Mãe sobre suposta execução do filho em SP: “Assassinos de farda”

São Paulo – “Não estou generalizando a corporação, mas esses três policiais militares são assassinos que usam farda e seu poder para destruir famílias”.

Essa frase, dita ao Metrópoles pela assistente administrativa Vanessa Cristina Marconato, de 45 anos, resume a dor e o sentimento de impunidade, vivenciado por ela e a família, desde que seu filho, de acordo com a mulher, foi executado por PMs. O caso aconteceu em Limeira, interior de São Paulo, há quase dois meses.

O eletromecânico Vinícius Marconato de Souza, de 24 anos, foi morto com oito tiros, de 16 disparados por policiais militares do 36º Batalhão do Interior, em 16 de março.

Como confirmado em depoimento, obtido pelo Metrópoles, o tenente Pedro Henrique Teixeira admitiu ter atirado cinco vezes e o soldado Marcelo Farias Lima, 11. Ambos estavam em uma viatura, conduzida por um terceiro policial, que não disparou.


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Segundo os PMs, só houve tantos tiros porque Vinícius também teria disparado. Ele estaria dirigindo sozinho, ainda de acordo com os policiais, um carro roubado horas antes.

“Meu filho trabalhava registrado, nunca entrou em delegacia, nunca se envolveu com nada errado. O erro dele foi estar bêbado e entrar no carro”, afirmou Vanessa. O jovem era o filho caçula dela– a mãe ainda tem uma filha de 27 anos.

A assistente administrativa explicou que Vinícius, de fato, estava no carro que foi roubado. Mas, segundo ela, o filho não sabia disso.

Ele entrou no veículo, um Palio Weekend, quando foi abordado pelo criminoso que teria roubado o carro, horas antes. Nenhum dos amigos que estavam com Vinícius conheciam o suspeito que abordou o eletromecânico, na madrugada de 16 de março.

“O Vinícius era muito comunicativo, estava bebendo desde dia 15, começou às 16h30”, acrescentou Vanessa, atribuindo à embriaguez do filho o motivo para ele ter entrado no carro com o suspeito.

A revolta da mãe

Imagens de câmeras de monitoramento indicam que Vinícius não participou do assalto, ocorrido no início da madrugada do dia 16, no bairro Morada das Acácias.

Os registros mostram que dois criminosos, usando roupas diferentes das de Vinícius, abordam duas mulheres logo após elas saírem de uma residência. A ação dura cerca de um minuto e os bandidos fogem, levando o Palio Weekend.

Enquanto o assalto acontecia, Vinícius estava em outro bairro, bebendo com amigos. Ele havia começado a balada, conforme publicação nas redes sociais, às 16h30 do dia 15/3, uma sexta-feira. O rapaz também era conhecido na cidade por jogar no time de futebol amador Bomba Futsal.

Em depoimento à Polícia Civil, os amigos dele relataram que o grupo foi migrando de bares, passando por três bairros da cidade.

“O não envolvimento do Vinícius no roubo do carro já está provado. O que nos incomoda é a execução de que ele foi vítima. Os PMs não falaram sobre outros bandidos, quando abordaram o carro onde meu filho estava”, afirmou Vanessa.

Relato dos policiais

Em depoimento na Delegacia Seccional de Limeira, o tenente Teixeira e o soldado Farias, do 36º BPMI, afirmaram terem sido informados sobre o roubo do carro, por volta das 2h do dia 16/3.

Eles avistaram o veículo no cruzamento das Ruas Maria Vilma Buck Bertaia e Antônio de Luna e uma perseguição se iniciou, sentido à Estrada da Balsa.

Em uma curva sinuosa, segue o relato dos policiais, o condutor do carro roubado teria perdido o controle e o Palio ficou atravessado na rua.

Nesse momento, segundo os PMs, teria ocorrido uma primeira troca de tiros, após a qual o suspeito embarcou novamente no veículo. A perseguição continuou, segue o relato à Polícia Civil, e se estendeu até o bairro Las Palmas, onde o carro roubado foi parado no cruzamento das Ruas Norma Chiquinho Faber e Paulo Gomes da Silva, na altura do número 230.

O suspeito, ainda segundo os policiais, teria atirado e um segundo tiroteio ocorreu.

“O criminoso entrou na mata e, afim de evitar novo confronto, mudamos a rota percorrida por este e adentramos também na mata”, diz trecho do relato dos PMs.

No matagal, acrescentaram os policiais, houve uma terceira troca de tiros, na qual “o indivíduo cessou as reações hostis e o resgate foi acionado”.

Quando socorristas chegaram no local, encontraram Vinícius, já morto, com um revólver calibre 38 e seu celular ao lado do corpo.

Laudo da Polícia Técnico Científica, obtido pelo Metrópoles, mostra que o jovem foi baleado seis vezes nas regiões do abdômen e peito, uma nas costas e, também, uma vez na cabeça, na têmpora direita (leia trecho abaixo).

Reprodução de trecho de laudo pericial - Metrópoles

Em nenhum momento do depoimento os policiais mencionam a presença de outro suspeito além de Vinícius.

A arma apreendida com ele, segundo registros da Polícia Civil, estava com quatro tiros deflagrados e duas munições ainda íntegras no tambor do revólver.

Essa quantidade de munição contrasta com os 16 disparos dados pelos PMs, que afirmaram terem trocado tiros com o eletromecânico três vezes durante a perseguição.

Um exame residuográfico, feito no cadáver do rapaz, não identificou pólvora em ambas as mãos dele.

Uma testemunha, que terá a identidade preservada por questões de segurança, afirmou ter ouvido os policiais conversarem sobre colocar uma arma no local onde Vinícius foi morto (ouça abaixo).

“Um policial falou assim, onde consigo outra arma. Ai o outro respondeu assim, você pega lá. Entendeu? Mas onde que é eu não sei”.

Veja:

 

Intimidação

Vanessa afirmou que os PMs envolvidos na morte de seu filho começaram a passar constantemente em frente à casa dela, após a assistente administrativa formalizar denúncias contra os policiais na Corregedoria da corporação e no Ministério Público de São Paulo (MPSP).

“Tenho medo de acontecer algo comigo, ou com minha família. Só queremos lutar por Justiça”, afirmou a mulher.

Vanessa e o marido estão se medicando para conseguir dormir, desde a morte do filho. Ela inclusive afirmou “estar sem cabeça” para trabalhar e pretende abandonar o emprego. A sobrinha de Vinícius, de 6 anos, pergunta todos os dias pelo tio, ao qual era muito apegada.

“Eles destruíram o meu psicológico, do meu marido e da nossa filha [irmã mais velha de Vinícius]. Nada trará meu filho de volta, mas queremos que os culpados paguem”, acrescentou.

SSP e PM

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo afirmou, em nota enviada ao Metrópoles, que o caso é investigado pelo 4º DP de Limeira. Um Inquérito Policial Militar também foi instaurado, acrescentou, para apurar “todas as circunstâncias relativas ao fato”.

A Corregedoria da PM afirmou acompanhar o andamento dos inquéritos, afirmando ainda “estar à disposição” para que os parentes de Vinícius denunciem “a conduta dos agentes” que passam de viatura em frente à casa da família.

“A Polícia Militar é uma instituição legalista, possui rígidos protocolos operacionais e não compactua com excessos, indisciplina ou desvios de conduta”.

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