aparece rodeado, simultaneamente, dos atuais governadores de Rio e São Paulo, ambos aliados de primeira hora do ex-presidente.

Renato foi, recentemente, anunciado como pré-candidato da família Bolsonaro à Prefeitura de Angra e virou amigo de Flávio Bolsonaro. É conhecido na cidade por ser dono de uma construtora que começou fazendo pequenas obras em postos de gasolina e, após um boom profissional nos últimos anos, passou a fazer reformas de mansões em ilhas paradisíacas, além de obras públicas.

Morto-vivo

A reforma do aeroporto de Angra dos Reis foi licitada pela Secretaria Estadual de Transportes do Rio. O contrato foi assinado na gestão do ex-secretário André Luiz Nahass.

Hoje, a pasta é comandada pelo bolsonarista Washington Reis, ex-prefeito de Duque de Caxias – cidade central no esquema de falsificação da carteira de vacinação contra Covid-19 de Bolsonaro, investigada pela Polícia Federal (PF).

Para colocar o projeto em prática, o então ministro Tarcísio anunciou, em 2020, um investimento de R$ 26 milhões para aumentar a capacidade do espaço e garantir melhorias de segurança.

Os recursos seriam enviados para o governo do Rio, por meio de um convênio. Em 2022, no entanto, a parceria foi desfeita. Castro usou verbas do caixa estadual na empreitada, que contou apenas com o apoio técnico necessário da esfera federal.

Dois consórcios se credenciaram para a competição, em 2020. O certame se arrastou por quase dois anos, já que houve um longo embate jurídico de recursos entre os participantes. Eram dois grupos de empresas com nomes quase idênticos: o consórcio AeroAngra e o Aero Angra, este último com espaço entre as palavras.

Em abril de 2022, no entanto, houve uma movimentação peculiar. Após o embate técnico, finalmente foi decidido pelo governo que o vencedor seria o consórcio AeroAngra, após a desclassificação do Aero Angra.

O ganhador, porém, julgou que, após tanto tempo, a proposta já não era mais economicamente viável. Desistiu do aeroporto.

A solução do Executivo fluminense foi “ressuscitar” o consórcio eliminado, por ter apresentado um preço acima do permitido em etapas anteriores. Feitos os ajustes nos valores, o “morto” ganhou vida e está fazendo a obra.

Foi esse grupo de empresas que paga a firma de Renato, em uma subcontratação que envolve reparos em cercas e canaletas, serviço que o amigo de Bolsonaro faz questão de divulgar em suas redes sociais.

Impressão digital

O empreiteiro venceu outra licitação, desta vez, aberta pela Empresa de Obras Públicas do Rio (Emop), órgão ligado à secretaria de Infraestrutura e Obras e que, na época da Lava Jato, teve envolvida em inúmeros casos de corrupção.

O projeto, agora, é a reforma geral do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), no centro do Rio. O edital foi lançado em 19 de setembro de 2022, segundo o site de processos do governo. Houve um primeiro chamamento público, três dias depois, que acabou sendo reagendado para 7 de dezembro.

Cinco dias úteis depois, houve a sessão para abertura dos envelopes. Resultado: a empresa de Renato ganhou sozinha. O valor do contrato: R$ 9,3 milhões.

Sobre a reviravolta na licitação para a reforma do aeroporto de Angra, a Secretaria de Estado de Transporte e Mobilidade Urbana (Setram) informou que “o ato da desclassificação da proposta foi revisto com base na legislação em vigor à época, conforme consta no processo, que é de acesso público”.

Já em referência às licitações para as obras no Hangar Lagoa e para reforma do ICCE, a a EMOP diz que os processos “seguiram os trâmites legais, com adoção do menor preço global”. Segundo o órgão, “as duas concorrências foram vencidas pela empresa TN de Souza Comércio Serviços e Construções e tiveram contratação semi-integrada.”

O amigo do jet ski

Como mostrou o Metrópoles, quando a PF foi cumprir um mandado de busca e apreensão contra o vereador Carlos Bolsonaro na casa de Angra, os membros da família saíram para pescar pouco antes da chegada dos investigadores. Naquela segunda (29/1), uma das três embarcações não voltou do mar enquanto os policiais estavam na casa da família.

Os policiais suspeitam que o sumiço possa ter relação com alguma operação para esconder provas ou itens suspeitos. Depois, o senador Flávio Bolsonaro explicou que era ele que conduzia a moto aquática em questão, que seria emprestada. E que teria ido devolver a máquina para o dono. Renato é o proprietário do jet ski.

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